Acórdão nº 10758/01.4TVLSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – Em Novembro de 2001, AA, S.A., que sucedeu nessa posição a BB, S.A., instaurou execução para pagamento de quantia certa, precedida de prévia liquidação no montante global de 1.063.994.200$00, acrescido de juros vincendos, à taxa de 12% ao ano e outras que entrem sucessivamente em vigor, contra Radiotelevisão Portuguesa, SA, tendo por base sentença arbitral, datada de 05.04.2000, proferida pelo Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

A executada deduziu embargos à execução e opôs-se à liquidação, alegando, em síntese, que: O Tribunal Arbitral é incompetente e a sua decisão é ineficaz, inexistindo título executivo.

Após a decisão arbitral, a exequente/embargada rescindiu os acordos, ao abrigo dos quais a mesma foi proferida, o que determinou a extinção das obrigações pretensamente exequendas.

A declaração de falência de CC, datada de 11 de Abril de 2000, implicou também a extinção de tais obrigações, na medida em que correspondem aos prejuízos que a mesma teria sofrido até 23 de Junho de 2002.

As obrigações exequendas nem sequer existem, por não estarem provados ou demonstrados quaisquer incumprimentos da executada, incumprimentos que, de resto, apenas poderiam ser alegados noutra acção, de conteúdo declarativo, mas não na presente execução.

Com tais fundamentos, c0ncluiu pela extinção da instância executiva e pela litigância de má fé da exequente, pedindo a sua condenação em multa ou indemnização, nunca inferior a 2.000.000$00, bem como no reembolso das despesas que terá de suportar com a presente execução, nomeadamente as que incorrer com os mandatários e técnicos utilizados.

A exequente apresentou contestação a pugnar pela improcedência dos embargos e do pedido da sua condenação como litigante de má fé.

Foi proferido saneador tabelar e, realizada a audiência final, foi proferida sentença (em 14.11.2016), a decidir o seguinte: a) “julgar improcedentes as arguidas exceções de incompetência do Tribunal Arbitral e a ineficácia da sua decisão, a inexistência de título executivo relativamente aos pedidos formulados pela exequente e a incerteza da obrigação exequenda quanto ao pedido atinente ao "valor potencial da atividade da CC"; b) condenar a executada a pagar à exequente a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal e contados da data de prolação da presente decisão; c) julgar improcedente o pedido indemnizatório formulado pela executada e fundado na alegada litigância de má fé; d) absolver a executada dos restantes pedidos formulados no requerimento inicial da execução".

Inconformada, apelou a exequente, com o objectivo de obter a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a executada a pagar-lhe o seguinte: i) Por referência às alíneas b) e d) da decisão arbitral um montante total não inferior a €139.849,19 (capital mais juros vencidos), acrescido de juros vencidos desde 08.05.2001 e vincendos contados sobre o capital em dívida (€102.532,85), até efetivo e integral pagamento; e ii) Por referência a alínea c) da decisão arbitral um montante total não inferior a €705.023,60, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento.

A Relação de … confirmou o sentenciado pela 1ª instância e, persistindo inconformada, interpôs a exequente recurso de revista excepcional, não admitido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, que ordenou a sua distribuição como revista normal (cfr. fls. 2206 a 2208).

A exequente finalizou a sua alegação, com as extensas e complexas conclusões que se transcrevem:

  1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de … proferido em 11.05.2017, nos termos do qual se decidiu "negar provimento ao recurso e em consequência confirmar a sentença recorrida", porquanto considerou que "não há violação de caso julgado quanto à al. d) da condenação arbitral" uma vez que crê que tal "condenação se terá devido a mero lapso".

  2. Sucede, porém, que a Recorrente de forma alguma se pode conformar com a sobredita Decisão, a qual além de ofender caso julgado se encontra em contradição com outro Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

  3. Fundamenta assim a Recorrente o presente recurso na ofensa de caso julgado, nos termos e para os efeitos, entre outros, da alínea a), do n.° 1 do artigo 629.° e artigos 619.° e 621.° do Código de Processo Civil.

  4. Nos presentes autos a exequente/embargada deu à execução uma decisão arbitral proferida em 5 de Abril 2000 pelo Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa/Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, nos termos da qual se condenou a executada a pagar àquela, nomeadamente, indemnização para ressarcimento dos danos, já produzidos e que vierem a ser produzidos enquanto se mantiver, por parte da RTP, o incumprimento dos acordos celebrados entre a RTP e a BB em 22.03.1995 e 11.05.1995, relativamente à execução e continuação do contrato celebrado entre a CC, S.A. e a Caixa DD, indemnização esta que deverá ser liquidada em execução de sentença, considerando-se, para o efeito, e apenas, 49 (quarenta e nove) por cento do valor dos danos que desse incumprimento resultarem para a CC; d) juros vencidos e vincendos sobre os montantes indemnizatórios referidos nas anteriores alíneas a) e b), desde a citação para esta ação (6 de julho de 1998) e até efetivo pagamento das indemnizações, juros que serão calculados às taxas legais supletivas de 15 (quinze) por cento até 16 de abril de 1999 e de 12 (doze) por cento desde 17 de abril de 1999; E) Na ação arbitral a que respeita a decisão dada à execução e na presente ação executiva: a. as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; b. o pedido é o mesmo, ou seja, pretende-se obter o mesmo efeito jurídico, neste particular, o pagamento de juros vencidos e vincendos - sobre o valor dos danos causados à aqui Recorrente decorrentes do incumprimento dos acordos celebrados entre a RTP e a BB em 22.03.1995 e 11.05.1995, relativamente à execução e continuação do contrato celebrado entre a CC, S.A. e a Caixa DD) - desde a citação para esta ação (6 de julho de 1998) e até efetivo pagamento das indemnizações, juros que serão calculados às taxas legais supletivas de 15 (quinze) por cento até 16 de abril de 1999 e de 12 (doze) porcento desde 17 de abril de 1999. c. a causa de pedir é a mesma, ou seja, procede do mesmo facto jurídico, neste particular, do incumprimento dos acordos celebrados entre a RTP e a BB em 22.03.1995 e 11.05.1995, relativamente à execução e continuação do contrato celebrado entre a CC, S.A. e a Caixa DD e dos danos que esse incumprimento causou à aqui Recorrente.

  5. Verifica-se, portanto, para efeitos de "caso julgado" uma tríplice identidade entre ambas as ações: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

  6. Sucede, porém, que em manifesta violação do caso julgado constante da condenação em juros da decisão arbitral, a qual havia condenado a executada no pagamento de juros vencidos desde a citação para a ação arbitral (6 de julho de 1998), o Acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal da Primeira Instância, o qual havia considerado que: "Os juros moratórios são devidos apenas desde a data de prolação da presente decisão." H) Para tanto, considerou o Acórdão recorrido que: "Compulsado o acórdão arbitral, nada se encontra que justifique a condenação em juros relativamente à alínea b), salvo a referência aos preceitos legais - artigos 804.°, 805.°n.°1e3, 806.° n.°1e2 do Código Civil entre outros. Ora, ao condenar em juros relativamente aos montantes indemnizatórios referidos na al. b) quanto nesta não são referidos montantes nenhuns, e porque é completamente estranho ao sentimento jurídico de um tribunal que afirma decidir segundo o direito, condenar em juros que se produzirão depois, se se produzirem, é manifesto que, ao menos nesta parte, a condenação se terá devido a mero lapso. É que a condenação em juros procede da responsabilidade contratual, e nesse sentido não há que aplicar a regra especifica da responsabilidade por facto ilícito constante do artigo 805.° n.° 3 do Código Civil.

  7. E, assim, concluiu que: "Entendemos assim que não há violação de caso julgado quanto à al. d) da condenação arbitral".

  8. Ao decidir de tal modo, cremos, com o devido respeito, que o Acórdão aqui recorrido violou grosseiramente o caso julgado constante da decisão arbitral.

  9. Dúvidas não existem que o Acórdão em crise ofende o caso julgado da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral e que nos encontramos perante uma tríplice identidade entre ambas as ações: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, bem como ofende, noutra vertente, a força e autoridade do caso julgado da decisão arbitral.

  10. A este propósito, esclarecedor é o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 21.01.2014 no âmbito do processo n.° 1748/08.7TBTVD-B.L1-7, que concluiu que: "3.0 caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão, e qualquer vício ou erro de julgamento de que a sentença dada à execução possa padecer, ou qualquer nulidade processual eventualmente praticada no processo, mostram-se, inexoravelmente, ultrapassados." M) Conforme se lê no referido acórdão, "Quer a referida nulidade processual, quer o erro de julgamento podiam ser invocadas e apreciados através de recurso, e transitando em julgado a sentença, ficam "sanados", ocorrendo caso julgado formal e caso julgado material. O prof. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V, págs. 156 e 157, em anotação aos arts. 671° e 672° do CPC39, escreve que "ao caso julgado, ou seja material ou seja simplesmente formal, anda inerente a ideia de imutabilidade. O trânsito em julgado imprime à decisão carácter definitivo; uma vez transitada em julgado, a...

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