Acórdão nº 3064/11.8TASB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Reclamação (artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal) * I.

1.

Na Instância Local de Setúbal, Secção Criminal, J1, e no âmbito do Processo n.º 3064/11.8 TASTB, o arguido e demandado AA foi julgado e condenado, por sentença de 03.03.2015, pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelos artigos 180.º, número 1, e 182.º, do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00, e a pagar à assistente e demandante BB a quantia de € 600,00 (seiscentos) a título de indemnização por danos morais sofridos.

2.

Inconformado com tal sentença, o arguido e demandado AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 27.09.2016, com o voto de vencido de um dos Juízes Desembargadores que o subscreveram, negou provimento ao recurso e manteve a decisão impugnada.

3.

Irresignado com o assim resolvido pelo Tribunal da Relação de Évora, o arguido e demandado AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que intitulou de “Recurso de Revista” e limitou à parte cível, nos termos dos artigos 400.º, número 3, do Código de Processo Penal, 627.º, 629.º, número 2, alínea d), 631.º, 637.º, números 1, e 2, alínea b), e número 3, primeira parte, 674.º, número 1, alínea a), 675.º, número 1, e 676.º, todos do Código de Processo Civil, com fundamento em invocada contradição do mesmo aresto com o acórdão da Relação do Porto de 12.03.2014, proferido no Processo n.º 12/12.1TAAFE-A- P1 e com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2008, proferido no Processo n.º 08A2680.

Sendo que da motivação de tal recurso extraiu o arguido e demandado AA as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso, o qual é de REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça, vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (com voto de vencido lavrado), com fundamento em contradição com Acórdão da Relação do Porto (de 12MAR2014, proferido no proc. n.º 12/12.1TAAFE-A.P1, pelo Desembargador Relator Dr. Artur Oliveira) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 18DEZ2008, proferido no proc. n.º 08A2680, pelo Conselheiro Relator Dr. Sebastião Póvoas).

  1. O presente recurso é interposto, independentemente do valor da causa e da sucumbência, nos termos do disposto no art.º 400º n.º 3 CPP e artºs 627º, 629º n.º 2 al. d), 631º, 637º n.ºs 1 e 2, 638º n.º 1, 639º, 671º n.ºs 1, 2 al. b) e 3 primeira parte, 674º n.º 1 al. a), 675º n.º 1, 676º, todos do CPC.

  2. No que subjaz à presente via recursal, e com referência ao sumário exposto no Ac. STJ proferido no proc. n.º 08A2680, importa aquilatar sobre os seguintes aspectos: - “Toda a participação criminal dirigida contra pessoa certa contém, objectivamente, ainda que a nível de suspeita por argumentos meramente indiciários, uma ofensa à honra e consideração do denunciado, por se traduzir na imputação de factos penalmente ilícitos”; - “O acesso aos tribunais para fazer valer um direito é constitucionalmente garantido, e o direito de participar criminalmente pode, em certos casos constituir um dever cujo incumprimento será, por si, a comissão de um ilícito penal. Mas a participação não pode ser feita com a consciência da falsidade da imputação”; - “Como princípio, o direito de denúncia prevalece notoriamente nos casos de denúncia vinculada e, em geral, porque como garantia de estabilidade, da segurança e da paz social no Estado de Direito deve assegurar-se ao cidadão a possibilidade quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos”; - “O regular exercício do direito exclui a ilicitude (é causa de justificação) como pressuposto da responsabilidade civil”.

  3. No âmbito dos presentes autos o Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão em 27SET2016, negando provimento ao recurso interposto, confirma a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, i. é, a condenação do ora Recorrente AA pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de difamação, p. e p. pelos artºs 180º n.º 1 e 182º, do C. Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €8,00 e ao pagamento de indemnização civil à assistente na quantia de €600,00 (seiscentos euros) por danos morais (artºs 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 e n.º 3, 1.ª parte, e 494, do CCivil), livre de juros (Assento n.º 4/2002).

  4. No que especificamente tange e esta via recursal, o Tribunal da Relação de Évora confirmou toda a matéria de facto dada como provada e como não provada.

  5. Assim, ficou definitivamente, firmado como factualidade provada que: “Da Acusação Particular 1.- No início de Março de 2011, a ora assistente foi notificada, na qualidade de arguida de uma acusação particular, deduzida contra si, no âmbito do processo n.º 513/10.6TASXL.

    2.- Na referida acusação particular, o arguido afirma que a assistente o ofendeu, bem como a mulher deste.

    3.- No artigo 7º da dita acusação particular, o arguido refere que a assistente é “useira e vezeira em ofender quer o assistente (ora arguido) quer mesmo a mulher deste, chamando-lhe: mentirosa, quando você é o monstro com quem vive, nunca conheci ninguém tão cínico, desleal, desonesto e com tanta falta de carácter e dignidade, então não consegue agora viver com o monstro que você diz ter fluidos mal cheirosos, será que ela sabia a pessoa mentirosa e desonesta que você é, amar um monstro como você é, não seria razoável mesmo para quem demonstra ser batráquio que me tivesse respeitado um pouco, mas você é um sapo gordo que cospe veneno para cima”, juntando como prova, o documento de fls. 5 da certidão da acusação particular, afirmando que foi a ora assistente que o enviou à mulher daquele.

    4.- No artigo 9º da acusação particular, o arguido refere que a denunciante assediou sexualmente a mulher dele.

    5.- No artigo 10º da referida acusação particular, o arguido refere que a Assistente “enviou mails à mulher do assistente (ora arguido), com conversas lascivas, impróprias”.

    8.- No artigo 18º da acusação particular, o arguido, ainda refere que é “duvidoso” que a ora assistente seja advogada.

    10.- No que respeita a 4) sabia que estava a ofender a assistente na sua honra e consideração e que a sua conduta não lhe era permitida por lei.

    14.- O arguido tinha razões para, de boa-fé, considerar verdadeiros os factos constantes de 4) e 8).

  6. De idêntico modo, ficou definitivamente assente como factualidade não provada que: “Da Acusação a.- A assistente nunca dirigiu as expressões constantes de 3) ao denunciado nem à mulher deste nem a ninguém.

    b.- Com tal imputação, o arguido quis e ofendeu a assistente.

    c.- O documento que o arguido junta como prova e diz ser um mail, que se encontra a fls. 5 da certidão da acusação particular, não corresponde à verdade, pois a assistente não escreveu tal texto.

    d.- O que consta de 4) consubstancia uma imputação falsa, dado não corresponder à verdade.

    e.- O que se escreveu em 5) é falso.

    f.- O conteúdo dos mails referidos em 5) não revela conversas lascivas, impróprias.

    g.- A assistente nunca manobrou a mulher do arguido para a afastar de quem quer que fosse, nunca a apelidou de “sapo gordo” e nunca usou o seu ascendente profissional sobre mulher do arguido para destruir a família deste, bem como nunca ofendeu a mulher do mesmo.

    h.- A Assistente é Advogada.

    i.- A assistente não escreveu o texto que consta como doc. 1, junto com a acusação particular, assim como também não o enviou por e-mail.

    Do Pedido de Indemnização Civil 1.- O demandado tinha perfeita consciência da falsidade das imputações invocadas.” 8.º Da factualidade definitivamente assente como provada e não provada, o Tribunal da Relação de Évora trilhou no sentido do entendimento de que a acusação particular apresentada por AA contra BB fazendo referência acerca de um eventual relacionamento sexual desta com a sua ex-esposa era objectivamente ofensivo da sua honra e consideração daquela (vd. págs. 23 do Acórdão objecto deste recurso).

  7. Entendeu ainda, através da confirmação da Sentença do Tribunal de 1.ª Instância que, o ora Recorrente tinha razões para, de boa-fé, considerar verdadeiros os factos em questão.

  8. E a propósito do pedido de indemnização civil, mais confirma o Tribunal da Relação como facto não provado que o ora Recorrente tivesse perfeita consciência da falsidade das imputações invocadas.

  9. Sendo ainda mais certo que, sobre a factualidade que importa para o caso sub judice, e que constituiria o fundamento para a condenação pela prática do crime e, consequentemente para a imputação da responsabilidade civil e condenação em indemnização civil, o Tribunal da Relação de Évora admite e exara expressamente que (págs. 24, 3º parágrafo, do Acórdão) o “arguido tinha fundamento sério para a reputar como verdadeira”.

  10. Sucede porém que, o Tribunal da Relação de Évora vem manter a condenação do arguido, ora Recorrente, não apenas criminal, mas ainda em sede de responsabilidade civil.

  11. Ou seja, em sede de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, do entendimento do Tribunal da Relação de Évora resulta que, em face da colisão do direito de denúncia e participação criminal do ora Recorrente em confronto com o direito à honra (bem jurídico protegido pelo tipo de crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180º, n.º 1 e 182º, ambos do C. Penal) da assistente BB, deve prevalecer este último.

  12. E que, além do mais, mesmo perante a avaliação concreta que resulta dos autos, pela qual considera que o arguido (ora Recorrente) cumpriu o dever de informação que as circunstâncias do caso impunham, e que portanto, tinha todas as razões para, de boa-fé, considerar verdadeiros os factos que fez constar da sua acusação particular contra BB, sendo mais verdade que o arguido (ora Recorrente) também não tinha perfeita consciência da falsidade das imputações invocadas pela assistente.

  13. Ainda assim, como se dizia, o Tribunal da Relação de Évora é do entendimento de que este regular comportamento do arguido, ora Recorrente, não é causa de exclusão da ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil, confirmando a...

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