Acórdão nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução27 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

A Autora, AA, S.A., intentou acção contra as rés, BB, S.A., CC, S.A. e DD Portugal - Unipessoal, Lda alegando, em síntese: Em 2003 solicitou a um dos dois únicos laboratórios no mundo preparados para os ensaios de biopersistência a que alude a nota Q da Directiva 97/69/CE da Comissão, de 5.12.1997, de modo a poder comercializar os seus produtos sem o rótulo "produto cancerígeno", tendo o resultado obtido em 2004 sido afirmativo.

Os seus produtos são sujeitos aos testes exigidos e têm obtido os certificados exigidos pelas autoridades, não tendo quaisquer reclamações.

Apenas as RR. transmitem em Portugal e Espanha, que o produto da A. É cancerígeno e exigem que o mesmo seja vendido com o rótulo "produto cancerígeno", defendendo publicamente que os produtos comercializados pela A. não cumprem as normas comunitárias.

Pondo assim em causa o bom nome dos produtos comercializados pela A. E tornando difícil a sua comercialização, tendo já sofrido uma diminuição do seu volume de vendas de cerca de 10% em Portugal e de 30% em Espanha.

Conclui pedindo que: - Seja declarado que os produtos por si fabricados com as marcas ROCTERM e ECOTERME podem e devem ser comercializados quer em Portugal quer em toda a comunidade europeia, sem o rótulo "produto cancerígeno"; - As RR. sejam condenadas a pagar uma indemnização à A., a liquidar em execução de sentença.

  1. Regularmente citados, contestaram ambas as rés.

    A ré DD Portugal, Lda., invocou a ineptidão da petição inicial, a incompetência territorial do Tribunal (da comarca de …, onde a acção foi intentada), a sua ilegitimidade para ser demandada nesta acção e a incompetência internacional do Tribunal.

    Quanto ao mérito da acção, defendeu a sua improcedência, alegando nunca ter exigido que os produtos da A. fossem comercializados com a aposição do rótulo em questão, nem defendido publicamente que os produtos da A. não cumprem as regras comunitárias.

    Quanto às perdas alegadas pela A., sustenta que são consequência da situação de crise.

    A ré, BB e a ré, CC vieram arguir a nulidade da sua citação, a qual veio a ser indeferida por despacho de fls. 126 e 127 dos autos.

    Após, a ré CC sustentou na sua contestação a ineptidão da petição inicial, a incompetência do Tribunal, em razão da nacionalidade e do território e ainda a falta de interesse em agir da A.

    Quanto ao mérito da acção, alegou que por sentença de um Tribunal de Barcelona, de 29.03.2010, transitada em julgado, foi declarado que o produto lã de rocha da marca ROCTERM, produzido pela A. e comercializado em Espanha, não reúne os requisitos para a isenção da menção "produto cancerígeno", tendo a A. sido condenada a cessar a sua comercialização em Espanha e a retirar do mercado todo o produto ROCTERM que não tenha o referido rótulo, e ainda a rectificar todas as informações contidas nos rótulos e a publicidade e informação que divulga.

    Não obstante, alega, a R., que é líder de mercado em Espanha, não divulgou ou defendeu publicamente que os produtos da A. eram cancerígenos, nem divulgou junto de clientes e compradores que os produtos da A. não cumprem as regras comunitárias.

    Quanto aos danos invocados pela A., alega que são resultado da crise financeira que se vive por toda a Europa.

    Na sua contestação a ré, BB sustentou também a ineptidão da petição inicial e a incompetência do Tribunal, em razão da nacionalidade e do território.

    Quanto ao mérito, defendeu a improcedência da acção em moldes idênticos aos da R. CC.

  2. A A. replicou, reduzindo o primeiro pedido formulado para a declaração de que os produtos fabricados pela A. com as marcas ROCTERM e ECOTERME podem e devem ser comercializados em Portugal sem o rótulo "produto cancerígeno".

  3. As rés, BB e DD Lda., treplicaram.

  4. Por saneador-sentença, proferido de fls. 569 a 574 dos autos, foi declarada a incompetência em razão da matéria e absolvidas as rés da instância.

    O Tribunal da Relação do Porto julgou improcedentes os recursos interpostos, apreciando as excepções suscitadas pelas RR. e a final declarada a incompetência do Tribunal (instância local - … - Comarca do Porto), em razão da matéria, para conhecer da presente acção.

  5. Remetido o processo ao Tribunal da Propriedade Intelectual, foi realizada a audiência prévia e proferido despacho saneador, onde foram apreciadas e julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de falta de interesse em agir da A.

    Na mesma audiência prévia, com o acordo das partes, o objecto do litígio foi circunscrito à questão da responsabilidade civil das RR. decorrente da prática de actos de concorrência desleal.

    Foram elaborados os temas de prova de fls. 709 e 710 dos autos.

    Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória: «Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo as RR. dos pedidos contra elas formulados».

  6. Inconformada, apelou a Autora para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão, decidiu em «julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida».

  7. Inconformada a Autora, interpôs RECURSO DE REVISTA para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: A) Nas conclusões a recorrente delimitou o âmbito da impugnação que fez da matéria de facto e enunciou as verdadeiras questões que suscitou em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entendendo-se perfeitamente qual o objecto do recurso.

    1. Não obstante não constar expressamente das conclusões o ponto concreto da matéria de facto não provado e impugnado, tal consta da motivação do recurso e implicitamente das conclusões, sendo tal suficiente que a contraparte e julgador apurar o que se impugna.

    2. O facto de, nas conclusões, a Recorrente não indicar qual o ponto concreto na matéria de facto que impugna, não afectou o exercício do contraditório por parte dos Recorridos, dado que estes apresentaram as suas contra-alegações respondendo às alegações sem suscitar a existência de qualquer vício, contrapondo os depoimentos que, em seu entender, sustentavam a respostas impugnadas.

    3. Na alegação, são criticamente analisadas as provas produzidas, indicados os concretos meios probatórios que impunham diverso julgamento da matéria de facto impugnada.

    4. Entende a Apelante que só com uma análise global será possível levar a cabo uma correta, completa, cabal, justa e ponderada apreciação da matéria de facto impugnada, por isso, é apresentada a transcrição total dos depoimentos.

    5. Na motivação a Recorrente refere de forma inequívoca, quais os pontos de facto quer considerou incorrectamente julgados, e também indicou os meios probatórios e concretos e constantes das gravações (transcrição do depoimento das testemunhas) e indicada a decisão para cada impugnação.

      G) O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640° do CPC." - Vide Acórdão STJ 01.10.2015.

    6. O recurso sobre a decisão da matéria de facto da Apelante respeita os requisitos previstos no artigo 640° do C.P.C.

    7. A interpretação do Douto Acórdão é essencialmente formal e impede-a de obter um segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

    8. A interpretação feita no Douto Acórdão do artigo 640° do C.P.C, é mesmo inconstitucional pois viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20° da CRP, bem como o princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 2o e 18°, n°2 2a parte da CRP.

    9. O Tribunal da Relação não tendo conhecido da impugnação feita pela Apelante sobre a decisão da matéria de facto, com base na circunstância de aquela não ter especificado, nas conclusões quais os factos impugnados, estando tal implico das mesmas e expressamente referido na motivação, no Acórdão Recorrido cometeu uma nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d), do n° 1 do artigo 615° do C.P.C.

    10. Deve assim ser revogada a decisão constante no Douto Acórdão em recurso proferido pelo Tribunal da Relação de …, terminando-se a remessa dos autos a esse tribunal, a fim de conhecer do recurso de apelação na parte relativa á reapreciação da decisão da matéria de facto e serem apreciadas as demais questão jurídicas suscitadas no âmbito do presente recurso.

  8. A Recorrida CC, S.A., apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões: A.

    O acórdão recorrido confirmou a decisão de 1.a instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, pelo que a revista não pode ser admitida atento o disposto no artigo 671°, n.° 3, do C.P.C, (dupla conforme).

    B.

    Acresce que o referido recurso não pode também ser tido como uma Revista Excepcional, por não preencher os pressupostos previstos no n.° 1 do artigo 672.° do CPC, e nem tampouco foram os mesmos alegados, o que só por si deveria levar à sua imediata rejeição atento o disposto no n.° 2 do mesmo artigo.

    C.

    O Tribunal a quo não deixou de não conhecer qualquer questão que devesse apreciar, pelo que o mesmo não é nulo por violação do disposto no artigo 615.°, n.° 1 d) do CPC, uma vez que a Recorrente não cumpriu com os formalismos inerentes à impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.° do CPC, seja nas suas alegações, seja nas suas conclusões.

    D.

    O não cumprimento dos requisitos previstos no artigo 640.° do CPC não deverá ser objecto de despacho de aperfeiçoamento, somente a sua rejeição fará jus à lei processual.

    E.

    Donde se conclui que não assiste razão à Recorrente e, em consequência, não deve a revista ser admitida, ou, caso assim não se entenda, deverá a mesma ser julgada improcedente.

    8.

    A Recorrida DD, COMÉRCIO DE ISOLAMENTOS, UNIPESSOAL, LDA, R. apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões: I - A Recorrente interpôs...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
30 temas prácticos
32 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT