Acórdão nº 512/13.6TBMNC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

O Ministério Público, em representação do Estado/Ministério das Finanças/DGP, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Conselho Directivo dos Baldios de ....., em representação da Assembleia de Compartes dos Baldios de .... e a Freguesia de ....., representada pela Junta de Freguesia de .....

, pedindo que se declare que o prédio urbano destinado a Quartel da Brigada Fiscal (bem como o terreno envolvente onde está inserido), composto de rés-do-chão, construído de pedra, com cinco divisões, possuindo uma superfície coberta de 106 m2, superfície descoberta de 462 m2, anexos com 32 m2, sito no Lugar de ....., a confrontar de todos os lados com Monte Baldio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ....., sob o artigo 1048º, é propriedade do Estado Português, pelo menos desde a década de cinquenta.

Pede ainda o A. que se declare que os RR. não dispõem de qualquer título que os habilite a ocupar tal imóvel, sendo essa ocupação nula, devendo deixá-lo completamente devoluto de pessoas e bens.

Alega resumidamente o A. que o Estado tentou registar a seu favor o prédio em causa, mediante processo de justificação administrativa. Contudo, o Conselho Directivo de Baldios de ....., acompanhado da Junta de Freguesia de ....., reclamou contra o direito que o Estado pretendia e pretende fazer valer.

Refere o Estado que exerceu sobre a parcela em causa actos sistemáticos de posse pública e pacífica, agindo como seu proprietário; sendo que até construiu na parcela, na década de cinquenta, a casa de função A-32 para habitação de guardas florestais, no exercício de funções de interesse público, à vista de todos e sem oposição de ninguém.

Uma vez que o Estado detém a posse do terreno onde foi construído o imóvel desde a década de cinquenta, aplicam-se ao caso as disposições do Código de Seabra no que concerne ao prazo para aquisição por usucapião, bem como quanto aos seus requisitos. À luz do dito código bastaria a posse pública e contínua da parcela pelo período de quinze anos para que o Estado pudesse adquirir por usucapião. Diz assim o A. que o Estado adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio em questão por usucapião e que os RR. se limitaram a impedir o mesmo de justificar o seu direito, sem apresentar qualquer elemento probatório de que a casa florestal não é de sua propriedade.

O Conselho Directivo dos Baldios de ..... e a Freguesia de ..... vieram apresentar contestação a fls. 37 ss. Começam os RR. por alegar que o prédio urbano reclamado pelo A. foi implantado sobre o baldio da freguesia de ....., num monte destinado essencialmente à produção de mata e apascentação de gado. Desde há mais de 30, 40, 50, 100 e mais anos, que excedem a memória dos vivos, que os moradores da Freguesia de ..... vêm aproveitando colectivamente os terrenos que compõem esse monte para apascentação de gados e corte de matos e lenhas.

Alegam ainda os RR. que os moradores da freguesia de ..... aproveitaram os terrenos que integram o citado monte pela forma supra referida, na convicção de que os terrenos estavam afectos a logradouro comum dos moradores da freguesia de ...... A esse monte sempre foi permitido o livre acesso de todos os compartes dos baldios, que, por ser entrecruzado por vários carreiros de passagem a pé e por caminhos que permitem o trânsito de carro, o utilizavam para acederem livremente aos mais diversos lugares da freguesia, inclusivamente com animais, e praticarem nele os mais variados actos de uso e fruição, tais como apascentação de gados, cortes de matos e apanha de lenhas. Actos esses praticados à vista de toda a gente e de forma ininterrupta e pacífica, e sempre sem oposição de quem quer que fosse.

A casa em causa nos autos foi implantada sem autorização dos compartes dos baldios e sem qualquer possibilidade de a comunidade local se opor à sua execução. Além disso, os moradores de ..... estavam convictos de que a casa lhes pertencia e era para o seu interesse. Dizem ainda os RR. que a casa se encontra devoluta desde 1985.

O prédio descrito no artigo 1º da petição inicial está implantado numa área de baldios que vem sendo detida, gerida e fruída pelos moradores da freguesia de ....., desde tempos imemoriais, sem qualquer interrupção temporal.

Acrescentam ainda os RR. que o local onde foi construída a dita casa florestal nunca esteve submetido ao regime florestal. Nem alguma vez foi arborizado ou, de outra forma, explorado ou vigiado, pelo Estado.

A limpeza e manutenção da casa e rossios é feita exclusivamente pela 1ª R., através dos meios que a 2ª R. disponibiliza, como pessoal e máquinas. Sendo ainda os compartes da freguesia de ..... que vigiam a referida casa, o que sucede há mais de 20 e 30 anos, à vista de toda a gente, de forma ininterrupta, pacífica, sempre sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de exercerem um direito comum de vizinhos.

Dizem os RR. que o A. apenas alega que a casa em questão foi ocupada pelo guarda florestal em 11 de Abril de 1958. O que significa que, desde Abril de 1958 a 24 de Janeiro de 1976, data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, de 19 de Janeiro, transcorreram 17 anos. Em 1958 vigorava o Código de Seabra de 1867 que fixava o prazo de 30 anos para a prescrição aquisitiva. No entanto, em 1 de Junho de 1967, entrou em vigor o actual Código Civil, tendo decorrido 9 anos, insuficientes para, à luz do Código de Seabra, já ter decorrido a prescrição aquisitiva. Aplicando-se o prazo previsto no Código Civil actual que é de 20 anos, sendo este o prazo aplicável, por ser o mais curto, mas ele só se conta da entrada em vigor do novo Código Civil, dado que, segundo a lei antiga, faltava mais tempo para o prazo se completar. Mas, mesmo aceitando ter sido elidida a presunção de má fé consignada no art. 1260º, n.º 2 (parte final) do actual Código, teremos o prazo normal de 15 anos (art. 1296º), a contar da entrada em vigor deste Código (01-06-1967). Ora, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/76, não tinha ainda decorrido este prazo.

Assim, concluem que o A. não adquiriu por usucapião o direito de propriedade que se arroga e de que pediu fosse declarado titular.

Os RR. alegam factos que também levam à aquisição do imóvel de forma originária, por usucapião.

Os moradores da freguesia de ..... nunca reconheceram o A. como dono e possuidor do imóvel. Por isso, no âmbito do processo de justificação administrativa deduziram oposição a que o A. adquirisse o imóvel, seja por que forma fosse.

Requerem assim os RR., a título reconvencional, que se declare que o universo dos compartes dos baldios da Freguesia de ..... é proprietário comunitário do baldio da freguesia de ....., onde se situa a casa identificada no artigo 1º da p.i., incluindo a parcela onde está implantada a dita casa, condenando-se o A. a reconhecer esse direito e a restituir ao universo dos compartes dos baldios da Freguesia de ..... a parcela de terreno ocupada pela casa florestal identificada no artigo 1º da p.i.; declarando-se o universo dos compartes dos baldios da Freguesia de ..... proprietário do prédio urbano identificado no artigo 1º da p.i.; e condenando o A./reconvindo a reconhecer esse direito dos compartes.

A fls. 124 foi proferida sentença, que julgou a acção nos seguintes termos: “Pelo exposto, decide-se julgar a ação totalmente provada e procedente e, consequentemente, Declara-se que o prédio urbano destinado a Quartel da Brigada Fiscal (bem como o terreno envolvente), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ....., sob o art. 1048º, é propriedade do Estado Português, pelo menos desde a década de cinquenta.

- Condenam-se os RR. a reconhecer tal direito.

- Julga-se improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR.” Inconformado, o Conselho Directivo dos Baldios de ..... interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 151 o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

  1. Veio o Conselho Directivo de Baldios de ..... e outro interpor recurso. Por via normal e por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade do recurso] “3. Do acervo dos factos provados não consta do Acórdão recorrido, que o baldio, onde foi implantado o prédio identificado, em l), foi submetido ao regime florestal, o que impede a aquisição do direito de propriedade, pelo Estado, da parcela onde foi implantada a casa florestal, através da L. nº 1971, de 15-06-1938, base VI; 4. Não tendo adquirido por usucapião o direito invocado, decisão esta transitada em julgado, por não ter sido impugnada, em sede de recurso, não pode adquirir o Estado, por força da L. nº 1971, por não ter alegado e provado que a parcela de terreno baldio, onde foi construída a casa florestal, foi submetida ao regime florestal, quando e por que acto legislativo; 5. Não sendo uma questão de direito, mas um facto essencial, para se saber de onde dimana ou assenta o direito peticionado pelo Estado, não pode ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal, nem pode ser suprida a omissão de alegação de facto, pois, apesar de se saber, porque resulta da Lei, que o baldio de ..... foi submetido ao regime florestal parcial, ficou sem se saber se a parcela, onde foi implantada a casa florestal, foi submetida ao regime florestal, facto sem o qual não se pode chegar à conclusão a que chegaram as instâncias; 6. O Acórdão recorrido é nulo, por não se ter pronunciado, quanto à questão colocada, no recurso de Apelação, sobre a aquisição do direito de propriedade, por força da L. n.º 1971, base VI, da parcela de terreno baldio submetido ao regime florestal, onde foi implantada a casa, não tendo sido devolvida ao uso, fruição e administração dos compartes, mas não concedeu a aquisição, por efeito da usucapião, por ter sido devolvida a referida parcela, face ao disposto no...

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