Acórdão nº 3622/15.1T8STS.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 13 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AASA intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD, EE e FF, alegando, em síntese, que: É credor da ré BB no montante de 1.236.990,45 euros, desde 19/11/2012, referente a uma livrança que a mesma avalizou e que na data de vencimento, em 08/09/2009, não liquidou, pese embora interpelada para esse efeito.
Intentou acção executiva contra a mesma, em 05/08/2013, com base na livrança, no âmbito da qual descobriu que aquela, juntamente com o réu CC, seu marido, doaram os dois imóveis que identificou, por escrituras de 15/04/2011 e de 27/02/2013, aos restantes réus, seus filhos.
Tais imóveis constituíam os únicos bens da ré BB, com os quais poderia assegurar o pagamento daquela divida ao A. e as referidas doações impediram a satisfação integral do crédito daquele.
Os réus agiram de má fé, conscientes dos prejuízos que aquelas doações causavam ao A.
Com tais fundamentos, concluiu por pedir a ineficácia, em relação a si, das doações realizadas entre os réus, declarando-se o direito de obter a satisfação do seu crédito à custa dos referidos imóveis, podendo executá-los no património dos donatários.
Os réus contestaram, sustentando, em resumo, que as doações não foram realizadas, com o fim de impedir a satisfação do crédito do A. e delas não resultou a impossibilidade de recebimento do crédito daquele, tanto mais que o mencionado crédito estava e está garantido por hipotecas voluntárias, sendo que, ao tempo, a ré BB era comproprietária de outros bens, assim como eram proprietários de outros bens os demais obrigados perante o A., concluindo, desse modo, pela improcedência da acção.
Na audiência prévia, foi proferido saneador tabelar, seguido da definição do objecto do litigio, com enunciação dos factos já assentes e dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver os réus do pedido.
Apelou o autor, com total êxito, tendo a Relação do Porto revogado a sentença e, na total procedência da acção, por considerar verificados os requisitos da impugnação pauliana, “declarou ineficaz em relação ao autor as doações identificadas em 4º e 5º do elenco factual provado, declarando o direito de o autor obter a satisfação do seu crédito à custa dos referidos imóveis, podendo executá-los no património dos donatários».
Agora, inconformados, interpuseram os réus recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. O Tribunal de 1ª instância absolveu os RR. porquanto concluiu pela inexistência de fundamento para a impugnação dos negócios jurídicos de doação que foram realizados entre os réus, uma vez que os mesmos, conforme alegaram, demonstraram que à data dos actos impugnados, o crédito do autor estava garantido por hipotecas, sendo que a obrigada 1ª ré ainda possuía bens de valor superior ao do montante do crédito reclamado; 2. O Venerando Tribunal da Relação do Porto revogou tal decisão com base em Jurisprudência deste Ilustríssimo e respeitadíssimo Supremo Tribunal segundo a qual para os fins do disposto no art.° 610°, alínea b), do C. Civil, ou seja, para verificar se das doações dos autos resulta perspectivada a impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, apenas releva a suficiência patrimonial do devedor de cujo património saiu o bem doado (Ac. de 22/01/2004, www.dgsi.pt. proc.° n.° 03B3854, entre outros); 3. Os recorrentes, realçando todo o respeito pelo critério utilizado pelo Tribunal recorrido, de resto inspirado nos sábios arestos deste Ilustríssimo Tribunal, considera que a jurisprudência citada, bem como o entendimento que lhe subjaz, não têm aplicação, pelo menos, ao caso concreto; 4. Por um lado, as garantias do Banco credor, ora recorrido, por força das hipotecas constituídas sobre bens de co-devedores solidários para suporte do mesmo crédito, mantiveram-se incólumes, não se verificando, em relação a ele (Banco credor) a previsão ínsita na alínea b) do art.° 610.° do C. Civil; 5. Por outro lado, não obstante as doações, o património da recorrida mostra-se suficiente para garantir o crédito do Banco autor; 6. Mostra-se provado nos autos o seguinte: a) Em 05 de Agosto de 2013, o crédito do Banco autor ascendia a € 1.280.197,14 (FP-3.°); b) O Banco autor goza de hipotecas, correspondendo aos primeiros ónus constituídos sobre os bens (FP - 6.° a 9.°); c) O imóvel (para referir apenas este) dado de hipoteca inscrito na matriz sob o artigo n.° 10623 (anterior 4685), tem o valor patrimonial de € 1. 374.161,75, determinado em 2014, e o valor de mercado, estimado à data de 03/11/2010. em € 3.395.761,00 (FP-10.°); d) Através de execução hipotecária, intentada para esse efeito contra outros co-devedores. foram adjudicados ao Banco autor bens no valor total € 755.000,00; e) à data das doações a ré (doadora) BB era proprietária de um imóvel, livre de ónus ou encargos, avaliado em € 72.500,00 (FP - 13.a); f) à data da doação a ré (doadora) BB era proprietária de um 1/6 do imóvel, livre de ónus ou encargos) identificado na alínea c), que antecede (FP — 14.°); g) à data da doação a ré (doadora) era proprietária de dois imóveis, livres de ónus ou encargos, avaliados no seu conjunto em € 75.000,00 (FP- 18.°, 19.°, e 20.3).
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A matéria de facto acima enunciada, e a demais que consta da sentença proferida em 1ª instância, mas que em nada releva para o recurso em apreço, é a única que pode ser tomada em linha de conta, porquanto não foi posta em causa ou alterada pelo Tribunal da Relação; 8. Quer em sede de produção de prova, quer nas alegações que dirigiu ao Tribunal da Relação do Porto, o Banco recorrido teceu, no entanto, considerações baseadas em factos hipotéticos, na medida em que não foram alegados em sede própria, leia-se na fase de articulados; 9. Tais considerações - créditos de terceiros com eventual e incerto privilégio, ou especulação sobre o valor dos imóveis hipotecados - não foram, por isso, apreciadas pelo Tribunal a quo (vd. págs. 8, 9 e 12 da sentença proferida em 1ª instância), nem os factos em que se materializam foram aditados à matéria provada pelo Tribunal da Relação, não podendo ser avaliados pelas instâncias superiores; 10. Não estão em causa a anterioridade do crédito em relação aos actos impugnados, nem a má fé - art.° 610.°, alínea a), e art.° 612.°, n.° 1, do C. Civil; 11. É inquestionável, todavia, que as doações dos autos não impossibilitaram, agravaram, ou puseram em risco a possibilidade de satisfação integral do seu crédito, não se verificando, em concreto, e por um lado, a previsão do art.° 610.°, do C. Civil; 12. Por outro lado, a...
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