Acórdão nº 1210/11.0TYVNG-D.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução18 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e mulher BB intentaram (pelo Tribunal do Comércio de ... e por apenso aos autos de insolvência de CC, Lda.

), ao abrigo do disposto no artigo 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), ação de verificação ulterior de créditos contra: - A Insolvente CC, Lda.

, - A Massa Insolvente de CC, Lda.

e, - Os Credores da massa insolvente, Peticionando: a) Que seja declarado resolvido o contrato-promessa a que aludem, por culpa da Insolvente; b) Que seja considerado e reconhecido o crédito que detêm sobre a Insolvente no montante de 119.711,50 euros; Se assim não se entender: c) Que seja reconhecido o seu crédito correspondente ao valor do preço pago pela fração prometida vender, no montante de 59.855,75 euros, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde 1 de Março de 2000 e até 15 de Maio de 2012, os quais ascendem ao montante de 34.918,13 euros; d) Que seja reconhecido o direito de retenção, devendo, em virtude disso, o seu crédito ser qualificado e graduado como crédito garantido, precedendo os créditos que beneficiem de hipoteca.

Alegaram para o efeito, em síntese, que celebraram com CC, Lda., esta como promitente-vendedora, o contrato-promessa a que aludem, tendo logo sido pago, como consta declarado no escrito que formalizou o contrato, o preço da prometida venda (12.000.000$00, correspondentes agora a €59.855,75).

Posteriormente foi-lhes traditada a fração prometida vender, de que passaram a dispor como coisa sua.

Declarada que foi a insolvência da promitente-vendedora, o Administrador da Insolvência optou por não cumprir o contrato.

Têm assim direito a que a massa insolvente lhes pague as aludidas quantias, gozando do direito de retenção da fração como garantia desse pagamento.

Contestaram a Massa Insolvente (através do Administrador da Insolvência) e a Credora DD, S.A.

, concluindo pela improcedência da ação.

Entre o mais que sustentaram, puseram em causa o aludido pagamento do preço da venda e a existência de direito de retenção.

Seguindo a ação seus termos, veio, a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação.

Inconformados, apelaram os Autores.

Fizeram-no com parcial êxito, pois que a Relação do Porto, mantendo a improcedência dos pedidos de resolução do contrato-promessa e de reconhecimento do crédito de €119.711,50, reconheceu todavia aos Autores um crédito no montante de €59.855,75, bem como o direito de retenção sobre a fração prometida vender.

Inconformados com o assim decidido, pedem revista os Autores e a Credora DD, S.A.

Da respetiva alegação extraem os Autores as seguintes conclusões: I. Em 20 de março de 20018, os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordaram “(...) em reconhecer aos autores como privilegiado o crédito no montante de 59.855,75 euros (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por gozar de direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pelas letras “AR”, descrita na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., com o número ..., com prevalência sobre créditos com garantia hipotecaria anterior, revogando, assim, a decisão recorrida”.

  1. O presente recurso tem como objeto o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que reconheceu os Recorrentes como credores de apenas Eur. 59.855,75 (cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) - correspondente ao valor do sinal por estes entregue à CC, Lda. - agora Insolvente e Recorrida - aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda da acima identificada fracção autónoma “AR” - e já não, como peticionado, do valor de Eur. 119.711,50 (cento e dezanove mil setecentos e onze euros e cinquenta cêntimos) - correspondente ao dobro daquele sinal.

  2. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 104.º, 106.º e 102.º do CIRE, e 442.º, número 2, do Código Civil.

  3. Sendo certo que o douto Acórdão está, naquela mesmíssima parte, em contradição com o teor do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, o que só por si legitimaria, nos termos do disposto no artigo 629.º, número 2, alínea c), do CPC, a interposição do presente recurso.

  4. Após reconhecer, de um turno, que os Recorrentes entregaram à CC, Lda. - agora Insolvente e Recorrida - o valor de Eur. 59.588,75, correspondente à totalidade do preço acordado no contrato-promessa, e, de outro, que o contrato-promessa de compra e venda foi incumprido, o douto Acórdão recorrido defende o entendimento de que “O cumprimento ou a recusa [do contrato promessa] é assim da competência do Administrador da insolvência atento o disposto no artigo 106 do ClRE (...).

    Do número um do preceito transcrito - a contrario sensu - sobressai com clarividência, que, tratando-se de um contrato com eficácia meramente obrigacional como o caso dos autos, cabe ao administrador decidir entre o cumprimento e o não cumprimento da outorga do contrato pendente à data da insolvência.

    Incumprimento que aconteceu tal como decorre da contestação apresentada pelo Sr. Administrador onde expressamente refere que "optou pelo não cumprimento do contrato promessa - artigo 33 da contestação -, o qual por ser da sua exclusiva competência não pode ser sindicado no âmbito da reclamação de créditos - Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 05-11-2003, relatado pela Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho, disponível em DGSI”.

  5. Os Recorrentes não concordam e não podem conformar-se com o entendimento do Tribunal da Relação do Porto defendido no douto Acórdão recorrido e, logo, com a decisão dele decorrente, que violou, simultaneamente, os artigos 104.º e 106.º do CIRE e 442.º do Código Civil.

  6. O artigo 102.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) consagra o princípio regra quanto aos negócios que, à data da declaração de insolvência, ainda não tenham sido cumpridos, referindo o número 1 que “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”.

  7. Por referência aos contratos promessa, o artigo 106.º do CIRE estabelece que: “1- No caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.

    2 - À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor.” IX. Já o número 5 do artigo 104.º para o qual o número 2 do artigo 106.º remete estatui, relativamente aos contratos de compra e venda com reserva de propriedade e operações semelhantes, que “os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no n.º 3 do artigo 102.º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objecto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário”.

  8. Do número 1 dos artigos 102.º e 104.º do CIRE conclui o douto Acórdão recorrido que, no caso de um contrato promessa com eficácia meramente obrigacional que ainda não haja sido cumprido à data da declaração de insolvência, cabe ao administrador optar pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato.

  9. E defende [o douto Acórdão recorrido] que a decisão do administrador de insolvência de não cumprir o contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, e ainda que haja tradição da coisa - como no caso dos presentes autos - é uma decisão que não consubstancia incumprimento do contrato-promessa nos termos e para os efeitos do disposto no número 2 do artigo 442.º do Código Civil.

  10. Ao contrário do que resulta do douto Acórdão recorrido, o regime previsto no CIRE relativo às consequências do incumprimento do contrato promessa por decisão do administrador de insolvência não se aplica ao contrato promessa, ainda que com eficácia meramente obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa a favor do promitente comprador.

  11. Quando assim seja - como no caso dos presentes autos -, o promitente comprador beneficia do regime legal previsto no artigo 442.º, número 2, do Código Civil - i.e., do direito de exigir o dobro do que houver prestado -, para além do direito de retenção consagrado na alínea f) do número 1 do artigo 755.º do Código Civil, devendo entender-se que o incumprimento é imputável ao insolvente.

  12. I.e., no referido caso não é aplicável o regime previsto no CIRE para os casos de incumprimento do contrato promessa com eficácia meramente obrigacional.

  13. É certo que o artigo 106.º, número 2, do CIRE manda aplicar às situações de incumprimento de contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional o disposto no número 5 do artigo l04.º, “(...) com as necessárias adaptações”.

  14. No entanto, o número 5 do artigo l04.º do CIRE regula as consequências do incumprimento do contrato de venda com reserva de propriedade em que a coisa ainda não tenha sido entregue ao comprador.

  15. Naqueloutras em que o tenha sido, aplica-se o disposto nos números 1 a 3 do mesmo preceito, donde resulta que o CIRE não prevê qualquer regime especial - i.e., diferente daquele previsto na lei civil geral, em concreto no artigo 442.º, número 2, do Código Civil - para os casos...

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