Acórdão nº 825/15.2T8LRA.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1. AA, S.A..
e BB, Lda, Lda.
intentaram ação declarativa de condenação contra CC, S.A., S.A.
e DD, pedindo que se condene a R. a pagar à 1ª A. a quantia de 119.815,09 €, e a pagar à 2ª A. a quantia de 129.031,24 €, acrescidas de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação e até integral pagamento; subsidiariamente, nos termos do artigo 554º, nº 1, do nCódigo de Processo Civil, que se condene o R. a pagar a cada uma das AA as referidas quantias, acrescidas dos apontados juros.
Alegaram, em síntese, que: - através de contrato de locação financeira, são, respetivamente, locatária e subarrendatária (sendo a 2ª A. uma empresa que faz parte do grupo detido pela 1ª A.), do imóvel sito na Rua ...; - no dia 6.4.2012, em tal imóvel, deu-se um desmoronamento parcial de um dos pavilhões, no alçado sul, consequência de aluimento de terras, sendo que tal pavilhão confinava com um terreno do R. DD e o alçado sul assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede; - esse aluimento de terras deu-se na sequência da forte pluviosidade ocorrida durante o inverno e a primavera de 2012, mormente das fortes chuvadas ocorridas na madrugada de 5 para 6 de abril de 2012, que causaram infiltração de águas no terreno contíguo; - em fevereiro de 2012, foram feitas operações de movimentação de terras no dito terreno contíguo, do R. DD, na parte em que confrontava com o imóvel explorado pelas AA, tendo a 1ª Autora informado a Divisão de Protecção Civil e Bombeiros de ..., em 16.2.2012, e a Câmara Municipal de ..., em 26.3.2012, sendo que ambas as entidades constataram o ocorrido e a última, por despacho de 3.4.2012, notificou o R. para edificar um muro de suporte com pelo menos dois metros de altura, na parte confinante com as AA, o que não foi feito; - atenta a movimentação de terras e a forte pluviosidade, deu-se o desmoronamento atrás referido; - na sequência do contrato de locação financeira e por sua imposição, cada uma das AA celebrou com a R. CC um seguro do ramo multirriscos, o qual, além do mais, incluía o aluimento de terras; - o contrato da 1ª A. tinha por objeto o referido imóvel e o celebrado pela 2ª abrangia os seus bens móveis ou que estivessem à sua responsabilidade, existentes e/ou instalados no referido imóvel; - a R. após receber a participação, recusou a sua responsabilidade por entender que o sinistro foi causado pela queda de um muro de terceiros; - uma vez que, no imóvel, funcionam as instalações das AA, abertas ao público e necessárias à prossecução da sua atividade, a 1ª A. reparou os danos, com o que despendeu 119.815,09 € e 19.763,99 €, esta última quantia em benefício da 2ª A. e que deve ser coberta pelo contrato de seguro que a 2ª A. celebrou; - a 2ª A. sofreu ainda danos no valor de 109.267,25 €, referentes a peças e acessórios para automóveis que se encontravam armazenadas no imóvel e que ficaram inutilizadas; - caso se conclua que o sinistro não está coberto pelas apólices de seguro, deve ser responsável pelos danos o R., proprietário do prédio contíguo.
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Citados, os Réus vieram contestar, em separado: - O Réu DD – contestou, por impugnação e excecionando a prescrição do direito que as AA pretendem fazer valer e articulou factos tendentes a concluir pela improcedência da ação, designadamente que não procedeu ao desaterro ou remoção de terras, nem a mandou fazer ou sequer autorizou, tendo tais trabalhos sido feitos à sua revelia pelo seu pai, EE. Alegou ainda que a remoção de terras foi feita em terreno do seu pai, sendo a sua hipotética responsabilidade de apenas ¼ dos prejuízos, pois é essa a parte da confinância do seu prédio com o pavilhão desmoronado.
- A Ré CC – contestou concluindo pela improcedência da ação, pois que a queda do muro de sustentação de terras se deu na decorrência do desaterro levado a cabo no prédio contíguo e que as AA já tinham conhecimento da possibilidade dessa ocorrência desde o ano anterior, não tendo desocupado o pavilhão em causa, não se tratando de um facto fortuito e incerto e, assim, de um sinistro, nem de um fenómeno geológico, de causa natural. Mais alegou que as AA desde Janeiro de 2012 tinham consciência do agravamento do risco coberto e não lhe comunicaram essas circunstâncias, sendo certo que a R. nunca celebraria um contrato que cobrisse riscos com as características resultantes do agravamento.
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Notificadas, as Autoras responderam, mantendo a sua posição.
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Proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção de prescrição e se relegou para final o conhecimento da questão da não cobertura contratual. 5.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, que: “1. Condenou o Réu DD a pagar à A. AA, a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; 2. Condenou o Réu DD a pagar à A. BB, a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; 3. Absolveu a Ré CC do pedido, e absolveu o Réu DD do demais contra si peticionado” 6.
Inconformados, as Autoras e o Réu DD interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.
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A Relação de Coimbra veio a julgar: “procedente o recurso das AA, revoga-se a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se a R. CC a: - pagar à A. AA, a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; - a pagar à A. BB, a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento.
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Inconformada com tal decisão, veio a Ré CC, S.A., S.A. interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: RISCO E SINISTRO 1ª.
A decisão acertada, foi/é, a que foi tomada em primeira instância, a qual exara que os contratos em apreço nos autos inserem-se no grupo do seguro de danos regulado pelos artigos 1230 a 1740 do RJCS, importando ainda referir – acrescentamos - que são-lhe aplicáveis todas as disposições do regime comum (nos artigos 10 a 1220 ambos inclusive da LCS) 2ª. A sentença da primeira instância também refere e bem que os contratos em causa são regíveis pelas estipulações das Apólices (Condições Gerais, Particulares e Especiais) e subsidiáriamente pelas disposições da LCS e da lei civil.
3ª. A sentença, citando o Ac. desse STJ de 10/03/2016 regista "que o risco constitui um elemento essencial ou típico do contrato de seguro que deve existir quer aquando da celebração do contrato, quer durante a sua vigência (artigos 1°,24°, 37°/2/alínea a), 44°/1 e 3 e 110° da LCS)” 4ª. O artigo 910/1 da LCS sob a epígrafe - Dever de Informação - e inserido nas disposições gerais/regime comum do diploma, dispõe, taxativamente, que durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco respeitantes ao objeto das informações prestadas nos termos dos artigos 18° a 21° e 24° do mesmo diploma (artigo 91°/1 da LCS).
5ª. A sentença da 1ª instância citando Cunha Gonçalves, Moitinho de Almeida e Margarida Lima Rego, refere, e bem, que o risco se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita 6ª. Nas Condições gerais dos Contratos de Seguros Multiriscos em discussão nos autos, consta do artigo 1º a definição de sinistro como "qualquer acontecimento de carater fortuito, súbito e imprevisível suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato e que nas Condições Especiais sob o ponto 106, no âmbito da cobertura de aluimento de terras que os contratos garantem o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos - Aluimento de terras, deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos".
7ª. O risco como elemento essencial do contrato de seguro, significa o perigo de verificação de um mal, vale por dizer, a possibilidade da ocorrência de um evento danoso, mas sempre futuro e incerto e a materialização dessa eventual ocorrência futura e incerta consubstancia a noção contratual de sinistro.
(vide Lei do Contrato do Seguro Anotado - 3a edição - pág. 240).
8ª. O contrato de seguro consiste na transferência de um risco para um segurador, obrigando-se este a pagar determinada quantia em dinheiro em caso de ocorrência de um evento súbito e imprevisto, e sem a existência de risco, o contrato de seguro é nulo.
9ª. De facto, o risco traduz uma probabilidade de produção de um determinado efeito, isto é, a possibilidade de ocorrer um evento danoso sendo por isso elemento nuclear de qualquer contrato de seguro (inexiste seguro sem risco - no risk no cover), e daqui que o risco deva estar presente quer no momento da celebração quer durante toda a vigência de um contrato de seguro (artigos 1°, 24°, 37°/2/alínea d); 44°/1 e 3 e 110° da LCS) 10ª. Na atividade seguradora o juízo de probabilidade corresponde tendencialmente a um juízo de frequência relativa, e o que deverá estar presente em cada contrato de seguro é, simplesmente, a possibilidade enquanto probabilidade situada entre 0 (impossibilidade) e 1 (certeza) de poder vir a ocorrer, no futuro, um evento danoso.
11ª. Foi dentro deste quadro que a sentença da 1ª instância, no iter decisório lançou, e bem, a seguinte questão: No caso dos autos estamos perante um sinistro entendido como caso fortuito ou de força maior, isto é, facto superior às forças humanas e imprevisto, ou previsto mas inevitável? 12ª. E a resposta, e com pleno acerto, foi a seguinte: “Entendo que não, justamente porque, na génese da ocorrência em apreço, não esteve um...
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