Acórdão nº 701/14.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

“AA - Sociedade de Advogados, RL” instaurou contra “BB, SA” a presente ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de EUR 1.230.000,00, acrescida de IVA à taxa que, à data, estiver em vigor, bem como os juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal aplicável, desde a interpelação efetuada em 30.06.2012, ascendendo os juros já vencidos, calculados sobre o capital em dívida, sem IVA, a EUR 90.447,10, ou subsidiariamente, a pagar-lhe os juros de mora devidos a partir da data da citação.

Para tanto, alegou, em síntese, que: Na sequência da reforma do Dr. CC - sócio da autora - o qual foi funcionário da ré até 08.09.1998, aquele causídico e a BB acordaram que os serviços que viesse a prestar à ré lhe seriam debitados, em obediência aos critérios de fixação de honorários previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, procedimento que foi sempre respeitado por ambas as partes desde 1.10.1998 em diante.

Nos termos acordados, o Dr. CC, entre 01.10.1998 e 30.06.2012, prestou à ré, em regime de profissão liberal, os serviços profissionais objeto da nota de honorários, no âmbito de ações de impugnação de despedimento coletivo movidas contra a ré e a “DD” por ex-trabalhadores desta.

Não tendo sido estabelecido qualquer acordo prévio quanto a honorários, terminado o mandato, a autora enviou à ré a conta final, que esta, porém, recusou pagar.

  1. A ação foi contestada. Em síntese, a ré alegou que: As partes celebraram um acordo de honorários específico para as tarefas a desenvolver pela autora, prevendo o pagamento de valores «especialmente moderados».

    Sucede que o montante peticionado pela autora não respeita o acordado.

    Por outro lado, os pagamentos feitos pela ré, na pendência da ação (no total de EUR 520.000,00) destinaram-se a custear todo o trabalho realizado e/ou a realizar, sem haver lugar a contas finais e/ou pagamentos adicionais.

    Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má-fé.

  2. Na 1ª instância, foi proferida sentença que absolveu a ré do pedido e julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.

  3. Inconformada com essa decisão, dela apelou a autora. A ré, por seu turno, interpôs recurso subordinado (apenas quanto ao segmento decisório que negou a existência de má-fé), a pugnar pela condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.

  4. O Tribunal da Relação de … proferiu acórdão em que: a) - Julgando parcialmente procedente o recurso da autora, condenou a ré a pagar à autora, a título de honorários, a quantia de EUR 127.500,00 (correspondente à diferença entre o valor global de EUR 647.500,00 e a importância entretanto paga, ou seja, EUR 520.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal; b) - Julgando improcedente o recurso (subordinado) da ré, confirmou a decisão na parte em que absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.

  5. Irresignadas com o assim decidido, recorreram ambas as partes para o Supremo Tribunal de Justiça.

    6.1.

    Nas suas alegações, a autora, em conclusão, disse: 1) Como se sabe, o mandato forense presume-se oneroso. Sendo oneroso, nos termos do artigo 1158º, nº 2, do Código Civil, a medida da retribuição do mandatário, não havendo ajuste entre as partes – e neste caso está provado não existir acordo de honorários –, é determinada: (i) pelas tarifas profissionais; (ii) pelos usos (na falta das referidas tarifas); e, finalmente, (iii) por juízos de equidade (caso não existissem tarifas profissionais, nem usos); 2) Deste modo, o montante devido à Autora-Recorrente a título de honorários deve ser computado à luz dos critérios previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), na redação da Lei nº 15/2005, de 26/01, aqui considerada aplicável por estar em vigor na data em que, terminado o patrocínio, a Autora apresentou à Ré a conta final de honorários; 3) No caso vertente, os honorários totais computados em €1.750.000,00 (tendo a Autora recebido de adiantamentos por conta €520.000,00), correspondem à justa remuneração pelos serviços que a Autora prestou à Ré, tendo sido fixados em estrita observância dos mencionados critérios previstos no artigo 100º, nº 3 do EOA, como seguidamente vamos pôr em evidência; 4) Na verdade, começando pela “importância dos serviços prestados” (bem esclarecida a págs. 44 e 45 desta alegação) em face dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo (vide, designadamente, Factos Provados nºs 25 a 33, 36 a 41, 55 a 61 e 64 a 66), sendo ainda reforçada pelo que se acrescentará infra a respeito do critério “resultado obtido”; 5) Saliente-se que a própria Ré reconheceu, ao mais alto nível (Dr. EE, Administrador Financeiro Executivo da BB), ter sido este o processo mais gravoso com que a empresa se havia deparado, e que a vitória judicial era a mais importante que poderia ter tido (cf. Facto Provado nº 49), sendo desmesurados os danos que poderiam advir da perda da causa, o que, como resulta dos factos provados, não se tratou de um cenário académico, antes pelo contrário: foram inicialmente proferidas decisões contra a DD que apontavam para um desfecho desfavorável à Ré (que acabaria por ser a pagante), o que, após a concentração dos 2 patrocínios até aí autónomos, a Autora conseguiu inverter; 6) Já no que respeita à “dificuldade do assunto” (realçada a págs. 45/50 desta alegação) em face dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo (designadamente os já referidos supra), afigura-se óbvio estarmos perante assunto de extrema e rara dificuldade, exigindo maior esforço, em trabalho essencialmente intelectual, sabendo intervir em termos adequados nos momentos próprios, para serem removidos os obstáculos levantados no pleito “ex adverso”, o que constitui factor relevante a concorrer especialmente para a fixação dos honorários justos; 7) No que concerne ao critério “urgência do assunto” (salientada a págs. 50/52 desta alegação) é bom de ver que a ação especial de impugnação de despedimento coletivo movida pelos ex-trabalhadores da DD tem natureza urgente, nos termos do artigo 26º, nº 1, alínea d) do Código de Processo do Trabalho (cf. Facto Provado nº 50), o que importou maior desconforto na prestação da atividade profissional, obrigando, com frequência, o Dr. CC, sócio maioritário da Autora, a encurtar o período de férias para, a tempo e horas, ser dado andamento aos assuntos, de modo a serem cumpridos os prazos perentórios previstos na lei (cf. Facto provado nº 51); 8) Relativamente ao “grau de criatividade intelectual dos serviços prestados” (sublinhado a págs. 52/54 desta alegação), é neste caso o fator que requer especial ponderação, pela preparação técnico-jurídica, pelo saber fazer, pela larga experiência, pelo profundo know-how do funcionamento interno da BB e pela forma meritória como o Dr. CC cuidou sempre de exercer pessoalmente o patrocínio contra 29 Advogados adversários, planeando as estratégias que lhe permitiram desmontar e arrasar as linhas argumentativas duma plêiade de antagonistas e conduziram decisivamente o litígio ao total ganho de causa; 9) Nos honorários fixados foi também ponderado o “resultado obtido” (demonstrado a págs. 54/59 desta alegação) com o desfecho do litígio (cf. Facto Provado nº 83), enquanto factor englobado no conjunto dos critérios de fixação do valor dos honorários adequados e justos ao trabalho que foi realizado, sendo que a importância nuclear e essencial deste critério resulta aliás reforçado pelo facto de a BB ter sempre explicitamente dito que o resultado, o sucesso era o que lhe interessava, como aliás resultou provado (cf. Facto Provado nº 47); 10) Na verdade, a maneira eficiente como, neste contencioso, a Autora prestou à Ré, a pedido e a expensas desta (V. Facto Provado nº 31) os serviços globais de representação judicial das Rés BB e DD, teve importância decisiva para a viragem do rumo que o processo tivera no passado anterior a 01/10/2006 e, sobretudo, para a obtenção do resultado final traduzido no total ganho de causa de que resultaram avultadas poupanças; 11) Como resulta da matéria de facto dada como provada (Facto Provado nº 43), a decisão que impendia sobre a Ré (BB) era pesada, quer em termos empresariais, quer em termos financeiros, e a sua total absolvição produziu-lhe um alívio muito apreciável, livrando-a de ter de suportar muitos outros encargos associados à reintegração de 174 trabalhadores da DD (Facto Provado nº 44), tendo a vitória total permitido à BB colher benefícios globais da ordem dos 100 milhões de euros; 12) Relativamente ao “tempo despendido” (amplamente explicado a págs. 59/78 desta alegação), cumpre registar aqui a seguinte particularidade: o tempo que precisava de ser gasto com o litígio foi sempre abertamente secundarizado pela Ré, com anuência da Autora, porque a preocupação da Ré não era o tempo que iria ser despendido, mas antes o resultado que se pretendia atingir.

    13) A menor valia para a Ré do tempo despendido, originou a prática, seguida tranquila e continuadamente desde 01.10.1998, de a faturação dos serviços prestados pela Autora ser apresentada sem suporte documental, contendo apenas uma sucinta discriminação das tarefas realizadas (Facto Provado nº 47 conjugado com os Factos Provados nºs 22 e 23).

    14) Nesta ordem de ideias, na apresentação da nota de honorários (Facto Provado nº 2 e docs de fls. 91/93 e fls. 135/286), não foram indicadas pela Autora à Ré quaisquer horas de trabalho porque, durante o longo período em que os serviços foram prestados, o trabalho realizado não era registado/contabilizado hora a hora. Daí que, para efeitos da presente ação, e unicamente para o Tribunal dispor de uma ordem de grandeza do tempo gasto, foram pela Autora estimadas, «grosso modo» e «a posteriori», 11.800 horas de trabalho, consideradas aplicadas pela equipa da Autora nos serviços profissionais globalmente prestados no litígio...

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