Acórdão nº 3060/08.2TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 3060/08.2TVLSB.L1.S1 REL. N.º 29[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA e BB intentaram acção declarativa de condenação contra “CC, Unipessoal, Lda.” e “DD, S.A.”, alegando o seguinte: - A ré A CC editou e publicou, em 2007, na capa e no interior do livro «...», de ..., 12 fotografias, de cujos direitos de autor são titulares, sem a sua autorização e consentimento, colorindo e mutilando a fotografia utilizada na capa, e imputando indevidamente os direitos autorais à ré DD, que forneceu as ditas fotografias.

- Ambas as rés violaram os direitos de autor de natureza patrimonial e moral, causando prejuízos aos sucessores do falecido, ora autores, incorrendo em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC).

Pedem, por isso, a condenação das Rés nos seguintes termos: a) A CC no pagamento aos autores de 50% do lucro obtido na venda da obra até à data da propositura da presente acção; b) A CC no pagamento aos autores de 50% do lucro obtido na venda da obra a partir da data da propositura da presente ação até a obra se esgotar; c) A CC a prestar anualmente aos autores as contas relativamente à venda dos referidos livros; d) A DD a pagar aos autores uma quantia idêntica à que cobrou da 1.ª ré pela cessão de direitos de reprodução; e) A DD a pagar aos autores idênticos montantes pela cessão de fotos de BB a que já tenha procedido no passado; f) Ambas as Rés, a pagarem solidariamente aos autores uma compensação que inclua os honorários dos seus mandatários, bem como o esforço na aquisição de provas, como os livros e assim como o tempo despendido na inventariação e busca das obras do fotógrafo BB num montante não inferior a 5.000,00 e a liquidar no final da presente acção; g) A custearem solidariamente a publicidade desta decisão judicial, ao abrigo do artigo 211.ºA do CDADC que deve ser inserida num jornal diário de grande circulação nacional; h) A DD a abster-se de utilizar e ceder, ou seja, de que forma for, as obras de que disponha do fotografo BB, devendo apagá-las da sua base de dados; i) A CC a retirar do mercado os exemplares da obra “…" que lhe for possível, a não distribuir mais nenhum exemplar nessas condições e não reeditar a obra utilizando as obras de BB, a menos que autorizada, ao abrigo da lei, pelos titulares dos direitos sobre essas mesmas obras.

A Ré CC contestou, alegando que adquiriu as fotografias à Ré DD, de boa-fé, por julgar ser esta a detentora dos direitos de utilização das imagens em causa, dizendo ainda desconhecer se as fotografias foram recolhidas por BB a título pessoal ou em cumprimento de algum contrato.

Referiu também que a coloração da fotografia da capa do livro não constituiu ataque à integridade da obra e muito menos mutilação e concluiu não se encontrarem preenchidos os pressupostos do alegado direito de indemnização.

A Ré DD também apresentou contestação, dizendo, no essencial, que é titular do direito de exploração económica das fotografias em causa, por as ter adquirido em 2005, mediante contrato de permuta celebrado com o Estado Português, legítimo titular desses direitos.

Foi admitida a intervenção principal dos demais herdeiros de BB e foi também admitida a intervenção acessória do Estado Português, o qual contestou alegando que as 12 fotografias foram realizadas por BB, ao serviço do Exército, no âmbito das funções de que foi incumbido, no período compreendido entre 1916 e 1918.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença na 1ª instância, na qual se julgaram improcedentes os pedidos deduzidos nas alíneas a) a h) do petitório e somente procedente, em parte, o pedido da alínea i), condenando-se a Ré CC a “retirar do mercado os exemplares da obra ‘...’ que lhe for possível, a não distribuir mais nenhum exemplar nessas condições e não reeditar a obra utilizando as fotografias de BB modificadas coloridas ou sem indicação da autoria de BB”.

Dessa decisão recorreram os Autores e a Ré CC.

A Relação de Lisboa julgou improcedentes ambas as apelações e confirmou a decisão da 1ª instância, ainda que com um voto de vencido de um dos Exºs Desembargadores.

Voltam a recorrer, agora, os Autores.

As alegações de revista são rematadas com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2017 (o ‘Acórdão Recorrido’), que julgou improcedente a apelação dos Recorrentes, confirmando a sentença do Tribunal da 1ª instância.

  1. A admissibilidade do presente recurso de revista resulta, desde logo, da circunstância de o acórdão recorrido ter sido lavrado com um voto de vencido, nos termos dos números 1 e 3 do artigo 671º do CPC.

  2. Em todo o caso, o presente recurso é ainda admissível porquanto o Tribunal a quo, confirmando embora a sentença do Tribunal da 1ª instância, utilizou para o efeito uma fundamentação essencialmente diferente, uma vez que, se o Tribunal da 1ª instância julgou – na sua quase totalidade – improcedente a pretensão dos recorrentes por considerar que o fotógrafo BB havia tirado as fotografias sub iudice no cumprimento da tarefa de que fora incumbido pelo Exército Português, e que por esse motivo os direitos de autor respeitantes às obras fotografias caberiam ao Estado, o tribunal a quo considerou, diferentemente, que o motivo pelo qual os direitos de autor relativos às fotografias caberiam ao Estado seria uma suposta transmissão levada a cabo pelo fotógrafo.

  3. O acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista na primeira parte do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, por isso que se deixou de pronunciar sobre uma das questões suscitadas pelos recorrentes na sua apelação: a de saber se, tendo as recorridas violado o direito moral de autor relativo às fotografias de BB, não deveria ser arbitrada uma indemnização a favor dos recorrentes.

  4. Com efeito, os recorrentes sustentaram no seu recurso (i) que as recorridas violaram o direito à paternidade, porquanto não associaram o nome de BB às fotografias publicadas, e, bem assim, que a recorrida CC violou o direito à integridade da obra fotográfica colocada na capa da obra de ...; (ii) que as recorridas actuaram com culpa; (iii) que, em consequência, deveriam ser condenadas a pagar uma indemnização aos recorrentes.

  5. Não obstante, o acórdão recorrido – apesar de, em determinado momento, anunciar que o faria – não chegou a apreciar os dois últimos pontos, tendo-se quedado pela ponderação da questão de saber se a recorrida CC havia ou não violado o direito à integridade da obra fotográfica de BB, de resto não retirando qualquer consequência indemnizatória da resposta afirmativa a que acabou por chegar.

  6. O acórdão recorrido enferma também da nulidade prevista na segunda parte do artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC, uma vez que, tendo considerado que a circunstância de o fotógrafo BB ter entregado os negativos ao Exército significaria que teria existido um negócio de transmissão das obras fotográficas – rectius: dos direitos de autor a elas respeitantes – fê-lo porém sem base factual suficiente.

  7. Na sua contestação, o Estado Português invocou a entrega dos negativos como sendo consequência do facto de BB ter tirado as fotografias no âmbito das funções de que fora incumbido, dessa forma sustentando que o motivo pelo qual o direito de autor se teria transmitido para o Estado teria sido a relação decorrente da suposta relação funcional, e não qualquer negócio de transmissão.

  8. Isto é, ao dizer que o fotógrafo BB teria tirado as fotografias no cumprimento de um dever funcional, e que “precisamente por isso” teria entregado ao Exército uma colecção de fotografias, o Estado apenas quis significar que, quando (alegadamente) entregou as fotografias do Exército, o fotógrafo BB fê-lo por tal corresponder ao que é suposto na relação entre comissário e comitente.

  9. Não foi, por isso, alegado qualquer negócio de transmissão dos direitos de autor respeitantes às fotografias.

  10. Não existe, assim, nos autos, alegação de um negócio de alienação celebrado entre BB e o Estado, apenas se verificando a invocação de uma entrega enquanto consequência natural da conclusão de uma “incumbência”.

  11. Mesmo que se aceitasse que, apesar de inexistir qualquer alegação nesse sentido, deveria ser apreciada a questão de saber se existiu negócio de transmissão entre BB e o Estado, teria de se concluir que tal negócio, a ter tido lugar, teria sido gratuito, já que nenhuma contrapartida foi alegada ou provada.

  12. Nos termos e para os efeitos do artigo 1452º do Código de Seabra – norma aplicável à data dos factos – seria, por conseguinte, necessário demonstrar ter existido espírito de liberdade de BB a favor do Estado – facto que não só não foi provado, como não chegou a ser alegado, e que, em todo o caso, não o poderia ser, já que, como o próprio Estado referiu na sua contestação, a entrega dos negativos só ocorreu por a tal estar obrigado BB em virtude da missão de que fora incumbido.

  13. Tendo considerado, sem que a parte interessada tivesse feito a competente alegação e prova, que BB transmitiu os direitos de autor relativos às obras fotográficas por si produzidas, o acórdão recorrido violou os artigos 5º, número 1 e 608º, n.º 2, do CPC, dessa forma incorrendo na nulidade prevista na alínea d) do artigo 615º, n.º 1, do mesmo diploma.

  14. O acórdão recorrido errou também na aplicação do Direito, nos termos e para os efeitos do artigo 674º, n.º 1, alínea a), do CPC.

  15. Um dos princípios estruturantes do Direito de Autor é o da separação entre a obra do espírito (ou o direito de autor a ela respeitante) e o suporte corpóreo em que aquela se materializa (ou o direito real que sobre este incide).

  16. Este princípio encontrava-se já no Código Civil de 1867, uma vez que, por um lado, o artigo 610º determinava que era lícita a publicação de manuscrito sem a autorização do autor – desse modo revelando que, ainda quando se fosse proprietário e possuidor do manuscrito, não se poderia exercer uma das...

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