Acórdão nº 7601/16.3T8STB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.7601/16.3T8STB.E1.S1 R-671[1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público intentou, em 9.11.2016, na Comarca de Setúbal – Instância Local – Secção Cível – J3, acção declarativa, com processo comum, contra: AA e mulher, BB; CC e mulher, DD.

Pedindo que sejam anuladas as escrituras de justificação, outorgadas a 03.12.2014, pelos 1.ºs réus, e a 17.12.2014, pelos 2.ºs réus, através das quais declararam ser os únicos titulares do direito de propriedade, cuja aquisição por usucapião invocaram, sobre parcelas de terreno integradas em prédio rústico composto de terras de semeadura e árvores de fruto; a fundamentar o pedido, sustenta que os outorgantes declararam factos que não correspondem à verdade e que, com a outorga de tais escrituras, pretenderam os réus obter a desanexação de prédios com áreas inferiores à área de cultura mínima, em violação do disposto no artigo 1376.º, n.º 1, do Código Civil.

Os réus contestaram, alegando que o prédio em causa foi objecto de divisão e doação por volta de 1965 e que, desde então, exerceram a posse sobre a respectiva parcela, que adquiriram por usucapião, o que sustentam impor a improcedência da acção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, após o que se identificou o objecto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.

*** Foi proferida sentença – na qual se reconheceu a aquisição pelos réus, por usucapião, nos termos constantes das escrituras de justificação em causa, do direito de propriedade sobre as parcelas de terreno, por se ter entendido que o instituto da usucapião prevalece sobre as normas que proíbem o fraccionamento da propriedade rústica por ofensa da área de cultura mínima –, sendo a acção julgada improcedente e, em consequência, os réus absolvidos do pedido.

*** Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso desta decisão, para o Tribunal da Relação de Évora, que por Acórdão de 25.1.2018 – fls. 66 a 75 - negou provimento à apelação e, em consequência, manteve a decisão recorrida.

*** Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando fundamentação essencialmente diferente do Acórdão que confirmou a sentença e, a assim se não entender, contradição de Acórdãos da mesma Relação: no caso, o Acórdão de 25.5.2017, no Proc. N°1214/16.7T8STB, disponível em www.dgsi.pt, já transitado em julgado, e ainda recurso de revista excepcional dado os “interesses de particular relevância social” e a relevância jurídica que justificam a sua apreciação, para resolução das divergências jurisprudenciais, com vista a “uma melhor aplicação do direito”, nos termos do art° 672° n°1 als. a) e b) do NCPC.

O recurso foi admitido nos termos do despacho liminar do Relator, por se considerar que a fundamentação do Acórdão recorrido é essencialmente diferente, o que obsta à dupla conforme impeditiva do recurso de revista, nos termos do art.671º, nº3 do Código de Processo Civil.

*** O Ministério Público alegando, formulou as seguintes conclusões: I - O acórdão ora recorrido confirmou a sentença proferida em 1ª instância mas com diversa fundamentação, pelo que não ocorre uma situação de dupla conforme, sendo o mesmo recorrível nos termos do art° 671°, n°1, do NCPC.

II – Se assim não se entender, deve o recurso ser admitido como revista excepcional, nos termos do art. 672°, n°1, als. a), b) e c) por se verificarem os respectivos pressupostos, nomeadamente a existência do acórdão contraditório proferido em 25/5/2017, na Relação de Évora, no Proc. nº1214/16.7T8STB.E1, já transitado.

III – As escrituras de justificação, embora não constituindo actos translativos da propriedade, não deixam por isso de constituir actos de fraccionamento, que só a partir desse momento é possível impugnar, porque só então é possível ter acesso a um documento escrito onde fica visível a violação das regras impeditivas do fraccionamento.

IV – Uma adequada interpretação do art° 1379°, n°3, do Código Civil, quando dispõe que “A acção de anulação caduca no fim de três anos, a contar da celebração do acto…”, leva a concluir que o único acto “celebrado”, a partir do qual começa a correr o prazo para anulação do fraccionamento, só pode ser o da “celebração” da escritura de justificação onde é invocada a usucapião, dado que no início da posse não houve qualquer acto “celebrado”, mas apenas uma divisão material e uma doação verbal.

V - Deve, por isso entender-se que, na realidade, o fraccionamento só se tornou operante com as escrituras de justificação, uma vez que só nesse momento os justificantes obtiveram título jurídico válido do fraccionamento realizado.

VI – Porém, mesmo seguindo o entendimento do acórdão recorrido, de que o fraccionamento ocorreu “através da doação verbal efectuada pelos pais dos réus em 1965, de cada uma das parcelas em que dividiram o prédio a cada um dos filhos”, então teria de ser apreciado se esse acto de fraccionamento, praticado em 1965, violava as normas então vigentes relativas ao fraccionamento.

VII. Dado que se encontrava em vigor em 1965 o disposto no art° 107° do Decreto n° 16 731, de 13/4/1929, que proibia, sob pena de nulidade, a divisão de prédio rústico em novos prédios de menos de meio hectare, como sucede no caso dos autos, o fraccionamento então realizado pelas doações verbais é nulo, podendo ser como tal declarado a todo o tempo.

VIII – Dispondo o art° 1287° do Código Civil, que a usucapião opera, “salvo disposição em contrário”, deverá entender-se que tal disposição em contrário é a constante do art° 1376° do Código Civil, que impede o fraccionamento de prédios rústicos em novos prédios com área inferior à unidade de cultura.

IX – Tal entendimento mostra-se reforçado quando se compara tal norma com a correspondente disposição do Código Civil de 1867, em cujo art. 530° se estabelecia o seguinte: “As disposições dos artigos antecedentes, com relação à prescrição de direitos imobiliários, só podem ter excepção nos casos em que a lei expressamente o declarar.” X. O Código Civil vigente deixou de exigir para exclusão da usucapião uma excepção expressamente declarada, bastando-se com a existência de uma “disposição em contrário”, o que, manifestamente ocorre com a existência do art° 1376°.

XI – As regras de ordenamento do território, nelas se incluindo tanto as respeitantes a loteamentos e destaques, como as de proibição de fraccionamento, por revestirem inequívoca natureza pública, devem prevalecer sobre as normas de direito privado relativo à usucapião, sob pena de, assim não se entendendo, se estar a deixar sem qualquer protecção o ordenamento do território nacional.

XII – Ao alterar a redacção do disposto no art° 1379°, n°1, do Código Civil, passando a impor a sanção de nulidade para os actos de fraccionamento violadores da unidade de cultura, a Lei n° 111/2015, de 27/08, reafirmou o carácter imperativo do disposto no art° 1376° do Código Civil e confirmou, sem qualquer dúvida, a não prevalência da usucapião sobre as regras legais de proibição de fraccionamento.

XIII – O legislador demonstrou claramente, na exposição de motivos da Lei n°111/2015, que pretendeu intervir “através da possibilidade de impedimento dos actos jurídicos que contrariem esses limites, com o objectivo de se garantir a sustentabilidade das estruturas fundiárias.” XIV – Assim, é de acolher, no caso dos autos, a posição jurisprudencial que decorre dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.4.2015 e de 26.1.2016 (Procs. N° 10495/08.9TMSNT.L1.S1 e n° 5434/09.2TVLSB.L1.S1), bem como dos acórdãos da Relação de Évora de 25.5.2017 e 26.10.2017 (Procs. n°1214/16.7T8STB.E1 e n° 7859/15.5T8STB.E1), tendo estes últimos decidido, em situação absolutamente idêntica, no sentido de que a usucapião não prevalece sobre as regras de proibição do fraccionamento.

XV – Uma vez que, na presente acção, cada uma das parcelas fraccionadas tem área inferior a 0,5 ha, - valor mínimo da unidade de cultura prevista na Portaria n°202/70 e igualmente inferior à área de 0,5 ha, prevista no art° 107° do Decreto n° 16731 de 13/4/1929, - não pode a usucapião ser reconhecida como eficaz, dado que não prevalece sobre norma imperativa de proibição de...

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