Acórdão nº 2153/08.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou, em 25/07/2008, a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, S.A.

., que corre termos na Comarca de …, Instância Central, 1.ª secção Cível, pedindo:

  1. Se declare que o A. tem direito a receber da R., nos termos da cláusula 3.ª do contrato de prestação de serviços de 03/09/2002, a título de remuneração variável pela operação de venda da totalidade do capital social da Companhia de Seguros CC, S.A.., pelo valor de € 950.000.000,00 (novecentos e cinquenta milhões de euros), e de metade do capital social da DD Companhia de Seguros, S.A., pelo valor de € 40.000.000,00 (quarenta milhões de euros), a quantia de 0,4 % (zero vírgula quatro por cento) sobre o valor agregado de € 990.000.000,00 (novecentos e noventa milhões de euros); b) Se condene a R. a pagar ao A., a título da remuneração objecto do pedido da alínea anterior, as seguintes quantias: b)i) quantia de € 2.854.839,43 (dois milhões oitocentos e cinquenta e quatro mil oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e três cêntimos), correspondente ao remanescente do pagamento parcial feito pela R. em 05/12/2007, após imputação nos termos do disposto no artigo 785.° do Código Civil; b)ii) a quantia de € 201.227,07 (duzentos e um mil duzentos e vinte e sete euros e sete cêntimos), correspondente aos juros vencidos sobre a quantia referida em b)ii), computados nos termos do Código Comercial, por via da remissão constante do DL n.º 32/2003, de 17/2 (juros comerciais), desde a data do pagamento parcial de 05/12/2007 até à presente data de 24/07/2008; b)iii) os juros que se vencerem sobre a quantia referida em b)i), desde a presente data e até integral pagamento, a computar nos termos do Código Comercial, por via da remissão constante do DL n.º 32/2003, de 17/2 (juros comerciais), tudo sem prejuízo de novo cálculo do valor em dívida, a efectuar em função da data efectiva da emissão da autorização por parte das autoridades de supervisão, informação essa que o A. não dispõe e é objecto do pedido infra, de junção de documentos por parte da R.

  2. Se condene a R. a pagar ao A., nos termos do disposto na Clausula 7.ª n.º 3, 2.ª parte do contrato de prestação de serviços de 03/09/2002, uma indemnização pelo valor, a liquidar em execução de sentença, de todos os prejuízos sofridos pelo R. pelo facto de a R. o ter obrigado a recorrer à via judicial para cobrar a remuneração a que tem direito, incluindo custas judiciais, honorários de advogados e demais encargos que venha a ter de suportar em virtude do presente litígio.

    A R. contestou a acção.

    Seguiu-se a demais tramitação processual, com início da realização do julgamento.

    Tendo vindo aos autos a informação de que a R. foi declarada insolvente, em 10/10/2014, no Tribunal Distrital do Luxemburgo, foi junta a respectiva decisão (fls. 4405 e 4406), traduzida a fls. 4203-4204.

    Após ter sido facultado às partes o exercício do contraditório, foi proferido, em 01/06/2015, o despacho de fls. 4288-4290, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código do Processo Civil. Na fundamentação do decidido, considerou o tribunal aplicável o Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio de 2000, mormente o seu artigo 15º, o artigo 128º, nº 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08/05/2013 (publicado no Diário da República, I Série, de 25/02/2004).

    Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. Contra-alegou a Massa Insolvente da BB, S.A..

    Por acórdão de fls. 4516-4536 a Relação apreciou o recurso nos termos que aqui se sintetizam: - Não se verifica a alegada nulidade da sentença por falta de fundamentação; - De acordo com o Regulamento (CE) nº 1346/2000, a regra geral é a de que a lei aplicável aos processos de insolvência é a lei do Estado-Membro onde o processo é aberto (artigo 4º), com as excepções constantes dos artigos 5º a 15º do mesmo Regulamento; - É aplicável ao caso dos autos a regra especial do artigo 15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000, que determina que “Os efeitos do processo de insolvência numa acção pendente relativa a um bem ou um direito de cuja administração ou disposição o devedor está inibido regem-se exclusivamente pela lei do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente”, norma de conflitos que remete para o direito material do Estado-Membro no qual o processo se encontra pendente; - Assim, os efeitos da declaração de insolvência da R. são regulados pela lei portuguesa; - O CIRE não regula directamente o destino das acções pendentes que não reúnam os pressupostos para apensação ao processo, tendo-se colocado a questão da inutilidade superveniente da lide relativamente a tais acções, questão que – em consonância com o princípio da plenitude da instância falimentar – foi objecto de uniformização de jurisprudência através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, no seguinte sentido: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”; - Esta orientação deve ser respeitada, quer a insolvência tenha sido decretada por tribunal português, quer tenha sido decretada por tribunal de outro Estado-Membro, no caso dos autos por tribunal do …Luxemburgo; - Acresce que, do regime de insolvência luxemburguês trazido aos autos, resultam semelhanças com o regime de insolvência português, no que concerne ao princípio da universalidade, da igualdade de tratamento dos credores, da obrigatoriedade de reclamação dos créditos no âmbito da insolvência e de as reclamações sobre as mesmas serem decididas no âmbito da insolvência, de forma urgente, com contraditório, sem que a existência de reconhecimento do crédito por decisão anterior, incluindo a proferida por um tribunal estrangeiro, influa de modo automático e definitivo na decisão que julgue a contestação oposta à reclamação do crédito, impondo, consequentemente, a produção de prova no âmbito do processo que julga aquela contestação; - Reafirma-se a aplicação da orientação do AUJ nº 1/2014, que determina a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sendo de refutar os argumentos adicionais aduzidos pelo Recorrente (entre os quais, relevância da cláusula de escolha de foro, continuação da lide no tribunal português como condição para ser possível executar os bens da falida em território português, inconstitucionalidade da aplicação ao caso dos autos do artigo 277º, alínea c), do CPC).

    A final, julgou-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

    1. Veio o A. interpor recurso de revista, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por acórdão da formação a que alude o nº 3, do artigo 672º, do Código de Processo Civil.

    2. O Recorrente formula as seguintes conclusões de recurso: “A. O presente recurso de revista excepcional vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 7/7/2016, nos autos em referência, que indeferiu o recurso interposto pelo ora Recorrente da sentença proferida em 1/6/2015, em 1.ª instância, pelo Tribunal de Comarca de …, Instância Central de …, 1ª Secção Cível-Juiz ….

    1. As questões que conformam o objecto do presente recurso, com referência ao acórdão recorrido, são: i) A de saber qual o Direito nacional aplicável a uma declaração de insolvência decretada por Tribunal de [n]um Estado-Membro estrangeiro (in casu, do Luxemburgo), no que concerne à determinação dos seus efeitos sobre um processo judicial de condenação no cumprimento de obrigação pecuniária, instaurado em Portugal e pendente aquando daquela declaração de insolvência - nomeadamente, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29/5; e, a título subsidiário, ii) A de saber se, nos termos da Lei Portuguesa, a declaração de insolvência de uma pessoa [in casu, colectiva) por Tribunal estrangeiro acarreta o efeito da inutilidade superveniente de uma acção condenatória instaurada em Portugal em momento prévio, sobretudo uma que se encontra no final da fase de julgamento, concluída que esteja a instrução da causa.

      [excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista excepcional] Quanto à primeira questão sub judice: D. O direito do Recorrente aqui em causa é de cariz pecuniário correspondendo-lhe, como tal, uma obrigação com um objecto genérico e não determinado - o que o exclui do âmbito de aplicação do artigo 15.º do Regulamento no que concerne à Lei que rege a eficácia da declaração de insolvência da R. quanto a acções pendentes, pois que aquele preceito se refere “um bem ou um direito de cuja administração ou disposição o devedor está inibido”, contemplando a[o] princípio geral de competência que privilegia o Tribunal do foro da situação dos bens (ou direitos).

    2. Decorre da regra geral constante do artigo 4.º do Regulamento que a Lei aplicável aos efeitos da declaração de insolvência da R. “é a do Estado-Membro em cujo território é aberto o [respectivo] processo”, isto é, a Lei do Luxemburgo - pelo que a decisão recorrida incorreu num erro judiciário de interpretação ao considerar aplicável a Lei (e a jurisprudência) Portuguesa, e ao decidir com pretenso suporte nessa Lei, devendo a mesma ser revogada e por erro judiciário.

    3. Não decorre do regime do processo de insolvência vigente do Luxemburgo qualquer efeito extintivo da declaração de insolvência sobre processos declarativos pendentes em que o devedor seja parte passiva, o que demonstra o erro de julgamento cometido pelo Tribunal a quo ao determinar a extinção dos autos...

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