Acórdão nº 8543/10.1TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR. a pagar à A.: 1) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofridos pela A. com o acidente; 2) € 500.000,00, a título de ressarcimento de todos os danos morais sofridos pela A. com o acidente; 3) € 500.000,00, a título de indemnização decorrente da IPP de 70%, a que se viu votada, em consequência do acidente, onde se inclui a perda da capacidade de ganho, até aos 70 anos de idade (por ter ficado inválida, sem conseguir trabalhar); 4) A importância relativa ao diagnóstico para determinação dos danos físicos efectivamente sofridos e ao custo dos tratamentos necessários à reparação dos danos causados, cuja liquidação se relega para execução de sentença; 5) Àquelas importâncias devem acrescer os juros legais, contados desde a data da citação, até integral pagamento.

Para tanto, alegou a A., em síntese, que: vive com seu pai, DD, numa moradia sita na Rua ..; o pai da A. celebrou, em 31/01/2006, com o 1º R., contrato de arrendamento para habitação da referida moradia, figurando aquele como inquilino, e este como senhorio; a mencionada moradia foi edificada pelo 2º R., e é propriedade do 1º R.; no dia 02/12/2007, quando a A. se encontrava a sacudir um tapete na varanda do 1º andar da moradia arrendada pelo 1º R., a guarda de protecção da varanda cedeu e partiu-se, o que provocou a queda da A. do 1º andar, de uma altura de cerca de três metros; em consequência da queda, a A. sofreu lesões físicas de que resultaram danos patrimoniais e danos não patrimoniais que discrimina. Alega ainda que: a queda se deu em consequência directa e necessária do colapso da varanda do 1º andar da identificada moradia; a moradia referida não tem licença de habitação; a deficiente construção da guarda de protecção da varanda da referida moradia foi causa directa, em termos de causalidade adequada, da queda da A. da varanda do 1º andar para o pavimento em tijoleira do rés-do-chão; a queda da A. foi devida a culpa dos RR. que construíram, mais a mais sem a adequada licença camarária, a moradia dos autos, arrendando-a, sem cuidarem de verificar se a mesma, designadamente ao nível das guardas das varandas, tinha adequadas condições de habitabilidade e segurança; os danos descritos foram consequência directa e necessária da conduta dos RR.

Os RR. contestaram, por excepção, invocando a ilegitimidade do 2º R. e a prescrição do direito da A.; e por impugnação, alegando, em síntese, que: a moradia identificada nos autos foi construída num terreno adquirido pelo 1º R.; o 2º R. não foi o construtor da moradia identificada nos autos, este sempre agiu na qualidade de “procurador” do 1º R., limitando-se a representá-lo junto do construtor e fornecedores de materiais, fazendo os respectivos pagamentos em seu nome; foi nessa qualidade que o 2º R. tratou de todos os assuntos respeitantes ao contrato de arrendamento, celebrado pelo pai da A.; ao sacudir o tapete, a A. fez um uso indevido da guarda da varanda, provocando vibrações na estrutura, o que provocou a ruptura dos balaústres. Concluem pela improcedência da acção.

A fls. 323 foi proferida sentença do seguinte teor: "Pelo exposto, atentos os factos, as normas e os princípios supramencionados, decido:

  1. Condenar os réus BB e CC, a pagarem, solidariamente, à autora AA, as seguintes quantias: - A indemnização no valor de € 70.000,00 a título de ressarcimento de todos os danos físicos sofrido pela A..

    - A indemnização de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais: - A indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que lhe foi arbitrada.

    - As quantias referentes a despesas que a A. venha a suportar de futuro, necessárias à sua reabilitação, onde se incluem despesas médicas, medicamentosas e todos os tratamentos necessários, incluindo fisioterapia.

  2. Absolver os Réus do demais peticionado.

    Custas a cargo da autora e Réus, sendo 1/8 (um oitavo) a cargo da autora e 7/8 (sete oitavos a cargos dos réus – art.ºs 527º e 607º, nº 6 do CPC.” Inconformados, os RR. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

    Por acórdão de fls. 419 foi proferida, com um voto de vencido, a seguinte decisão: “Pelo exposto e de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se: (i) Conceder parcial provimento ao recurso de facto, elimina-se o facto n° 13 e alteram-se os factos n°s 35 e 36, como se deixou explanado, mas sem qualquer impacto na decisão de fundo; (ii) negar provimento ao recurso quanto à matéria de fundo, mantendo por isso a decisão recorrida.

    (iii) conceder provimento ao recurso na parte que fixou a responsabilidade por custas, alterando a decisão por forma a que da mesma passa a constar "Custas na proporção do decaimento".

    1. Vêm os RR. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “1ª - Constitui matéria de direito, situada dentro dos poderes de cognição do Supremo, a questão do excesso ou exorbitância na fixação da matéria de facto; 2ª - O Facto n° 5 exorbita claramente a matéria alegada pelas partes; 3ª - Devendo, pois, ser eliminado da Matéria Assente; 4ª - Tanto mais que o Facto 5 é essencial, uma vez que a procedência da pretensão da A. depende da sua prova; 5ª - Ora, os factos essenciais só podem ser dados como provados caso tenham sido alegados pelas partes; 6ª - Mesmo que o Facto em causa fosse complemento ou concretização de outros factos alegados, só seria lícito ao Julgador incluí-lo na Matéria de Facto Provada caso tivesse sido dada hipótese às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade dessa inclusão e sobre os meios de prova que a fundamentam; 7ª - Dando-lhe igualmente a possibilidade de carrear para os autos provas que a pudessem contrariar; 8ª - O que, no caso vertente, não aconteceu, por não ter sido comunicado pelo Tribunal às partes que pretendia considerar tal facto na Matéria Assente; 9ª - A concluir-se que não deve ser suprimido, deverá, pelo menos, ser reformulada a sua redação, passando a ser consentânea com o alegado pelas partes: "O 2º Réu actuou em nome do 1º Réu no acompanhamento da execução da construção feita no lote 139, sito na Rua ..., nomeadamente procedendo ao pagamento a EE, pelos trabalhos descritos a fls. 63 a 70, realizados entre Abril e Novembro de 1990."; 10ª - Os Factos 34, 35 e 37 não são mais do que reproduções do Relatório Pericial junto aos autos; 11ª - Não constituindo verdadeiros factos, mas meras opiniões, pareceres e observações de natureza técnica; 12ª - A opinião de técnicos, sendo livremente apreciada pelo Julgador, não pode ser "erigida" à categoria de Facto; 13ª - Sendo que, por outro lado, não correspondem minimamente à matéria alegada pelas partes, designadamente a A; 14ª - Os factos em apreço não são mero complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado, mas sim factos essenciais, porque deles depende a pretensão da A.; 15ª - Ainda que se tratassem de factos complementares ou concretizadores, não podiam ser acrescentados à matéria assente sem antes se conceder aos RR. a oportunidade de sobre eles se pronunciarem; 16ª - 0 que não aconteceu, por o Tribunal não ter dado a conhecer às partes que pretendia ampliar a Matéria de facto nesses termos; 17ª - Assim, devem os Factos 34, 35 e 37 ser eliminados da Matéria Assente; 18ª - A A., apesar de a isso se encontrar obrigada, não logrou provar o primeiro dos pressupostos da responsabilidade civil: a ilicitude; 19ª - O Acórdão recorrido - à semelhança do que se verificava em relação à decisão da 1ª Instância - não identifica as normas jurídicas que, tendo sido violadas, pudessem ter estado na origem da ruína do edifício dos autos e dos danos sofridos pela A.; 20ª - A falta de licença de utilização não pode constituir o facto ilícito relevante para efeitos de responsabilização do 1º R: 21ª - Muito menos ainda pode servir para responsabilizar o 2º R., que não tinha qualquer obrigação de obter a licença de habitação de um imóvel do qual não era proprietário; 22ª - O art. 492° do C. Civil não exime quem dele se queira aproveitar de provar os pressupostos da responsabilidade civil, incluindo a ilicitude, pelo que não pode constituir, ele próprio, a base da ilicitude; 23ª - O dano patrimonial futuro só poderá ser indemnizado (para além do dano biológico e dos danos morais complementares) quando o lesado passe a sofrer de incapacidade permanente absoluta ou, pelo menos, de incapacidade para a profissão habitual; 24ª - Não resultou provado que, em resultado do sinistro, a A. passasse a sofrer de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual; 25ª - Assim, não deveria ter sido concedida à A. indemnização por incapacidade permanente geral; 26ª - Conforme consta do voto de vencido do Acórdão recorrido, "as indemnizações fixadas cumulativamente a título de perda da capacidade de ganho e de "lesões físicas" assentam basicamente numa única e mesma realidade - que igualmente se mistura e confunde com a matéria relativa ao ressarcimento de danos morais (artigo 496°, n° 1 do Código Civil) -constituindo duplicação de montantes indemnizatórios sem a adequada justificação substantiva"; 27ª - Tendo a A. sido compensada a título de dano biológico, não lhe podia ser arbitrada uma indemnização por incapacidade permanente geral, sob pena de duplicação; 28ª - Não pode, pois, haver lugar a condenação dos RR. no pagamento à A. da "indemnização de € 100.000,00 pela incapacidade permanente geral de 60%, que lhe foi arbitrada"; 29ª - Quando assim se não entenda, tal indemnização não poderá ser superior a €41.778,45, calculada com base na RMMG de 403,00 €, na incapacidade de 60% arbitrada à A. e na presunção de que teria uma vida ativa até aos 70 anos; 30ª - Conforme consta do voto de vencido, com referência ao...

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