Acórdão nº 206/08.4TBMFR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução14 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA (A.), intentou, em 04/02/2008, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: - BB e cônjuge CC – 1.º R.R.

; - DD e cônjuge EE – 2.º R.R; - Banco FF, S.A.

, Sociedade Aberta, ora substituído pelo Banco GG – 3.º R.

.

Alegou, no essencial, o seguinte: .

A A. é filha dos 1.ºs R.R., os quais têm, também, outra filha de no-me HH, por quem manifestaram, desde sempre, a sua predileção; .

Por outro lado, os mesmos R.R. nunca aprovaram o relacionamento amoroso que a A. mantinha, desde o início de 2003, com o seu namorado, a ponto de, nos princípios de 2004, cortarem definitivamente relações fami-liares com ela, tendo-a ameaçado de que a “deserdariam”, se não deixasse aquele namorado; .

Foi nesse contexto que os 1.ºs R.R. se conluiaram como os 2.ºs R.R., de quem eram muito amigos, com o conhecimento e o “aval” de HH, no sentido de simularem a venda do único imóvel de que aqueles eram proprietários consistente no prédio misto denominado “Casa II”, Quinta do …, sito na Fonte …, na freguesia da …, no município de M…, composto de casa de dois pisos para habitação, arrecadação, garagem e logradouro, inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de M…, para posteriormente os 2.ºs R.R. o venderem a HH, subtraindo-o, desse modo, da herança dos pais da A., prejudicando-a, na sua qualidade de herdeira legitimária; .

Na prossecução de tal objetivo, os 1.ºs R.R. e os 2.º R.R. outorga-ram uma escritura pública de compra e venda do referido prédio em 16/02/ 2005, em que os primeiros intervieram na qualidade de vendedores e os se-gundos na qualidade de compradores, tendo-o feito pelo preço declarado de € 125.000,00, quando o prédio tinha então o valor de mercado de pelo menos € 500.000,00; .

Todavia, ao contrário do ali declarado, nem os 1.ºs RR nem os 2°s R.R. tiveram a intenção de vender e comprar aquele imóvel, respetiva-mente; .

Com efeito, tal imóvel é a casa de morada de família dos 1.ºs R.R. desde a data em que o adquiriram, desde pelo menos 10/09/1969, tendo ali toda a sua vida familiar e social centralizada, o que ainda se verifica, não obstante a declarada venda, nunca os 2.ºs R.R. o tendo habitado; .

Além disso, nem os l.ºs R.R. receberam nem os 2.ºs R.R. pagaram o preço da venda declarado na escritura, nem qualquer outro; .

A A. só tomou conhecimento dessa venda no mês de janeiro de 2008, quando solicitou informações junto da Conservatória do Registo Predial de M….

.

Nessas circunstâncias, o referido contrato de compra e venda é nulo por simulação, sendo também nulos os atos contemporâneos e posteriores nessa base praticados e registados, mesmo em relação a terceiros, como são as constituições de hipotecas sobre aquele prédio registadas a favor do 3.º R.; Concluiu a A., a pedir que fosse: a) – declarada a nulidade, por simulação, do mencionado contra-to de compra e venda; b) – declarada a consequente nulidade de todos os negócios coe-vos e posteriores ao negócio simulado; c) – declarada a nulidade dos respetivos registos prediais e orde-nado o seu cancelamento. 2.

O 3.º R. deduziu contestação, a impugnar, por desconhecimento, a generalidade dos factos alegados pela A. e a sustentar que, no exercício da sua atividade, celebrou com os 2.ºs RR. um contrato de mútuo com hipo-teca no montante de € 125.000,00, tendo procedido de boa fé, pelo que a eventual simulação negocial não lhe é oponível.

  1. Por seu turno, os 2.ºs R.R., DD e EE, também contestaram, sustentando que: .

    Em tempos, existiu uma boa relação comercial e pessoal entre os 1.ºs e 2.ºs R.R., muito antes da data da compra e venda do imóvel em causa, sendo estes gerentes de uma sociedade dedicada ao comércio de pneus, através da qual tinham negócios com os 1.ºs R.R., que também operavam no mesmo sector comercial; .

    Em finais de 2004, os 1.ºs R.R. viveram uma crise de grande carência financeira, que determinou uma situação de reiterado incumprimento de dívidas contraídas por aqueles perante os 2.ºs R.R., decorrentes da aquisição de bens e serviços; .

    Na tentativa de saldar essas dívidas acumuladas, foram sendo emitidas letras que, depois de uma primeira reforma, na sua grande generalidade ficaram por amortizar, no remanescente.

    .

    A dada altura, confrontados com dívidas de outros fornecedores e na iminência de uma penhora sobre o imóvel em causa, para o evitar e para satisfazer as obrigações que se iam vencendo, os 1.ºs R.R. propuseram aos 2.ºs R.R. a celebração do contrato de compra e venda pelo preço de € 125.000,00, o qual se afigurava compatível com os preços praticados no mercado para edifícios similares em avançado estado de degradação e onerados com uma situação de comodato, igualmente acordada e, nessa medida, fator objetivamente condicionante do valor do negócio; .

    Os 2.ºs R.R. tinham a intenção de fazer obras no imóvel assim que os 1.ºs R.R. o restituíssem livre e devoluto de pessoas e bens.

    Concluíram os 2.ºs R.R. pela improcedência da ação.

  2. Os 1.ºs R.R. não contestaram.

  3. Seguiram-se outros articulados, findos os quais, em audiência preliminar, foi proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme o consignado na ata de fls. 221-228.

  4. Posteriormente, após a realização de prova pericial sobre docu-mentos juntos aos autos pelos 2.ºs R.R., procedeu-se à audiência final, na sequência do que foi proferida a sentença de fls. 896-899, datada de 21/12/ 2016, a julgar a ação totalmente improcedente com a consequente absolvi-ção dos R.R. do pedido.

  5. Inconformada com tal decisão, a A. interpôs recurso para o Tribu-nal da Relação de Lisboa, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido, por unanimidade, o acórdão de fls. 986-996/v.º, datado de 16/11/2017, através do qual, não obstante a alteração ali introduzida de alguns dos factos impugnados, se julgou improcedente a ação, confirmando-se a decisão recorrida: 8.

    Desta feita, novamente inconformada, vem a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O recurso de revista ora interposto pela A recorrente é de admitir, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, na medida em que nele é invocada a violação de lei adjetiva e substantiva, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, proferida pela 1.ª instância, nomeadamente as previstas nos artigos 640.º e 662.º ambos do CPC, matéria esta que não está abarcada pela situação de dupla conformidade, não se verificando uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto.

    2.ª - Verifica-se contradição entre os factos provados e factos não provados, porquanto, as respostas negativas aos factos 1.º e 2.º da BI, não acolheram os factos que constituem ou integram antecedente lógico necessário das respostas afirmativas aos res-tantes factos da BI, o que se verifica no caso dos autos.

    3.ª - Do depoimento da testemunha HH resulta, desde logo, que quanto aos factos inseridos nos artigos 1.º e 2.º da BI, o seu conhecimento é direto, atendendo à razão de ciência da mesma e às circunstâncias que justificam o seu conhecimento, pois, presenciou as negociações entre os 1.ºs e 2.ºs R.R., ora apelados, comprovando, assim, os factos erradamente dados como não provados 1.º e 2.º da BI na decisão recorrida; 4.ª – As razões que o Tribunal recorrido da 1.ª Instância invoca para dar como provada a matéria de facto vertida nos pontos 9, 10 e 11 da sentença recorrida, com base no respetivo depoimento (olvidando a prova documental de fls. 311 a fls. 315-informações da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre os do-micílios fiscais dos 1.ºs e 2.ºs RR) também justificam que se dê acolhimento ao depoimento da testemunha HH quanto aos factos vertidos nos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, porquanto, são essas relações de proximidade, de família e de concubinato, respetivamente, com a A., sua irmã, com os 1.ºs R.R. seus pais, e o 2.º R. seu amante, que permitem a mesma ter conhecimento direto de todos os factos, ainda que zangada, não com uma das partes, mas declaradamente com todas as partes. Assim, carecem de fundamento as considerações do Tribunal recorrido não dar relevo às declarações da dita testemunha, consideração que é a denegação da justiça, quando a testemunha em causa é a única pessoa que assistiu e interveio nas negociações entre os 1.ºs R.R. e dos 2.ºs R.R.; 5.ª - Do depoimento da testemunha HH e das declarações da A. recorrente, da falta de contestação dos 1.ºs R.R. recorridos, que não contestaram a ação e o respetivo pedido deduzido pela A., verificando-se o reconhecimento não confessório dos factos alegados na petição inicial, nos termos do disposto no art.º 361.º do CC, todos estes elementos de prova não foram tidos em consideração pelo Tribunal recorrido que não retirou daí as consequências.

    6.ª - De salientar que o Tribunal recorrido deveria ter dado por provado os factos 1.º e 2.º da BI com recurso às presunções judiciais, nos termos do disposto nos artigos 349.º e 351.º do CC, porquanto, deveriam ter sido retiradas ilações pelo julgador de factos conhecidos e dados pelo mesmo como provados para afirmar factos desconhecidos como provados, pelo que, ao não fazê-lo, violou as regras de direito probatório material e adjetivo.

    7.ª - Assim, o intuito dos 1.ºs e 2.ºs R.R. de enganar terceiros, a A. recorrente, e o prejuízo da mesma, alegado no art.º 7.º da petição inicial, o prejuízo da sua legítima expetativa de vir a herdar o imóvel em causa nos autos, motivação da realização do negócio simulado, é demonstrado não só pela prova testemunhal e declaração da parte, mas também por outros factos dados como provados, ao contrário do preconizado pelo Tribunal recorrido na sua fundamentação, nomeadamente, os seguintes: - ponto 13 da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido (Cfr. pág. 19), do bem objeto da venda ser o único bem existente no património dos 1.ºs R.R.

    As...

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