Acórdão nº 8671/14.4T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução05 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA - Futebol, SAD, intentou contra BB - Futebol, SAD, e CC - Companhia de Seguros, SA, ação declarativa, pedindo a condenação das rés a restituírem-lhe a totalidade do valor atribuído ao dano produzido depois das 22:27:30 do dia 26 de Novembro de 2011, a fixar em incidente de liquidação próprio.

Alegou, em síntese nossa, o seguinte: - Em 26.11.2011 realizou-se no estádio da 1ª ré uma partida de futebol entre as equipas desta e da autora, tendo, por razões de segurança, os adeptos da autora sido colocados numa caixa de segurança, com barreiras de fibra de vidro e redes de proteção, situada numa bancada do topo Norte; - Terminado o jogo, e a partir das 22:00, os adeptos do AA foram mantidos no interior daquela caixa de segurança, passando já das 23H00 quando os últimos adeptos a abandonaram; - Nesse período de tempo deflagraram diversos focos de incêndio no local, tendo o acesso dos bombeiros sido dificultado por adeptos do AA; - O Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol condenou a autora, no âmbito de processo disciplinar, na multa de € 2.250,00 e a pagar à 1ª ré a indemnização de € 359.338,70 pelos prejuízos provocados durante o jogo, tendo esta indemnização sido paga; - O último dos focos de incêndio ocorridos só foi objeto de efetivo combate pelos bombeiros pelas 23:07:30, sendo que já antes das 23:00 as imediações estavam desimpedidas, sem qualquer obstáculo à chegada dos bombeiros, pelo que houve atraso e ineficácia no combate ao mesmo; - Tal contribuiu para o agravamento da dimensão do incêndio, da responsabilidade da 1ª ré, dado ser a organizadora do evento; - A esta cabia impedir a entrada de material pirotécnico, organizar os meios adequados à desmobilização dos obstáculos à intervenção das forças da ordem e de combate aos incêndios, acautelar um dispositivo policial robusto e conceber um plano de evacuação rápida; - A inépcia da 1ª ré, por incumprimento dos deveres de diligência ordinária, causou o agravamento dos danos, pelo que aquela indemnização deve ser reduzida e restituído o excesso à autora.

A 1ª ré contestou[1], sendo de destacar dessa peça processual as seguintes ideias essenciais: - A Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional instaurou processo de inquérito para averiguação dos factos ocorridos por ocasião do jogo de futebol em causa, o qual foi depois convolado em procedimento disciplinar movido à aqui autora, no qual esta veio a ser condenada pelo Conselho de Disciplina da FPF na multa e indemnização acime referidas, no âmbito do processo disciplinar nº 10-11/12; - Em recurso da autora, o Conselho de Justiça da FPF confirmou o acórdão recorrido, no exercício da competência disciplinar que lhe cabe, dado o estatuto de utilidade pública desportiva de que goza; - No seguimento de recurso interposto pela aqui autora no âmbito do processo de inquérito nº 11-11/12, no qual era contra-interessada a aqui 1ª ré, veio a ser proferido pelo mesmo Conselho de Justiça acórdão determinando o arquivamento; - A autora pretende, nesta ação, atacar a decisão proferida pelos órgãos da FPF, a qual gerou a obrigação de indemnizar decorrente de responsabilidade disciplinar, sendo que tal decisão é um ato administrativo; - De tal decorre que a competência para esta ação sempre seria da jurisdição administrativa, o que implica a absolvição da instância.

Também a 2ª ré contestou[2] invocando, além do mais que não interessa destacar, a violação de caso julgado formado nas instâncias desportivas.

Em resposta que apresentou[3], a autora sustenta a improcedência das exceções invocadas, argumentando, essencialmente, o seguinte: a) as sanções foram aplicadas em sede de responsabilidade disciplinar, que é autónoma e independente da responsabilidade civil, como estabelece, nomeadamente, o art. 4º da Lei nº 112/99, de 3.8; b) o não exercício da responsabilidade disciplinar por certos factos não preclude o exercício da responsabilidade civil emergente dos mesmos; c) nestes autos está em causa, diversamente, a responsabilidade civil extracontratual, que ainda não foi apreciada e não está, por isso, coberta por caso julgado, embora parte dos factos com interesse para esta questão hajam sido já invocados no processo disciplinar; d) trata-se de matéria cujo conhecimento cabe à jurisdição civil.

Após obtenção[4] do texto do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional para a época de 2010/2011 que foi tomado em consideração no acórdão do Conselho de Justiça acima referido[5], foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de incompetência absoluta e do caso julgado e que, conhecendo do mérito, julgou improcedente a ação e absolveu as rés do pedido, por força da autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo disciplinar nº 13/CJ-12/13 do Conselho de Justiça da FPF.

Fez-se ainda constar, em sede de fundamentação, que, ainda que assim se não entendesse, sempre seria de concluir pela improcedência do pedido da demandante, dado o que resulta dos “factos apurados em sede de procedimentos disciplinares e de inquérito criminal que correram termos nas instâncias disciplinares da Federação Portuguesa de Futebol e no DIAP” (sic).

E, logo de seguida, concretizando esta asserção, escreveu-se o seguinte: “Na verdade, não se pode olvidar que, em tal sede, foi dado como provado o seguinte: - que o momento da evacuação dos adeptos da Autora do estádio (e da caixa de segurança) da primeira Ré foi decidido pela PSP e não pela primeira Ré; - ser evidente, por facto notório, não caber à primeira demandada a decisão quanto ao número de efectivos policiais e ou de bombeiros a utilizar na segurança do jogo em causa; - terem sido os adeptos da Autora que deflagraram os focos de incêndio em causa nos autos e que provocaram os danos em questão, impedindo, posteriormente, os bombeiros de combater tais incêndios, designadamente, o último e de maiores dimensões e, - terem as autoridades pertinentes considerado, entes do jogo, que se verificavam as condições de segurança necessárias à sua realização.

” Contra o assim decidido, apelou a autora, tendo a Relação de Lisboa proferido acórdão que, julgando o recurso improcedente confirmou a decisão recorrida que julgara a ação improcedente, mas com fundamentação diversa que pode ser resumida do seguinte modo: - É controvertida, na doutrina, a qualificação a dar às decisões dos conselhos de disciplina de federações desportivas, nomeadamente, se têm natureza jurisdicional ou se são atos administrativos.

- A solução do caso em análise dispensa, porém, uma tomada de posição a este respeito, visto estar a montante da autoridade de caso julgado que possa caber à decisão do Conselho de Justiça; - Vigora no processo civil o princípio da preclusão, segundo o qual o réu tem o ónus de contestar e aí deduzir todas as exceções e meios de defesa, não podendo fazê-lo depois de decorrido o prazo perentório para tal fixado, com efeitos intraprocessuais – impedindo a posterior prática do ato no mesmo processo – e extraprocessuais – impedindo a sua prática num outro processo; - A preclusão é transversal ao ordenamento jurídico processual, vigorando também no processo penal, que é a matriz do processo disciplinar; - Na presente ação a autora imputa à 1ª ré culpa no agravamento do dano com base em questões já discutidas no processo disciplinar e noutras que aí não foram suscitadas, sem que, quanto a estas, se alegue conhecimento superveniente ou novos meios de prova antes não acessíveis; - Estas questões novas podiam ter sido discutidas no processo disciplinar, que abrangia as questões atinentes à responsabilidade civil; - O pagamento, pela autora, da indemnização de € 359.338,70 não pode ser juridicamente qualificado como dano por traduzir o cumprimento de um dever jurídico, já que havia uma condenação a fazê-lo.

A autora interpôs o presente recurso de revista contra esta decisão, pedindo a sua revogação e que se considerem como não verificadas as exceções suscitadas e se ordene o prosseguimento dos ulteriores termos do processo.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões: Da recorribilidade da decisão: 1 – Apesar de confirmar a decisão proferida em primeira instância, o aresto “a quo” fá-lo com recurso a fundamentação essencialmente diversa (“preclusão”) daquela primeira (“autoridade de caso julgado”), motivo pelo qual não se verifica a figura da dupla conforme, nos termos do disposto no nº 3 do art. 671º do CPC, deste modo consentindo o presente recurso de revista.

Do recurso Da preclusão 2 – O aresto em crise mantém o efeito da absolvição das rés da instância[6], por considerar que a autora, ora recorrente, deixou precludir o seu direito, ao não ter invocado o argumento da conculpabilidade do prejudicado em sede de processo disciplinar que correu termos pelas instâncias desportivas.

3 – Fundamenta tal conclusão por apelo às figuras civilísticas do ónus de alegação e concentração de toda a matéria da defesa na contestação, e no princípio processual penal da adesão, no sentido de deverem todas as questões relacionadas com matéria disciplinar e responsabilidade civil (da autora e da ré) ser discutidos no processo disciplinar.

4 – Tal ónus inexiste, por não se encontrar concretizado em qualquer normativo legal ou regulamentar.

5 – Em sede disciplinar, a autora ora recorrente foi condenada a pagar, e pagou, - “a título de valor de danos”, cfr. ponto 30 da matéria de facto assente – indemnização à primeira ré no valor de € 359.338,70 por todos os prejuízos provocados no Estádio … durante e após a realização do encontro, ao abrigo do «disposto no art. 152º do Regulamento Disciplinar – cfr. ponto 26 da matéria de facto assente.

6 – Tal norma (art. 152º do R.D.) integra-se, na economia do Regulamento Disciplinar aplicável, na Secção VII – Das faltas dos espectadores”, que atribui ao Clube a responsabilidade (objectiva) pelas alterações de ordem pública e da...

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