Acórdão nº 2011/15.2T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 05 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, filhos, Lda.
intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Seguros, S.A.
., pedindo a condenação da R. no pagamento à A. de uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior ao limite máximo da apólice contratada, equivalente a € 150.000,00.
Para tanto, e em síntese, alega que: A R. e a Ordem dos Advogados Portugueses contrataram um seguro de grupo de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados para a anuidade de 2015, do qual beneficiam todos os advogados com inscrição em vigor à data dos sinistros, até ao valor de € 150.000,00, e com retroactividade ilimitada.
A A. celebrou com o advogado Dr. CC um contrato de prestação de serviços de consulta, apoio e patrocínio, a desenvolver e a concretizar por este em nome e por conta da A., para o que esta emitiu e lhe entregou diversas procurações, designadamente para a representar na acção n.º 1114/06.9TBMCN, onde era ré, intentada pelos sócios DD e EE, e destinada a obter a declaração de nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral de Sócios da autora de 22/06/2006, quanto aos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos, e, assim não se entendendo, a anulação das deliberações tomadas na mesma Assembleia Geral de Sócios, quanto aos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos.
Nesse processo, veio a ser proferida sentença que declarou a nulidade da deliberação constante do ponto 1 da ordem de trabalhos, com os fundamentos melhor descritos na petição inicial. Após descrever os fundamentos de direito em que assenta a sua discordância relativamente à supra referida sentença, sustentando a inexistência de um direito especial à gerência dos sócios DD e EE, alega que, tendo sido notificado da sentença, o advogado Dr. CC, de forma displicente e pouco cuidada, sem verificar com a devida atenção o regime processual aplicável, considerou que o prazo para a interposição do recurso era de 30 dias, quando no caso era de apenas dez dias, o que levou a que a autora perdesse o direito a recorrer daquela decisão que lhe foi desfavorável.
Alega, ainda, que, numa última tentativa, a A. mandatou outros advogados, que ainda tentaram apresentar recurso, mas o mesmo foi indeferido por intempestivo.
Mais alega que os sócios em causa, DD e EE, intentaram acção judicial contra a A., pedindo as remunerações que deixaram de auferir durante o período em que, por força da deliberação que veio a ser declarada nula, estiveram impedidos de exercer a gerência, consubstanciando a A. o dano da alegada perda de chance no facto de a A. poder vir a ter de pagar aquelas remunerações pelos montantes que aqueles reclamam naquelas acções.
Regularmente citada, a R. contestou, impugnando a maior parte dos factos alegados pela A., aceitando a existência do invocado contrato de seguro e excepcionando a exclusão de qualquer responsabilidade que lhe pudesse vir a ser assacada, exclusão esta decorrente do alegado pré-conhecimento do sinistro por parte do advogado, Dr. CC, e da existência de uma cláusula contratual (art. 3º das Condições Especiais da apólice) que exclui da cobertura da apólice as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado à data do início do período seguro e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.
Mais alega, com base nos fundamentos melhor descritos na contestação, que não existia uma probabilidade séria de a A., naquela outra acção, obter êxito no invocado recurso.
Termina pugnando pela sua absolvição.
Através do despacho de fls. 285-287, o Tribunal solicitou à A. alguns esclarecimentos, e bem assim convidou a mesma a exercer o contraditório relativamente às excepções arguidas na contestação.
Na sequência de tal despacho, a A. exerceu o contraditório, relativamente à matéria de excepção, através do articulado de fls. 290-297 dos autos, sendo de realçar apenas a alegação de que o seguro de responsabilidade civil profissional para os advogados é obrigatório, por força do art. 104º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo aplicáveis ao mesmo os princípios dos arts. 13º e 101º, n.º 4, da Lei do Contrato de Seguro, sendo aqui imperativa a imposição que estipula que, ainda que o contrato possa prever que a falta de participação do sinistro implique a redução da prestação do segurador ou a perda da cobertura, tais regras não são oponíveis aos lesados, em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações a efectuar.
A fls. 1079 foi proferida sentença em que se decidiu julgar improcedente a acção, absolvendo a R. do pedido.
Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.
Por acórdão de fls. 1395 foi mantida a decisão relativa à matéria de facto e, a final, proferida a seguinte decisão: “Na procedência parcial das alegações revoga-se a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a acção condenando-se a Ré a pagar à autora a título de indemnização, pelo incumprimento do contrato de mandato, o montante que se fixa em 50% dos prejuízos que vierem a ser apurados ulteriormente.” 2.
Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. A Autora sustenta a sua pretensão indemnizatória contra a Seguradora, ora Recorrente, na celebração de um contrato de mandato forense com o advogado, Dr. CC, e na alegada extemporaneidade do recurso, que afirma ter sido interposto pelo mesmo nos autos do processo n.º 1114/06.9TBMCN; 2. Sustenta assim a A. ter sofrido danos consubstanciados na possibilidade de vir a ser (futura e eventualmente) condenada a pagar as remunerações peticionadas pelos sócios, DD e EE, em decorrência da sentença proferida no processo n.º 1114/06.9TGMCN, e bem assim dos processos judiciais que contra a A. correm termos na Instância Central de Comércio da Comarca do ... Este (processos n.º 81/13.7TBMCN e n.º 409/15.5TSAMT), intentados pelos referidos sócios, e que se encontram ainda pendentes no Tribunal; 3. Fazendo assim a A. impender sobre a ora Recorrente BB, a responsabilidade pelo ressarcimento de tais pretensos prejuízos (que, saliente-se. ainda não se verificaram, e poderão nunca se vir a verificar), em decorrência da transferência de responsabilidades operada por via do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados, do qual o advogado, entretanto falecido, Dr. CC, beneficiava na qualidade de advogado com inscrição em vigor à data da ocorrência dos factos relatados nos autos; 4. Sucede porém que, no seguimento da produção de toda a prova oferecida e requerida nos autos pelas partes, e bem assim da minuciosa apreciação e ponderação pelo douto Tribunal de Primeira Instância, de todas as questões jurídicas subsumíveis aos factos em apreço nos autos, considerou a douta sentença proferida (e bem) que não se encontram verificados todos os pressupostos de que depende a responsabilização civil do advogado, Dr. CC, perante a A.; 5. De facto, resultou claro da matéria factual julgada provada, e não provada, nos autos (a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos), a total impossibilidade de se imputar ao advogado visado, Dr. CC, qualquer conduta negligente e/ou omissiva, passível de gerar a sua obrigação de indemnizar; 6. Efectivamente, não logrou a A. demonstrar, tal como lhe impendia nos termos previstos no artigo 342.º do C.C., a ocorrência do alegado incumprimento do contrato de mandato forense por parte do advogado, Dr. CC.
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Na verdade, e pese embora o douto Acórdão recorrido pareça fundamentar a existência do (pretenso) incumprimento do contrato de mandato, por parte do advogado, Dr. CC, nos factos considerados provados sob n.ºs 14.º, 15.º, 16.º e 17.º, resulta manifestamente claro da referida factualidade a impossibilidade de se imputar ao advogado visado, qualquer erro e/ou omissão profissional.
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Pelo contrário, o que ficou provado foi que o recurso da sentença proferida nos autos do processo nº 914/06.9TBMCN, foi intentado fora do prazo legalmente previsto por outros advogados, munidos de poderes de representação judicial da Autora; 9. Não resultando, por outro lado, ainda demonstrado que o recurso em apreço tenha sido interposto para além do prazo legalmente previsto, por qualquer motivo imputável ao advogado, Dr. CC.
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Sendo certo que, tal como salientou a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, "o advogado não está contratualmente obrigado a recorrer de uma sentença, designadamente se com ela concordar ou entender que não há elementos válidos, adquiridos processualmente no processo ou que o possam ser em sede de recurso, que consiga dar viabilidade ao mesmo, sendo-lhe exigível, neste coso, que aconselhe e informe o cliente nesse sentido, residindo aqui a sua autonomia," 11. De modo que, face à factualidade julgada provada (e não provada) nos autos, não poderia o douto Acórdão recorrido considerar verificada e/ou demonstrada, a existência do primeiro requisito legal (o facto ilícito) - sob pena de frontal e expressa violação do disposto nos artigos 342.º e 483.º do Código Civil - passível de conduzir à responsabilização civil do advogado, Dr. CC, da qual pudesse emergir qualquer obrigação de indemnizar.
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Nessa medida, não sendo possível afirmar a existência de um comportamento ilícito do advogado, Dr. CC, consubstanciador de uma qualquer violação dos deveres profissionais, deontológicos e/ou contratualmente assumidos por via do mandato forense firmado com a A., não impenderá sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrente, qualquer obrigação indemnizatória decorrente da alegada transferência de responsabilidades, Por outro lado, e ainda que assim não fosse, o que não se concede, 13. Da matéria de facto alegada nos autos pela A,, e bem assim dos factos dados como provados...
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Acórdão nº 852/14.7TBVRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Abril de 2023
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