Acórdão nº 251/15.3GDCTX.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução07 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 2 em 8 de Agosto de 2017, foi o arguido AA condenado na pena de 5 anos de prisão, pela prática como autor de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.°, 22.°, n.

os 1 e 2 e 23.°, todos do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.°, n.° 3, do NRJAM, aprovado pela Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.° 17/2009, de 6 de Maio.

Foi ainda o arguido condenado no pagamento ao assistente/demandante BB da quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora contados desde a data da decisão, e da quantia de € 28,59, a título de ressarcimento por danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios a contar da data da notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil.

2.

Inconformado, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 12 de Outubro de 2017, o julgou procedente, tendo absolvido o arguido da acusação pelo crime por que fora condenado na decisão recorrida e, bem assim, do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente BB.

3.

Desta decisão vem agora o assistente BB interpor recurso para este Supremo Tribunal, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem[1]: «- CONCLUSÕES: 1.º Inconformado com o douto acórdão proferido pelos Mmos. Juízes do Tribunal da 1.ª instância, que condenou o arguido como autor material, de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º n.ºs 1 e 2 e 23.º todos do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 86.º n.º 3, do NRJAM, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 06 de Maio, na pena de 05 (cinco) anos de prisão, e a proceder ao pagamento de uma indemnização na quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros deste a data do acórdão, à taxa legal de 4% ou à taxa legal que vier a vigorar até integral pagamento, bem como na quantia de €: 28,59 (vinte e oito euros e cinquenta e nove cêntimos) a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais, acrescida de juros a contar da data da notificação do arguido/demandado para contestar o pedido de indemnização civil, à taxa de 4% ou à taxa legal que vier a vigorar até integral pagamento, absolvendo o arguido/demandado do remanescente peticionado, o arguido AA interpôs recurso do mesmo para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão datado de 12.10.2017, os Venerandos Juízes Desembargadores julgaram procedente o recurso interposto pelo arguido, decidindo revogar a decisão recorrida, e absolver o arguido AA da acusação pela prática de um crime de homicídio na forma tentada agravado nos termos do disposto no artigo 86.º n.º 3 do NRJAM, bem como do pedido cível formulado pelo recorrente BB.

  1. Ora, é desta decisão Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que se apela ao vosso melhor Julgamento, pois que com todo o devido respeito e salvo melhor opinião, os Mmos. Juízes Desembargadores, não tiveram a adequada ponderação dos factos, havendo provas que impõem diversa decisão da recorrida, havendo erro notório na apreciação da prova, circunstância que motivou a errada aplicação do Direito, tudo como o recorrente devidamente demonstrará infra.

  2. Na verdade, da simples análise da decisão proferida em sede de 1.ª instância, conclui-se que, os Mmos. Juízes ao determinarem na condenação do arguido nos moldes constantes do Douto Acórdão, respeitaram e executaram, sem margem para dúvidas, os princípios legais constantes dos normativos aplicáveis ao caso em apreço, não existindo, portanto qualquer violação de quaisquer preceitos normativos, ao contrário do mencionado no acórdão proferido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa.

  3. Assim, considera-se que, os Mmos. Juízes do Tribunal da 1.ª instância decidiram de forma isenta e na mais estreita e rigorosa observação de todas as normas legais quer substantivas, quer processuais aplicáveis ao caso “sub judice”.

  4. Destarte, ao longo de toda a douta decisão proferida em sede da 1.ª instância não se vislumbra igualmente qualquer erro notório na apreciação da prova, não havendo errada aplicação do direito, conforme consta da fundamentação do acórdão do qual ora se recorre, o qual decidiu incorrectamente alterar a matéria de facto devidamente fixada e dada como provada pela 1.ª instância, no uso da faculdade prevista no art.º 428.º e art.º 431.º alínea a) ambos do Código de Processo Penal.

  5. A douta decisão proferida pela 1.ª instância encontra-se devida e inteiramente fundamentada, tendo os Mmos. Juízes decidido, e BEM pela condenação do arguido, não padecendo, portanto, a acórdão de qualquer vício, não merecendo qualquer reparo, que não seja o de louvor e consideração, devendo, por isso, o mesmo ser mantido na sua íntegra e plenitude.

  6. Estipula o artigo 32.º do Código Penal que: “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.

  7. No que concerne aos requisitos da legítima defesa são a necessidade do meio empregue, a impossibilidade de recurso à força pública e a inexistência de excesso na causa da agressão. Trata-se de restrições implícitas ao direito de legítima defesa.

  8. Há assim, no caso sem apreço, EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA, objectivamente, se foi utilizado um meio mais gravoso, havendo à disposição meios menos gravosos, o que se verificou no caso dos presentes autos, pois que na verdade o arguido dispunha ao seu alcance diversas outras condutas alternativas, nomeadamente: a) O arguido poderia sempre ter recorrido ao auxílio da força pública, bastando-lhe para o efeito fazer uma simples chamada telefónica; b) O arguido poderia ter pedido auxílio a um dos seus vizinhos; c) O arguido poderia dirigir uma palavra ao recorrente alertando-o para que o mesmo parasse de partir o telhado, insurgindo-se com a conduta daquele; d) ou até mesmo efectuar um disparo somente de advertência para o ar ou até mesmo para uma zona onde soubesse não haver possibilidade de atingir ninguém, atendendo a que o mesmo até é caçador com vasta experiência na área, e dessa forma prevenir e evitar que atingisse quem quer que fosse.

  9. Ora, no caso concreto o recurso à força pública era MANIFESTA E CLARAMENTE exequível, e até a forma mais fácil e segura de eventual protecção do património por parte do arguido, pelo que não pode o recorrente condescender-se com a fundamentação do acórdão recorrido, ao concluir que o arguido queria por fim à agressão ilícita em curso sobre um direito seu, e que terá usado proporcionalmente os meios que tinha ao seu dispor para esse efeito.

  10. Aliás nesse sentido, atente-se à justificação que foi apresentada pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento para o facto de não ter telefonado para a entidade policial, ao mencionar numa primeira fase de que não o fez "(...) porque anteriormente aquando de uma deslocação ao Posto para apresentar queixa, tinham-lhe dito que "não podiam fazer nada", referindo posteriormente que não tinha o número de telefone".

  11. Esta justificação do arguido não merece qualquer credibilidade, pois que a alegada queixa que o mesmo terá pretendido apresentar não terá sido com certeza por causa do recorrente se encontrar a alegadamente partir o seu telhado… 13.º Pois que, a verdade é que dúvidas não subsistem de que o arguido dispunha de outras alternativas ao seu fácil alcance com vista a alegadamente pôr fim à alegada agressão ilícita em curso sobre um direito seu, pelo que se REFUTA VEEMENTE, não podendo acolher a tese constante da decisão recorrida de que o arguido terá usado proporcionalmente os meios que tinha ao seu dispor para esse efeito, pelo que estamos perante uma clara e evidente violação do Princípio da Proporcionalidade, um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico- penal.

  12. Deste modo, o recorrente não concorda com o entendimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, o qual é revelador de um entendimento anacrónico e manifestamente descabido da realidade, o qual fomenta e incrementa o recurso à “vindicta privada”, pois que legitima que qualquer cidadão, no futuro, para defesa do seu património – e nem sequer estamos a falar para defesa da sua vida e condição humana - coloque seriamente em causa e em perigo o bem mais precioso - a vida de outrem.

  13. Após análise dos requisitos e pressupostos da legítima defesa (que conforme supra demonstrado não se encontram minimamente preenchidos), cumpre dissecar em concreto, a douta decisão proferida pela 1.ª instância, com interesse para a decisão da causa, a qual deu como provada, a seguinte matéria de facto (da qual resulta sem margens para quaisquer dúvidas de que o arguido não terá actuado em legítima defesa, antes sim com a intenção clara e evidente de matar o aqui recorrente, aliás conforme entendimento do Colectivo de Juízes da 1.ª Instância): “(…) 8. De seguida, apontou a arma e efectuou um disparo na direcção do telhado onde se encontrava o ofendido BB, atingindo-o de raspão na cabeça, no pescoço e tórax.

    1. Após efectuar o disparo, o arguido voltou a municiar a espingarda caçadeira com um cartucho, dirigiu-se a casa, tendo colocado a arma municiada atrás da porta da casa de banho, sem diligenciar por perceber se o ofendido estava bem ou se precisava de ajuda, regressando à gaiola onde permaneceu até chegar a G.N.R. ao local.

      (…) 12.

      O arguido conhecia as características da referida arma, bem sabendo das potencialidades perfurantes, destrutivas e mortais da mesma.

      (sublinhado nosso).

    2. Ao agir do modo descrito – efectuando um disparo com uma arma de fogo na direcção do ofendido que se...

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