Acórdão nº 1419/16.0JAPRT.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, nascido a 4 de Maio de 1992, natural da Roménia, desempregado, sem residência fixa, pernoitando numa casa abandonada da Rua …, ora preso preventivamente à ordem dos autos, foi julgado juntamente com outro arguido (entretanto absolvido) no âmbito do Proc. n.º 1419/16.OJAPRT do Juiz 10, do Juízo Central Criminal do Porto, Comarca do Porto, por acórdão de 16 de Março de 2017 e aí condenado, pela autoria material de um crime de homicídio do art.º 131.º do Cód. Penal, na pena de 9 anos de prisão.

Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 5 de Julho de 2017, negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão recorrido. Ainda irresignado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, circunscrevendo o objecto do recurso às seguintes conclusões: “1. O Juízo Central Criminal do Porto julgou o Recorrente, AA, pela morte da vítima, BB, sob acusação do Ministério Público, condenando-o, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de homicídio, previsto e punível pelo art.º 131.º do CP, na pena de 9 anos de prisão efectiva.

  1. Inconformado, o Recorrente AA submeteu à apreciação do Venerando Tribunal da Relação do Porto a questão da nulidade do acórdão por falta de fundamentação quanto às razões pelas quais julgou provados os factos 6 (parte final) e 7, da factualidade considerada essencial à boa decisão da causa, 3. Impugnou a decisão da matéria de facto quanto à parte final do facto n.º 6 e facto n.º 7 da matéria assente, 4. E recorreu da decisão proferida quanto à legítima defesa ou ao seu eventual excesso.

  2. Pronunciando-se sobre as questões submetidas à sua apreciação, o Venerando Tribunal da Relação do Porto julgou as mesmas improcedentes.

  3. Não se conformando quanto ao teor do acórdão proferido pelo douto tribunal da Relação do Porto, o Recorrente AA interpõe recurso quanto à decisão proferida quanto à matéria de facto, por entender que a mesma padece de vício de falta de fundamentação, bem como está ferida de erro notório de apreciação da prova e ainda por violação do princípio in dubio pro reo.

  4. Recorre, ainda, da decisão proferida quanto à (in)existência de uma causa de exclusão da ilicitude, ainda que com eventual excesso, alegando, no que a esta matéria concerne, o vício a que alude o art.º 410.º, n.º 2, a), do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

  5. E termina o seu recurso com uma questão que, pese embora seja suscitada pela primeira vez, é de conhecimento oficioso por parte do mais alto tribunal, se detectada – contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

  6. Dá-se aqui como reproduzida toda a matéria de facto (provada e não provada) assente pelas instâncias.

  7. O Tribunal Recorrido negou provimento à suscitada nulidade, por falta de fundamentação do acórdão condenatório no que respeita ao percurso lógico-cognitivo com consequente apreciação crítica das provas que permitiram formar convicção quanto ao momento em que ocorreu a perda da faca por parte da vítima e ainda para formar convicção que esta se colocou em fuga tendo sido alcançada pelo Recorrente a 5 metros adiante daquele local, local onde veio a falecer.

  8. Tal decisão baseou-se no facto do tribunal recorrido ter julgado que, atenta a motivação do acórdão condenatório – transcrita e subscrita pela decisão recorrida – as razões do convencimento do tribunal quanto aos factos 6 e 7 estarem bem expressas, interligadas e analisadas, demonstrando a razão da decisão proferida, a qual se encontra com os elementos probatórios analisados de modo adequado e segundo as regras da experiência e da lógica de vida, não procedendo, por esse motivo, a nulidade suscitada.

  9. Por outro lado, manteve inalterados os factos insertos nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa por, na sua perspectiva, a decisão transcrita da decisão da primeira instância ser conforme com as regras da experiência e com o que aconteceu no local, porquanto os vestígios sanguíneos existentes entre o local da contenda e o local da morte (5 m adiante) não pertenciam à vítima mortal, mas ao agressor ferido.

  10. Mas também por considerar que, caso as feridas no falecido fossem causadas nesse percurso, também teriam de ali deixar vestígios hemáticos (à semelhança do que ocorreu com o agressor), o que não ocorreu.

  11. Dessa forma e porque as lesões mortais se verificaram na parte frontal e dorsal do corpo da vítima, julgou o tribunal recorrido que a vítima teria de se encontrar em fuga, razão pela qual improcedeu o recurso interposto quanto à matéria de facto.

  12. Ora, resulta da motivação do acórdão da primeira instância – transcrito pela decisão recorrida como fundamentação – que a testemunha CC afirmou que após os factos ocorridos no exterior do prédio onde residiam, na Rua …, os arguidos e vítima seguiram pela Rua …, a qual, por fazer uma lomba, não lhe permitiu ter visibilidade para o que ocorreu em seguida.

  13. Não se suscitam quaisquer dúvidas quanto ao facto dos arguidos terem sido alcançados pela vítima junto ao veículo ... branco e, naquele local, ter existido uma nova contenda, posto que tal facto resulta inequívoco da prova analisada e da motivação de facto.

  14. Concretamente, dos vestígios hemáticos do Sr. DD, recolhidos junto e sobre o ..., os quais, submetidos a perícia de criminalística biológica, revelaram correspondência com este arguido e cuja existência foi confirmada pela testemunha EE (agente da PSP), que os preservou.

  15. Também resulta comprovado do facto de, junto a este veículo, ter sido apreendido o telemóvel de cor preta, Duo S (cfr. auto de apreensão de fls. 139 e 140), pertencente ao arguido AA, conforme este, aliás, admitiu nas suas declarações.

  16. Por estes motivos, aliados ao intenso sangramento sofrido pelo arguido DD registado no veículo ... e no percurso tomado pelos arguidos após o local onde a vítima ficou já prostrada cadáver e ainda ao facto do sangue existente nas roupas dos arguidos, quando submetido a perícia biológica, revelar correspondência com o seu próprio perfil genético – conforme resulta do teor da motivação do acórdão recorrido – concluíram as instâncias que junto ao veículo ... se deu a confrontação entre arguidos e vítima.

  17. Entende, porém, o Recorrente que a fundamentação do Tribunal Recorrido quanto ao momento em que a vítima perde a faca para o Recorrente e quanto ao facto da vítima se ter colocado em fuga, sendo alcançada por aquele a 5 metros daquele local, é nula por não ser cognoscível ao destinatário do acórdão e a qualquer cidadão de formação média, perceber por que motivo, perante o facto de ter sangue do Sr. DD junto ao ... branco, o telemóvel do arguido AA tombado naquele local e os vestígios hemáticos da vítima apenas se encontrarem a 5 metros daquele local quando, pelo percurso, só existem vestígios hemáticos do agressor, o tribunal formou convicção no sentido de uma pessoa ébria ter conseguido – através de um acto instantâneo – tirar a faca a uma pessoa sóbria que já o havia atacado e o vinha perseguindo (bem como ao seu irmão), 21. A quem, aliás, tinha acabado de ferir – conforme resulta da motivação, pese embora não tenha sido carreado para a factualidade dada como provada e não obstante a sua eventual importância para uma decisão acerca da possível existência de uma causa de exclusão da ilicitude; 22. Bem como formar convicção de que a vítima se colocou em fuga, tendo sido perseguida e alcançada pelo recorrente, que praticou o acto constitutivo do tipo de crime – morte – como vingança dos actos anteriormente perpetrados pela vítima.

  18. De facto, não resultando da motivação das instâncias que essa factualidade tenha resultado de prova directa ou indirecta, ou documental, documentada ou pericial, que provem esses factos ou factos que permitam extrair presunções que apontem nesse sentido – posto que a prova concretamente apreciada apenas é susceptível de demonstrar o facto morte no local onde esta veio a ocorrer, conclui-se que o acórdão recorrido padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no art.º 425.º n.º 4, 379.º, n.º 1, a) e 374.º, n.º 2, todos do CPP.

  19. Ainda que assim não se entenda, a decisão proferida quanto à matéria de facto, concretamente quanto à inalterabilidade do ponto 6 (parte final) e 7 da matéria de facto, contraria, com toda a evidência, as regras da experiência comum e a lógica mais elementar, conforme se constata do texto da decisão recorrida, mais concretamente da sua fundamentação, onde se inclui a fundamentação da primeira instância.

  20. De facto, a decisão proferida não encontra suporte em prova directa ou indirecta (pois resulta da própria motivação a inexistência de testemunhas oculares), nem em prova documental ou pericial, que tenha sido concretamente apreciada e aponte naquele sentido, na medida em que a prova concretamente apreciada – fotos de fls. 200 e 202 a 210, relatório de exame ao local e de recolha de vestígios (no caso vestígio n.º 9) e relatório pericial de criminalística biológica de fls. 378 a 382 – apenas permite reconstituir o facto histórico morte e o local onde esta veio a ocorrer, nunca a fuga ou tentativa de afastamento por parte da vítima, a qual está impregnada de um elevado grau de subjectivismo.

  21. Apercebendo-se que não existem testemunhas oculares dos factos, nem declarações confessórias neste sentido, 27. Analisando apenas a prova resultante do facto de haver sangue do Sr. DD junto ao veículo ... branco, bem como o telemóvel do Recorrente tombado no chão naquele mesmo local, 28. E constatando que existe sangue da vítima a 5 metros desse veículo, não percebe o Recorrente ou o homem de formação média, por que motivo o tribunal julga provado que a vítima perdeu a faca para o Recorrente junto ao ..., fugiu e foi perseguida pelo Recorrente.

  22. Os factos provados não se encontram suportados em qualquer meio probatório efectivamente analisado...

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