Acórdão nº 191/09.5PEPDL.L4.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução14 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Em processo comum com intervenção de tribunal colectivo, o Ministério Público acusou AA, nascido em 14/11/1955, imputando-lhe a autoria de um crime de abuso sexual de pessoa internada, previsto no artigo 166.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal, crime pelo qual viria também a ser pronunciado.

2.

A ofendida, BB, constituída assistente através da sua representante legal, acompanhou a pronúncia e deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido e contra a CC, requerendo a condenação solidária dos demandados a pagarem-lhe, a título de danos não patrimoniais, uma compensação no valor de 50.000 €, acrescida de juros moratórios contados da data da notificação do pedido aos demandados.

3.

Por acórdão do Tribunal Judicial de ... – Instância Central – 1.ª Secção Cível e Criminal –..., da Comarca dos ..., proferido em 14 de Julho de 2016, foi decidido: a) Condenar o arguido como autor de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, previsto no artigo 165.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de seis anos de prisão.

b) Julgar parcialmente procedente o pedido civil formulado por BB contra o arguido e a CC e, em consequência, condená-los solidariamente a pagarem àquela a quantia de quarenta mil euros, a título de danos não patrimoniais causados.

4.

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Também a demandada cível DD interpôs recurso daquela decisão, limitado à questão cível.

5.

Por acórdão datado de 6 de Julho de 2017, o Tribunal da Relação deliberou: - Julgar totalmente não provido o recurso interposto pelo arguido no que respeita à parte criminal, confirmando, nesse segmento, o acórdão condenatório da 1.ª instância; - Julgar totalmente providos os recursos dos demandados cíveis, absolvendo-os do pedido.

6.

Por falecimento da assistente BB, os seus herdeiros habilitados interpõem recurso para este Supremo Tribunal da decisão, limitado à parte cível, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «Conclusões 1.

O presente recurso vem interposto do acórdão da Relação de Lisboa e é limitado à matéria civil; 2.

O douto acórdão do Tribunal de 1ª Instância condenou o arguido AA como autor de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência previsto no art.º 165 n.ºs 1 e 2 do C.P. na pena de seis anos de prisão e, julgou parcialmente procedente o pedido cível formulado por BB contra o arguido e a CC e, em consequência, condenou-os solidariamente a pagarem àquela a quantia de quarenta mil euros a titulo de danos não patrimoniais causados; 3.

Por sua vez, douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, aqui recorrido, confirmou o acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª Instância no que respeita à matéria criminal, mas julgou providos os recursos dos demandados cíveis, absolvendo-os do pedido; 4.

Conforme consta dos autos, o fato essencial – que é a existência de relações sexuais com penetração vaginal e anal da vitima pelo arguido no quarto 15 do 1º piso da DD, no dia 9 de Agosto de 2009, pouco depois das 20 horas.

5.

A ofendida apresentava lesões petequiais na metade esquerda do hímen e uma pequena equimose himenal às 9 horas, compatível com penetração e fricção vaginal; e que dois a três centímetros no interior do ânus da ofendida foram encontrados espermatozóides do arguido (com as características biológicas do ADN do arguido, numa razão de verosimilhança inequívoca LR= 50 289 400 000).

6.

Como tal o tribunal a quo julgou a actuação do arguido como ilícita e culposa por não estar de acordo com o comportamento exigível de um bónus pater famílias, tendo sido causa normal de danos de natureza não patrimonial mas com gravidade bastante para merecerem a tutela do direito (art.º 496º do C. Civil) os quais não teriam ocorrido não fora a acção ilícita.

7.

Os danos não patrimoniais referidos traduzem-se na violação dolosa de um feixe de direitos de personalidade da ofendida, onde pontifica a sua dignidade, mas também liberdade, a honra, a privacidade, a intimidade, a saúde e a integridade física.

8.

O tribunal da 1ª instância considerou e muito bem que, a circunstância demente em que se encontrava não destituiu a ofendida daqueles seus direitos, muito pelo contrário, tornou a sua tutela ainda mais necessária e, consequentemente, concluiu que é insofismável o preenchimento dos pressupostos legais geradores do direito à indemnização.

9.

No que respeita à fixação do quantum indemnizatório, o tribunal da 1ª instância considerou que o montante do pedido formulado teria de ser proporcional à violação dos direitos de personalidade atingidos e, nessa medida julgou que o quantitativo requerido excedia em pouco o que em circunstâncias semelhantes vem sendo atribuído pela jurisprudência e, no caso concreto, o tribunal da 1ª instância fixou o quantum indemnizatório em 40.000,00€, justificando como sendo o valor que melhor se ajusta à compensação dos danos sofridos cuja dimensão não é maculada pela circunstância demente da demandante.

10.

A verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil consta do acórdão proferido pelo tribunal da 1ª instância.

11.

Conforme consta do referido acórdão proferido pelo tribunal da 1ª instância, a ofendida era uma utente da DD e que entregue aos seus cuidados, foi sexualmente agredida nas suas instalações, por um seu agente.

12.

O tribunal da 1ª instância apreciou correctamente a prova produzida em sede de julgamento e constante do processo e nenhuma censura é possível fazer às conclusões jurídicas extraídas pelo tribunal.

13.

A dignidade da pessoa humana é o princípio estruturante da nossa organização política e, por conseguinte, o valor fundamental a prosseguir pela nossa ordem jurídica, como decorre do artigo 1º Constituição da República Portuguesa; 14.

Da personalidade jurídica emanam os direitos de personalidade e direitos fundamentais que constituem a garantia da dignidade humana; 15.

A compensação por danos não patrimoniais emergiu do reconhecimento de um vasto conjunto de direitos de personalidade ínsitos a todo o ser humano, que o Direito tem de acautelar, em toda a dimensão axiológica da dignidade humana, procurando responder, assim, a situações que estão para além da materialidade da vida, mas que requerem tutela jurídica; 16.

A tutela da dignidade humana impõe, assim, que se considere que, em caso de ofensa ilícita e grave a um direito de personalidade, os factos que consubstanciem essa ofensa são em si mesmo danosos, geradores da obrigação de indemnização causando, consoante os casos, danos patrimoniais e/ou não patrimoniais; 17.

Acresce que, como resulta do ensinamento de Antunes Varela, a gravidade do dano tem de medir-se por um padrão objectivo, em função da gravidade do direito violado, e não à luz de factores subjectivos em que o dano seria maior ou menor consoante a sensibilidade da vítima; 18.

Para além disso, a indemnização por danos não patrimoniais tem uma natureza mista, visando a reparação da lesão sofrida, mas, também, a punição e prevenção no plano civilística; 19.

O reconhecimento de danos não patrimoniais por factos causadores de danos morais, que a própria sociedade comercial ou outra pessoa colectiva, pela sua natureza, não pode experienciar sentimentos, apenas se explica pela violação de direitos fundamentais e não pela demonstração do grau de sofrimento; 20.

Para além do chamado dano biológico em que os danos não patrimoniais são evidentes, a jurisprudência dos tribunais superiores tem assumido a condenação em indemnização por danos não patrimoniais a favor das vítimas de crimes de abuso sexual de crianças e de crimes sexuais contra deficientes mentais (abuso sexual de pessoa incapaz, violação de mulher inconsciente); 21.

Nesses crimes, dada a condição dos ofendidos não é possível demonstrar especificadamente os danos sofridos; 22.

Em qualquer caso estamos perante uma conduta objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, da qual resulta uma lesão integridade físico-psíquica do ser humano, em toda a sua dimensão, ou seja, um dano-evento tendo como consequência, a obrigação de indemnização por danos não patrimoniais; 23.

Na indemnização por danos não patrimoniais, não sendo possível quantificar os danos, cabe ao tribunal julgar equitativamente – artigos 496º nº 4 e 566º nº 3 do Código Civil, estando prevista a possibilidade do seu arbitramento oficioso no artigo 82º-A do CPP; 24.

O crime perpetrado pelo arguido violou de forma ilícita, dolosa e grave direitos de personalidade da ofendida, atentando gravemente contra a dignidade desta, causando lesão à sua integridade físico-psíquica que, pela sua gravidade configura um dano que origina a obrigação de indemnizar; 25.

Como se afirma no acórdão da 1ª Instância “os danos não patrimoniais referidos traduzem-se na violação dolosa de um feixe de direitos de personalidade da ofendida, onde pontifica a sua dignidade, mas também a sua liberdade, a honra, a privacidade, a intimidade, a saúde e a integridade física”; 26.

Não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos, o montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta que em face da gravidade, da ilicitude e da culpa do comportamento do arguido, a indemnização tem de revestir, também, uma função punitiva e preventiva; 27.

A ofendida encontrava-se num estado físico e mental que não lhe permitia exteriorizar os seus sentimentos, nem manifestar quanto sofrera pela agressão de que foi vítima, nem descrever as sequelas pela mesma causadas, mas isso não significa que não tenha sofrido física e psiquicamente com agressão.

28.

Com efeito, a ofendida, apesar da sua limitação física e mental, era “sensível à dor” e “sentia alegria, tristeza e dor”, como também resulta do acórdão da 1ª Instância; 29.

O crime foi consumado em 9 de Agosto de 2009, vindo a ofendida a falecer em 27 de Junho de 2013, ou seja quatro anos...

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