Acórdão nº 889/17.4YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | TÁVORA VICTOR |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
-
RELATÓRIO.
Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.
AA, BB AG e CC, S.A.
propuseram acção arbitral necessária contra DD, S.A.
Pediram, a condenação da Ré (1) a abster-se, em território português, de importar, fabricar, armazenar, introdudidos de AIM identificados, (2) a não transmitir a terceiros as referidas AIM´s, e, (3) a pagar sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 5.000 euros por cada dia de atraso no cumprimento da condenação – I Vol., fls. 35 a 50.
Alegaram, como causa de pedir, a titularidade pela autora de patente europeia com n.º 1 189 608 e a intenção de a Ré comercializar medicamentos genéricos em violação dos direitos protegidos pela mesma.
A Ré apresentou contestação, onde alegou que o âmbito de protecção conferido pela patente titulada pela Autora não engloba os medicamentos genéricos da Ré, e pediu a improcedência da acção e condenação das Autoras nas custas – I Vol., fls. 241 a 263.
Foi proferida sentença que absolveu a Ré dos pedidos e condenou as autoras no pagamento das custas – V Vol., fls. 1675 a 1713.
As Autoras interpuseram recurso de APELAÇÃO e o tribunal da Relação, por acórdão, revogou a sentença e condenou a Ré nos pedidos formulados na acção e na ampliação do pedido – VI Vol., fls. 2093 a 2191. Inconformada a Ré interpôs recurso de revista, pedindo nos termos de tudo quanto alegou, que se revogue o decidido no acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629º nº 2 d) do Código de Processo Civil quanto ao decisório relativo à proibição de transmissão da AIM do medicamento genérico.
Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.
1) O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de … que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelas ora Recorridas do Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito da arbitragem necessária iniciada pelas recorridas, nos termos dos artigos 2.° e 3.° da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro ("Lei 62/2011"), e que, consequentemente, decidiu: Julga[r] parcialmente procedente a apelação e condena[r] a EE, S.A. a: i. Abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos cujos pedidos AIM (e respectivas AIM's são identificados no art. 81 da p.i., enquanto a EP 1189608, se encontrar em vigor; ii. Não transmitir a terceiros as AIM's identificadas no art. 81 da p.i., até à caducidade da EP 1189606 (29/6/ 2020); iii. A retirar imediatamente a suas expensas, do mercado português os seus medicamentos genéricos com a combinação das substâncias activas Levodo-pa/Carbidopa/Entacapona, em qualquer das suas formulações ou dosagens; iv. No pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 829º-A CC, no valor de € 5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que foi condenada; v. [No pagamento de uma] indemnização pelos prejuízos sofridos pelas demandantes decorrentes da alteração do planeamento e estratégia comercial, com repercussões nas modificações estruturais na organização comercial e recursos humanos e o valor dos encargos e custos suportados pelas apelantes com a acção arbitral.
2) O acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, porquanto a decisão nele proferida não tem sustentação na matéria de facto dada como provada nos autos, estando mesmo em manifesta contradição com alguns dos factos provados, o que resulta numa incongruência lógica que leva à contradição daquela decisão com a respectiva fundamentação de facto.
3) O acórdão sob recurso não conheceu o recurso da matéria de facto julgada provada interposto pelas aqui recorridas, mantendo-a nos mesmos termos em que consta do Acórdão Arbitral proferido, encontrando-se, por conseguinte, vinculado a subsumir nos factos desse elenco a aplicação de qualquer norma jurídica.
4) O objecto do litígio é determinar se os medicamentos genéricos da Recorrente infringem a patente invocada pelas Recorridas (a EP'608). Por consequência, os factos dados como provados no Acórdão Arbitral a propósito da determinação do âmbito dessa patente, e em particular das suas reivindicações 16 e 26, a cuja infracção as Recorridas limitaram o objecto da acção, são imprescindíveis ao atingimento de uma conclusão sobre a norma jurídica a aplicar e sobre o sentido dessa aplicação.
5) A interpretação do âmbito de protecção da EP'608 feita no acórdão recorrido ignorou a factualidade dada como provada e que foi determinante do sentido decisório do Acórdão Arbitral sobre o âmbito de protecção da patente, nomeadamente a factualidade respeitante ao estado da técnica à data de prioridade da patente, o problema técnico, a solução técnica protegida, a redacção da patente e as características do medicamento genérico.
6) A decisão recorrida não tomou em consideração os factos provados 40), 41), 42), 46), 51), 58), 77), 79), 80, d), e), f) e g), 81), 91), 92), 93), 94) e 95), os quais relevam para a correcta interpretação do âmbito de protecção da reivindicação 16, de cuja infracção depende a infracção da reivindicação 26, e, consequentemente, para a boa decisão do litígio dos autos.
7) Da redacção da reivindicação 16 da EP'608 resulta a obrigação de que a composição de entacapona, levodopa e carbidopa seja estável e que compreenda, pelo menos, um excipiente farmaceuticamente aceitável diferente de celulose microcristalina.
8) Relativamente à característica de estabilidade da composição reivindicada na reivindicação 16, foi dado como provado que i) um dos problemas técnicos que o intento da EP'608 se propôs a resolver foi a combinação dos três componentes activos num único comprimido sem prejudicar a sua estabilidade (factos provados 79) e 80); ii) muitos dos excipientes normalmente utilizados não são adequados a composições sólidas orais de entacapona, carbidopa e levodopa, precisamente porque provocam, entre outros problemas, instabilidade - facto provado 80), d); iii) que à data da prioridade da patente a celulose microcristalina era um excipiente utilizado na maior parte das formulações de levodopa - carbidopa, bem como também em formulações de entacapona - facto provado 77); iv) que foi descoberto pelo requerente da EP'608 que a celulose microcristalina provocava instabilidade da composição, designadamente em armazenamento de longa duração - facto provado 80), e) e f). Ou seja, ficou provado nos autos que a utilização de celulose microcristalina como excipiente farmaceuticamente aceitável põe em causa a estabilidade expressamente reivindicada para o invento protegido pela reivindicação 16 da EP'608.
9) O acórdão sob recurso entendeu todavia que, ao proteger uma composição que compreende pelo menos um excipiente diferente de celulose microcristalina, a reivindicação 16 não exclui a celulose microcristalina, ou seja, a composição da reivindicação 16 pode conter celulose microcristalina.
10) A interpretação do Tribunal a quo não tem nem sustentação nem se articula com o que resulta da matéria de facto provada, estando em clara oposição lógica com os factos provados 77), 79), 80), d),e),f) e g), 81) , 91) 92) e 94).
11) De acordo com a fundamentação de facto apurada em primeira instância, a patente ensina que uma composição que contenha as três substâncias activas e celulose microcristalina não é estável, logo a interpretação de acordo com a qual a reivindicação 16 da EP'608 não exclui a celulose microcristalina e por isso pode conter a mesma, como proposta pelo Tribunal recorrido, conduz forçosamente a uma composição instável, sempre de acordo com os ensinamentos da patente. Ora, uma composição instável não é protegida pela reivindicação 16.
12) A decisão do Tribunal a quo quanto ao âmbito de protecção conferido pela reivindicação 16 da EP'608 está em manifesta oposição com os fundamentos de facto que a sustentam, em sentido oposto àquela que seria a conclusão lógica a que a aplicação do direito aos ditos factos levaria. Por isso encontra-se também viciada a subsequente conclusão que determinou a revogação parcial do Acórdão Arbitral, a conclusão de que os medicamentos genéricos infringem a reivindicação 16 e, consequentemente, também a reivindicação 26 da EP'608.
13) O acórdão recorrido está, por isso, ferido da nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, devendo por isso esta nulidade ser declarada nos termos do artigo 617.°, n.° 2 do CPC, ou subsidiariamente, suprida pelo Venerando Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 684.°, n.° 1 do CPC, com todos os efeitos legais.
14) O acórdão recorrido é também nulo por ter acolhido uma solução de direito que pressupõe uma interpretação da EP'608 que não se encontra sustentada pelos factos provados nos autos. Conforme se viu, o acórdão recorrido entendeu que a reivindicação 16 protege uma composição que pode conter celulose microcristalina.
15) Para que a utilização da celulose microcristalina na composição levodopa, carbidopa e entacapona pudesse ser considerada como estando protegida pelo texto da reivindicação 16, seria necessário que a patente ensinasse o modo de ultrapassar a impossibilidade técnica detectada pelo inventor de obter uma composição estável com aquele excipiente.
16) Não consta da matéria de facto provada i) que uma qualquer solução para o problema técnico tenha sido descoberta pelo requerente da patente; ii) nem de que modo esse problema técnico poderia ser ultrapassado. Também por este motivo a decisão tomada no acórdão recorrido não tem sustentação na matéria de facto dada como provada, o que equivale a dizer que a mesma está em oposição com a fundamentação de facto, sendo por isso nula, nos termos do artigo 615.°, n.° 1, alínea b) do CPC.
17) Ao ter tomado uma decisão que está em clara oposição com a fundamentação de facto, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 607.°, n.° 3 do CPC, sendo por isso nulo, nos termos do artigo...
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