Acórdão nº 18858/12.9T2SNT.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 17 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa contra Instituição Financeira de Crédito – CC, SA e DD - Comércio de Automóveis, Lda, alegando, em síntese, que: Em 2007, foi celebrado com a ré CC um contrato de mútuo, para aquisição de veículo automóvel que compraram à ré DD.
O montante mutuado foi entregue directamente à vendedora, assumindo eles o pagamento das 96 prestações devidas, no montante mensal de €422,85, o que foram fazendo até tomarem conhecimento de que o veículo não era pertença da ré vendedora.
Nessa altura tinham já pago, através do EE, a importância de €24.525,30.
Apesar da nulidade da compra e venda, por ser o veículo alheio, e do mútuo associado, a ré continua a exigir o pagamento das prestações.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir que: - se decrete a nulidade do contrato de venda do veículo celebrado entre os AA. e a 2ª ré; - se decrete a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre os AA. e a 1ª ré; - se condene a 1ª ré a restituir aos AA. todas as quantias cobradas por efeito do contrato de mútuo com os mesmos celebrado, em valor não inferior a € 24.525,30; - se condene a 1ª ré a abster-se de remeter ao Banco EE, para cobrança por débito directo as quantias relativas às prestações de amortização do contrato de mútuo celebrado entre os AA e a 1ª ré.
Citadas as rés, apenas a CC contestou, excepcionando a sua ilegitimidade e sustentando a validade do mútuo, desse modo pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Os Autores responderam à excepção, pugnando pela sua inverificação.
Foi proferido saneador a refutar a arguida ilegitimidade, seguido da definição do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.
O processo seguiu a normal tramitação e, finda a audiência final, foi proferida sentença, datada de 17/07/2016, a decidir o seguinte: a) declarar a nulidade do contrato de compra e venda do veículo de Marca Volkswagen, modelo Passat, com a matrícula ...-AQ-... com a consequente obrigação de devolução/restituição de tudo quanto foi prestado, seja a entrega do veículo - já efectuada - por parte dos Autores, seja a devolução do preço de € 34 500, recebido pela 2ª Ré, por parte desta, prestação esta em que a mesma vai condenada.
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declarar a nulidade do contrato de crédito com o nº 0001…4 celebrado entre os Autores e a 1.
a Ré, em 30-08-2007, com a consequente obrigação de devolução/restituição de tudo quanto foi prestado, seja o montante do mútuo no montante de € 29.500,00 - por parte dos Autores - seja o montante das prestações cobradas pela 1ª Ré aos Autores até ao momento, efectuando-se a respectiva compensação entre as mesmas; c) condenar-se a 1a Ré CC, S.A. a abster-se de remeter ao Banco EE, para cobrança por débito directo, as prestações de amortização do contrato de crédito ora declarado nulo.
Inconformados, apelaram os Autores, sem êxito, tendo a Relação de Lisboa, na improcedência do recurso, confirmado a sentença e, persistindo irresignados, interpuseram recurso de revista excepcional admitido pela formação prevista no artigo 672º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (cfr. fls. 493 a 497).
Os Recorrentes finalizaram a sua alegação, com as conclusões[1] que, na íntegra, se transcrevem: 1.
O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de que se recorre, está em completa contradição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 07/07/2009, no âmbito do processo 6773/04,4TVLSB.S1, 6ª Secção, de que se junta cópia como Doc. 2, e que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Com efeito no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo n.° 6773/04.4TVLSB.S1 (Doc. 2) decidiu-se que: Havendo um contrato de crédito ao consumo cujo produto mutuado se destinou ao pagamento do preço de um veículo vendido por terceiro ao mutuário e tendo o montante mutuado sido directamente entregue ao vendedor, a nulidade dos contratos não obriga o mutuário - que nada recebeu em virtude do contrato de mútuo - a restituir o montante mutuado, nos termos do artigo 289° do Código Civil.
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No acórdão fundamento, em face da nulidade do contrato, decidiu-se que estávamos perante uma situação contratual complexa, em que o crédito foi concedido para financiar o pagamento de um bem vendido - automóvel - tendo sido o montante mutuado entregue directamente pela entidade financiadora à entidade vendedora do bem adquirido.
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Assim, considerou-se no acórdão fundamento ser de aplicar o disposto no artigo 12° do Decreto Lei n.° 359/91 que estipula no seu n.° 1 que se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e eficácia do contrato de crédito depende da validade e eficácia do contrato de compra e venda, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.
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Conforme se refere no acórdão fundamento (Doc. 2) a nulidade do mútuo acarreta a nulidade da compra e venda.
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Mais se refere no acórdão fundamento (Doc. 2) que a consequência da nulidade dos contratos, nos termos do artigo 289° do Código Civil, é a dever ser restituído tudo o que houver sido prestado ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
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Mais se refere no acórdão fundamento que tendo a entidade credora entregue ao vendedor do veículo o montante mutuado, e nada tendo sido entregue ao mutuário, será a entidade vendedora quem terá que restituir o mesmo montante recebido e não o mutuário que nada recebeu da entidade credora.
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Conclui o acórdão fundamento (Doc. n.° 2) que, por força da norma do artigo 289° do Código Civil, nenhuma obrigação de restituir onera o mutuário, pois nada recebeu, pelo que nada tem a restituir.
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Mais se refere no acórdão fundamento (Doc. n.° 2) que não se pode retirar de um contrato de mútuo nulo, a consequência que não seja a prevista do artigo 289° do Código Civil e não qualquer outra consequência resultante das cláusulas do mesmo contrato, precisamente porque é nulo.
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Conclui assim o acórdão fundamento que não tendo o mutuário recebido o montante mutuado não tem de restituir o que nunca possuiu ou deteve.
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Na sentença e no acórdão de que se recorre, embora se considere que a Ré CC, SA, entregou directamente à Ré DD, Lda., o montante mutuado, não se extrai daí as devidas consequências condenando a Ré DD, Lda. a restituir o valor por si recebido à Ré CC, SA, antes se condena os Autores, mutuários, que nada receberam da Ré CC, SA, a devolver a quantia mutuada.
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Ao contrário do referido no acórdão da Relação de que recorre a pretensão dos Autores não é questão nova, de que não caiba conhecer.
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No petitório formulado os Autores requereram que fosse declarada a nulidade do contrato de venda do veículo celebrado com a Ré DD, Lda. bem como que fosse declarada a nulidade do contrato de mútuo celebrado entre os Autores e a Ré CC, SA, mais tendo requerido que a Ré CC fosse condenada a restituir aos Autores todas as quantias cobradas por efeito do contrato de mútuo.
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Com o devido respeito não competia aos Autores solicitarem a condenação da Ré DD, Lda. a devolver à Ré CC, SA, a quantia que havia recebido desta. Tal pedido incumbia à Ré CC, SA, e não aos Autores, 15.
Ao contrário do que ocorre no acórdão fundamento» na sentença e no acórdão de que se recorre, perante a mesma situação jurídica - nulidade de contrato de crédito para aquisição de um veículo automóvel - o efeito que se retira de tal nulidade é...
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