Acórdão nº 2332/14.1TBALM.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, alegando, em síntese, que: Em 30 de Junho de 2006, prometeram vender aos Réus e estes prometeram comprar um prédio rústico, devidamente demarcado e murado, sito na Quinta da …, freguesia da …, P…, tendo deles recebido, a título de sinal, €100.000,00.

Apesar dos seus esforços em concretizar a venda, os Réus que se encontram na posse do prédio e a quem passaram procuração, recusam-se a celebrar o contrato definitivo e têm tentado imputar o incumprimento aos Autores.

Os Réus procederam ao corte e arranque de árvores, no valor de €5.000,00, demoliram construções ali implantadas e continuam a usufruir do prédio, o que lhes causa prejuízos de diversa natureza.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir: 1 - A declaração de que:

  1. O contrato-promessa celebrado em 30 de Junho de 2006 encontra-se definitivamente incumprido, desde 4 de Março de 2014; b) O incumprimento do referido contrato deveu-se a causa imputável aos Réus; c) Os Autores têm o direito a fazer seu o sinal entregue pelos Réus no valor de €100.000,00; d) O prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de …, concelho de P… sob o n.º 80 da secção C e descrito na Conservatória do Registo Predial de P… sob o n.º 6…2/2007001 é o prédio rústico prometido vender e comprar através do referido contrato-promessa; e) O incumprimento definitivo do contrato-promessa foi comunicado pelos Autores aos Réus; f) Os Réus procederam ao corte ou arranque das árvores elencadas em 99 da p.i., com o valor de €5.000,00; g) Os Réus procederam à demolição parcial do prédio urbano e outras construções implantadas no prédio rústico objecto da promessa, cujo prejuízo não foi possível determinar e que se liquidará em execução; h) Os Autores encontram-se privados do uso, fruição, exploração e de dar de arrendamento os prédios referidos na alínea anterior; i) Os Réus utilizam e ocupam ilegitimamente os prédios referidos, desde 4 de Março de 2014, sendo tal utilização e ocupação ilegal, insubsistente e de má fé; j) Os Autores têm sofrido danos morais com a conduta de incumprimento dos Réus e as tentativas destes de imputarem o incumprimento da promessa aos Autores.

    2 – A condenação dos Réus a:

  2. Abster-se de perturbar ou impedir, de qualquer forma, a entrada dos Autores no referido prédio rústico e construções nele existentes; b) Restituir aos Autores o prédio objeto do contrato-promessa, livre de pessoas e bens, bem como o prédio urbano implantado no mesmo, demais construções e respectivas chaves de entrada; c) Entregar aos Autores a procuração; d) Entregar os bens elencados em 97º da p.i. ou a proceder ao pagamento aos Autores da quantia de €1.321,00; e) Pagar aos Autores as quantias referidas em 98º a 101º e 110º da p.i., a título de danos patrimoniais, no valor de €18.151,00; f) Pagar aos Autores a quantia de €5.000,00, a título de danos não patrimoniais; g) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00, desde 4 de Março de 2014, até à data da entrega dos bens referidos em b).

    Os Réus apresentaram contestação em que, depois de contraporem uma diferente versão sobre as vicissitudes do contrato-promessa, concluíram pelo infundado petitório dos Autores e, em reconvenção, pediram a declaração de resolução do contrato-promessa, por incumprimento dos Autores, o pagamento de indemnização por benfeitorias levadas a cabo no prédio ou, subsidiariamente, a anulação do contrato-promessa, com a condenação dos Autores a restituir o valor do sinal pago, acrescido das despesas com benfeitorias e projecto de construção.

    Replicaram os Autores a pugnar pela improcedência da reconvenção e a manter a sua posição inicial.

    Foi proferido despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, o que mereceu reclamação dos Autores, fundada essencialmente na invocação do caso julgado formado em anterior acção entre as partes, reclamação essa não atendida.

    Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, decidiu o seguinte: «- Declara-se a anulação do contrato promessa celebrado entre AA. e RR.; - Condenam-se os RR. a restituir o imóvel aos AA., livre e devoluto de pessoas e bens, sem prejuízo do direito de retenção do imóvel até recebimento do seu crédito; - Condenam-se os RR. a indemnizar os AA. no montante de 4.320 € a título de desvalorização do imóvel; - Os RR. deverão restituir aos AA. a procuração por estes conferida; - Condenam-se os AA. a restituir aos RR. a quantia de 100.000,00€ a título de sinal; - Condenam-se os AA. a indemnizar os RR. no montante de 4.156,35 € que despenderam com o projeto de construção da moradia.

    - Às quantias nas quais os AA. vão condenados acrescem juros de mora desde 14/11/2014, à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.

    - Absolvem-se AA. e RR. do remanescente peticionado, quer a título principal quer a título reconvencional.» Inconformados, apelaram os Autores, sem êxito, tendo a Relação de … confirmado o sentenciado pela 1ª instância e, persistindo irresignados, interpuseram recurso de revista excepcional, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: 1.

    O Acórdão impugnado é recorrível e passível de revista excecional, porquanto não há quanto a ele uma confirmação da decisão de 1ª instância, no que respeita à fundamentação da caducidade do prazo do direito à anulação ou redução do preço do contrato e do caso julgado (artigo 671°, n°3 do Código de Processo Civil).

    1. A fundamentação aí expendida pelo Tribunal da 1ª instância para não considerar a verificação de caso julgado é distinta daquela que conduziu o Tribunal da Relação de … a concluir que não se verifica a existência de caso julgado.

    2. Ainda que se considere que há conformidade entre as duas decisões, os recorrentes entendem que se verificam os pressupostos da admissibilidade da revista excecional, previstos nas alíneas a), b) e especificamente c) do n° 1 do artigo 672° do Código de Processo Civil.

    3. Na verdade, relativamente à contradição e oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão- fundamento. O Tribunal da Relação de … ajuizou deficientemente quando considerou que não estava perante causas idênticas.

    4. Estabelecendo um paralelo entre a causa de pedir e o pedido principal formulado pelos Réus, ora recorridos, na Reconvenção do presente processo e a causa de pedir e os pedidos formulados pelos mesmos, como Autores, na ação anterior, a que se reporta o Acórdão fundamento, dúvidas não restam que existe total similitude.

    5. Num e noutro processo, os recorridos, como Autores na primeira ação e Réus/Reconvintes na segunda, enunciam as mesmas questões de facto e de direito e pretendem obter o mesmo efeito jurídico - a resolução do contrato ou anulação, pretendendo, assim, fazer cessar os efeitos jurídicos e obrigações decorrentes do contrato promessa de compra e venda.

    6. Dúvidas não restam, que há uma manifesta contradição existente entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento pois entende-se que ambas as decisões foram proferidas no âmbito da mesma legislação do Código Civil (incumprimento, resolução ou anulação do contrato promessa de compra e venda), e sobre a mesma questão fundamental de direito, com base na alegação dos autores na primeira ação e réus na segunda de que o prédio prometido vender não tinha a área constante da certidão, tendo sido enganados pelos promitentes vendedores.

    7. Existe oposição de soluções nos dois respetivos casos.

    8. O Tribunal da Relação de … confirmando a sentença da 1ª instância, Juiz 3 da Comarca de S…, considerou que a área do prédio que figurava no contrato promessa (aproximadamente 6580 m2) foi essencial para a determinação de vontade dos Réus /Reconvintes, motivo suficiente para fazer cessar os efeitos jurídicos do contrato, havendo lugar à anulação do mesmo.

    9. Ora, esta questão fundamental foi apreciada e julgada pelo então Tribunal de A… e pelo Tribunal da Relação de …, com decisões já transitadas em julgado.

    10. Os agora Réus /Reconvintes, então Autores da ação que deu origem ao Acórdão-fundamento, suscitaram repetidamente a questão da anulação e resolução do contrato promessa com base no vício da formação da vontade, ou seja, que os então Réus, os enganaram quanto à área do prédio rústico, tornando impossível a prestação, pedindo, por isso, a resolução do contrato.

    11. Esta questão que sustenta a tese dos réus para a anulação do negócio, ficou claramente decidida quando o Tribunal da Relação de …, a fls. 29 do Acórdão-fundamento deixou claro que "a tese dos réus que foram enganados quando à área que prometeram vender, não tem apoio nos factos provados." 13. É bom de ver, através dos articulados e das alegações de um e de outro processo que os agora Réus/Reconvintes, sustentaram os seus pedidos na mesma causa de pedir, num e noutro processo.

    12. Alegaram expressamente em cada um dos processos que o prédio prometido vender, não tinha área constante da certidão registral e que tal facto impediu que eles construíssem uma moradia com área de cerca de 150 m2, não cumprindo os promitentes vendedores o contrato promessa.

    13. O Tribunal da Relação de … deixou esta questão resolvida definitivamente, como se apura da leitura dos parágrafos 2º, 3º, 4° e 5° da página 26, que se transcrevem.

      1. - A verdade é que a situação dos autos apenas se ajustaria à impossibilidade de prestação se interpretássemos o contrato-promessa no sentido de que os réus prometeram vender aos autores a área de 6580 m2 do prédio rústico identificado no contrato. Por outras palavras, estar-se-ia perante impossibilidade, e impossibilidade originária, se o contrato prometido fosse um contrato de compra e venda ad mensura (artigo 887° do Código Civil).

      2. - Como é bom de ver, se os réus se tivessem obrigado a vender a área de 6580 m2 do prédio identificado no contrato, a prestação dos réus seria parcialmente impossível...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT