Acórdão nº 7471/15.9T8CBR.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: Construções AA, Lda, propôs acção declarativa, com processo comum, contra BB, Lda, pedindo a condenação da ré a reconhecer que é ilegítima detentora do estabelecimento comercial denominado “Café CC”, com fundamento na nulidade do trespasse por falta de forma legal, e a entregar-lhe, livre e desocupado, o rés-do-chão do prédio onde funciona, bem como a pagar à autora a indemnização diária de 14,25 € pela demora que a sua atitude ocasione à autora a partir do momento da aprovação pela Câmara Municipal de … do projecto da nova construção que a mesma ali pretende edificar.

Contestou a ré, alegando que foi reconhecida pelos titulares da herança aberta por óbito de DD, primitiva locadora como beneficiária do trespasse, apesar de este não ter sido formalizado por escritura pública. Além disso, a herança notificou a ré para exercer o seu direito de preferência na venda. Finalmente, alegou ter sido pago à trespassante o valor de € 60.000,00 pelo trespasse e ter realizado obras no estabelecimento cujo montante ascendeu a € 69.604,08.

Concluiu pela improcedência da acção e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora no pagamento da quantia global de 129.604,08 €, correspondentes ao valor do trespasse e das obras realizadas, caso a acção proceda.

A autora replicou, alegando que os titulares da herança terão acreditado que o trespasse se teria concretizado e foi nessa convicção que receberam rendas e notificaram a ré para eventual exercício do direito de preferência na venda.

A ré deduziu incidente de intervenção provocada de EE como sua associada, admitido ao abrigo do disposto nos artigos 261º e 316º do actual Código de Processo Civil.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente por não provada e em conformidade, absolver a ré do pedido, ficando prejudicada a apreciação do pedido reconvencional.

Desta sentença apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão, em 12 de Setembro de 2017, julgando improcedente o recurso e confirmando a decisão impugnada.

De novo, inconformada, interpôs a autora recurso de revista e, subsidiariamente, recurso de revista excepcional.

Na alegação oportunamente apresentada aduziu as conclusões que se transcrevem: «1) Considerando que não há concreta identidade dos fundamentos da douta decisão da primeira instância e do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra o recurso de Revista interposto deve ser admitido na sua plenitude, sem qualquer restrição aos seus fundamentos.

2) É indiscutível a nulidade por falta de forma do contrato de trespasse que deu à R. a posse do imóvel entretanto adquirido pela A., por força do previsto no art.° 220° do C. Civ., o que foi já considerado assente por ambas as instâncias.

3) Apreciado o recurso sem restrições, impõe-se concluir que a matéria dada como provada terá de ser apreciada na sua globalidade, assim sendo subsumida na sua globalidade ao direito vigente.

4) A matéria dos pontos 16°, 17°, 18°, 23°, 24°, 25° e 26° dos Factos Provados não pode ser subsumida ao regime legal vigente sem que seja simultaneamente considerado o conteúdo dos pontos 19°, 20°, 29° e 30° dos Factos Provados.

5) Perante o regime jurídico vigente quanto à nulidade dos negócios jurídicos e ao abuso de direito, a matéria de facto constante dos pontos 16°, 17°, 18°, 23°, 24°, 25° e 26° dos Factos Provados não assume qualquer relevância jurídica, face ao que resulta provado nos pontos 19°, 20°, 29° e 30° dos Factos Provados, pois, não conhecendo os anteriores proprietários a nulidade de que enfermava o negócio jurídico de trespasse, a sua actuação resultante dos pontos 16°, 17°, 18°, 23°, 24°, 25° e 26° dos Factos Provados terá de ser apreciada sempre considerando que os anteriores proprietários não tinham conhecimento da nulidade formal e, como tal, sempre se comportaram perante a "trespassária" como se a mesma fosse efectiva titular de um direito de trespasse formalmente adquirido.

6) Os anteriores proprietários nunca declararam à R. directamente ou de forma pública e que viesse a chegar ao conhecimento da mesma, que a nulidade formal do negócio lhes era indiferente e/ou que, mesmo que dela tomassem conhecimento, não pretendiam dela prevalecer-se.

7) Da conjugação da matéria de facto provada decorre claramente que os anteriores proprietários não tinham conhecimento da nulidade e, como tal, nunca adoptaram qualquer conduta que fizesse crer à R. que não pediriam a declaração judicial da mesma, direito que lhes assistia a que não renunciaram.

8) Com o respectivo contrato de compra e venda, além da propriedade do imóvel e de todos os direitos a ela inerentes, transferiu-se para a A., igualmente, enquanto compradora, o direito de instaurar a (presente) acção com vista à declaração de nulidade do trespasse por falta de forma, nos termos do art.° 220° do C.Civ..

9) A análise conjunta de todos os factos provados, incluindo a matéria dos pontos 19°, 20°, 29° e 30° impõem a procedência do presente recurso, com a consequente declaração de total procedência da acção, sendo a R. condenada a entregar à A. o imóvel em causa livre e devoluto, bem como a pagar à A. a indemnização a fixar nos termos peticionados na petição inicial.

10) Caso V.as Ex.as, o que se admite por mera hipótese de patrocínio e de raciocínio, entendam que dos autos não resulta claramente que os anteriores proprietários nunca tiveram conhecimento da nulidade formal de que estava ferido o contrato de trespasse, e porquanto tal matéria é fulcral para a boa decisão da causa, devem lançar mão da faculdade conferida pelo art.° 682°, n.° 3 do C.P.C, e ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos apontados.

11) De qualquer modo, ainda que V.as Ex.as entendam não ser de lançar mão desta faculdade de ampliação da matéria de facto, por entenderem estar suficientemente esclarecida a matéria de facto relevante para a decisão da causa, e que, entendam, ainda, que a matéria de facto dos pontos 16°, 17°, 18°, 23°, 24°, 25° e 26° dos Factos Provados deve ser considerada nos mesmos termos em que foi apreciada pela primeira instância e pelo Tribunal agora recorrido, sempre será de declarar a nulidade formal verificada, conforme foi decidido no acórdão fundamento aqui junto, não sendo aquela conduta dos antigos proprietários ostensiva e importante no sentido de configurar a instauração da presente acção pela A. um manifesto abuso de direito.

12) Também por aqui, afastada a aplicação do instituto do abuso de direito, por não se verificarem os pressupostos para a sua aplicação, deve o recurso ser julgado procedente, julgando-se totalmente procedente a acção, condenando-se a R. a entregar à A. o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e a pagar à A. a indemnização calculada nos termos peticionados na petição inicial.

13) O pedido reconvencional, por seu turno, deve ser julgado improcedente pois a obrigação de restituição decorrente da declaração de nulidade não impende sobre a A. mas sobre a trespassante, que foi parte nesse negócio.

14)- No que ao valor peticionado a título de obras no imóvel concerne, deve o pedido reconvencional improceder totalmente, pelos fundamentos já supra expostos».

A ré contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso por ocorrer dupla conforme e alegando não estarem verificados os pressupostos legais para ser admitida a revista excepcional, subsidiariamente interposta.

Quanto ao mérito, defende a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Fundamentos: De facto: Vêm provados os seguintes factos: 1º A A. é uma...

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