Acórdão nº 2717/16.9T8VNF-B.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução03 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO Tendo sido oportunamente declarada (Comarca de Braga-V. N. Famalicão-Inst. Central-Sec. Comércio) a insolvência de AA Lda., veio o Administrador da Insolvência a apresentar, nos termos do art. 129º do CIRE, a lista de credores por si reconhecidos.

Dessa lista constava como reconhecido o crédito da Credora BB, no montante de €369.897,95, e que foi qualificado como comum.

A Credora impugnou a lista no que concerne à natureza do seu crédito, sustentando que este havia de ter sido qualificado como garantido, por beneficiar da garantia real do direito de retenção.

A Credora Hipotecária CC, S.A.

e o Administrador da Insolvência apresentaram respostas à impugnação, contestando a pretensão da Impugnante.

Seguindo o processo seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou improcedente a impugnação, sendo o crédito da Impugnante havido como comum e graduado para pagamento nessa qualidade.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Credora BB.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação de Guimarães confirmou o decidido.

Mantendo-se inconformada, interpôs a Credora recurso de revista excecional.

Neste Supremo Tribunal a competente formação de juízes admitiu a revista excecional.

+ Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as que se reportam especificamente à admissibilidade da revista excecional, assunto já ultrapassado): XXIII. Admitido o recurso de revista nos termos explanados, está definitivamente assente a matéria de facto fixada pela 1ª instância, constante das alíneas A) a CC), sobre a qual não incidiu qualquer apelação.

XXIV. Tendo improcedido a matéria da ampliação do recurso de apelação da Impugnante CC, S.A., que versou exclusivamente sobre a qualificação jurídica do contrato em causa nos autos, celebrado entre Insolvente e Recorrente, se trata de um contrato-promessa de permuta ou troca.

XXV. Está ainda demonstrado, conforme resulta do acórdão, que nessa parte se baseou na matéria de facto provada sob as alíneas P) a X) e BB) da sentença da 1ª instância, que a Recorrente, ao destinar as frações para habitação da família, integra-se no conceito de consumidor previsto no artigo 2°, nº 1, da lei 24/96, de 31.07 adotado pelo AUJ 4/2014 de 20/03, publicado no DR a 19/05.

XXVI. A única questão a decidir por este Tribunal é aferir qual a natureza do crédito da Recorrente, em concreto se de natureza comum, como decidiram as instâncias anteriores, ou se está garantido por direito de retenção, seja por via da alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, seja por decorrência do artigo 754° do mesmo Código.

XXVII. Sobre esta temática, o legislador, através do DL 236/80, de 18/7, e conforme decorre do respetivo preâmbulo, pretendeu reforçar a posição jurídica do promitente-comprador, especialmente no campo das transações de imóveis urbanos para habitação, conferindo, no caso de incumprimento do contrato-promessa imputável à contraparte, em alternativa ao direito de reclamar o dobro do sinal, o direito de exigir o valor da coisa, objecto do contrato prometido, à data do incumprimento, sempre que essa coisa lhe haja sido antecipadamente entregue e se encontre em seu poder - art. 442º nº 2º do Código Civil.

XXVIII. Com o mesmo objetivo de tutelar a posição do promitente -comprador, incluiu-se no nº 3 do citado artigo 442º a seguinte estatuição: “no caso de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa, o promitente-comprador goza, nos termos gerais, do direito de retenção sobre ela, pelo crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor”.

XXIX. Posteriormente, o mencionado artigo sofreu as alterações introduzidas pelo DL 379/86, de 11/11, que manteve o direito de retenção, mas retirou-o das normas que se reportam ao sinal e integrou-o na secção do capítulo sobre as garantias especiais das obrigações dedicada ao direito de retenção, mediante a adição de uma nova alínea – alínea f) - ao nº 1 do art. 755° da CC.

XXX. Através do DL 379/86, de 11/11, e em nome da defesa do consumidor, o legislador atribuiu o direito de retenção ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato-prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento, imputável à outra parte, nos termos do artº 442° - cfr. art. 755°, nº 1 alínea f) do CC.

XXXI. Daqui resulta, em primeiro lugar, que goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato-prometido.

XXXII. E em segundo lugar, “o direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real; vale dizer, por outras palavras, que está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada, nos termos do art. 442º n.º 4 CC) derivado do contrato definitivo” - Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa - DL 236/80 ao DL 376/86 - Coimbra 1996, 128/182.

XXXIII. No mesmo sentido, refere Ana Prata que “o direito de retenção pressupõe necessariamente a tradição da coisa e parece garantir qualquer crédito indemnizatório, seja o do sinal, o do valor da coisa ou o da pena convencional estipulada pelas partes, não sendo indispensável o sinal” – ob. cit. 889 e seguintes.

XXXIV. No caso concreto, da factualidade assente resulta que entre Recorrente e Insolvente foi celebrado, em 17.01.2007, um contrato-promessa de permuta, através do qual a primeira, enquanto proprietária do prédio rústico com capacidade construtiva, sito no Sitio da ..., freguesia de ..., concelho de ..., designado por terreno da horta, com uma área de 4100 m2, confrontando a Norte com DD, de Sul e Nascente com caminho, e de Poente com Caminho de Servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo …°, prometeu permutá-lo com a Insolvente em troca de duas moradias (frações) a edificar por esta nesse mesmo terreno, acabadas e prontas a habitar” cfr. factos provados sob as alíneas A. a F.

XXXV. Mais decorre da factualidade provada, em concreto da constante das alíneas P) a X), que se deu a tradição da coisa, traduzindo-se a ocupação da coisa por motivo da sua tradição numa antecipação dos efeitos do contrato prometido.

XXXVI. O Incumprimento definitivo do contrato decorre da matéria de facto dada como provada constante das alíneas N, O, e Y a CC da sentença proferida em 1ª instância.

XXXVII. Está assente nos autos que a Recorrente, enquanto promitente adquirente, é titular de um crédito decorrente do incumprimento do contrato- promessa e que ascende ao valor de € 389.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos), XXXVIII. Os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são: a) a traditio da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; b) incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; c) a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito; XXXIX. Todos os referidos pressupostos se encontram preenchidos nos presentes autos, aos quais acresce o facto da apelante se integrar no conceito de consumidor previsto no artigo 2°, nº 1, da Lei 24/96, de 31.07 adotado pelo AUJ 4/2014 de 20/03, publicado no DR. a 19/05, o que resulta do Acórdão que antecede.

XL. O direito de retenção constitui um direito real de garantia do crédito resultante do incumprimento imputável à parte que promete, sendo que o que está em causa é o crédito que provém do incumprimento do contrato definitivo.

XLI. A existência de sinal não constitui condição ou requisito essencial de reconhecimento do direito de retenção previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil.

XLII. No sentido de que a entrega de sinal não constitui condição para o reconhecimento direito de retenção concedido na alínea f) do nº 1 do artigo 755º do Código Civil, e que este disposto normativo tem aplicabilidade a outros contratos para além do contrato-promessa de compra e venda, veja-se o acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.12.2006.

XLIII. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02.07.1996 e proferido no processo 96A151 em que foi relator o Exmo...

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