Acórdão nº 172/12.1TBCBT.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução03 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.172/12.1TBCBT.G1.S2 R-667 [1] Revista Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Ld.ª” intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra: BB - Companhia de Seguros, S.A.

Pedindo a condenação desta última no pagamento de uma indemnização no valor de € 199.519,15, com base no contrato de seguro titulado pela apólice nº ....

Para tanto e em suma, alegou que, por via do processo de insolvência da sociedade “AA, Ld.ª” que correu termos sob o nº 50/08.4TCCBT, na sequência da homologação do plano de insolvência aí apresentado e homologado, o estabelecimento da insolvente foi alienado à aqui autora.

O referido estabelecimento era constituído, entre o mais, pelos “negócios da insolvente”, entre os quais se encontra o crédito de que a mesma era titular relativamente à ré, daí advindo a sua legitimidade activa.

Em Janeiro de 1999, a “AA, Ld.ª” celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo incêndio, o qual estava titulado pela apólice ....

Tal apólice tinha por objecto o seguro de matérias-primas (solas), contra incêndio, raio e explosão até ao montante de 40.000.000$00, sendo que o seguro foi aceite com data de 01/01/1999.

No dia 27.8.1999 deflagrou um incêndio nessas instalações, tendo sido consumidos e inutilizados todos os bens que aí se encontravam depositados, nomeadamente as solas, para além do próprio prédio, que ruiu.

O valor das mercadorias que se encontravam no edifício, à data do incêndio, atingia o montante de 40.076.941$00.

Imediatamente após a verificação do incêndio, a “AA, Ld.ª” deu conhecimento à ré do sucedido, tendo esta encarregado a “CC, Ld.ª” de proceder à elaboração de um relatório final sobre o sinistro.

Apesar das reclamações feitas pela autora à ré, esta veio protelando a sua liquidação através de sucessivos pedidos de elementos da contabilidade.

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Alegou que, no âmbito do processo de insolvência, a segurada e insolvente devia ter informado o administrador da insolvência (A.I.) da situação de incumprimento do contrato de seguro e da eventual existência do seu crédito sobre a ora ré.

O contrato de seguro já não se encontrava cumprido à data do início do processo de insolvência e da declaração de insolvência da segurada, pelo que a legitimidade para executar tal contrato cumpria ao A.I., nos termos do artigo 102º do CIRE, devendo o crédito resultante da execução do contrato cumprido servir para integrar o património da massa e pagar aos seus credores, em vez de ser agora reclamado pela autora.

Sustenta que a autora carece de legitimidade para a presente acção, pois que o direito de crédito da insolvente decorrente de um contrato não cumprido à data da instauração da insolvência, não deverá considerar-se como fazendo parte do negócio da insolvente, que foi transmitido para a autora por via do plano de insolvência aprovado. Mais ainda, tal crédito não foi atendido na avaliação do estabelecimento comercial da insolvente, nem consta expressamente daquele plano a cessão ou transmissão, por via da cessão desse crédito da massa insolvente, a favor da autora.

Alegou, por fim, que nos termos das condições gerais da apólice uniforme do seguro do ramo incêndio, no caso de falência ou insolvência do segurado, a responsabilidade da seguradora subsistirá para com a massa falida, nas mesmas condições, pelo prazo de sessenta dias, sendo que decorrido esse prazo a garantia do seguro cessará salvo se a seguradora, em acta adicional ao contrato, tiver admitido o respectivo averbamento.

Por impugnação, alegou que não foi possível apurar o valor da mercadoria segura armazenada no local aquando da deflagração do incêndio e consumida por este, porquanto, em consequência do sinistro, o material ali existente foi totalmente consumido e os elementos contabilísticos solicitados à segurada nunca foram facultados aos peritos, pelo que estes concluíram que não era possível determinar a quantidade e valor da matéria-prima segura armazenada à data do incêndio no local seguro e o seu valor.

Conclui que não sendo possível quantificar o valor dos danos indemnizáveis, a obrigação de indemnizar a cargo da ré não é exigível.

Em sede de réplica, a autora pugnou pela sua legitimidade activa, mais alegando, por um lado, que, contrariamente ao referido pela ré, entregou os elementos contabilísticos que lhe foram solicitados. Refere estranheza pelo facto de a ré ter os elementos comprovativos da anulação e não ter a apólice em si mesma.

Foi proferido o despacho a que alude o art.º 596º do Código de Processo Civil, tendo-se decidido, quanto à questão da ilegitimidade, que a transmissão do direito de propriedade sobre a empresa abrange todo o comércio jurídico que constituía o património do insolvente, desde que não ressalvado expressamente, pelo que o plano de insolvência, ao incluir expressamente os negócios da insolvente, transferiu também o crédito emergente do contrato de seguro celebrado com a ré, sendo irrelevante a questão atinente a saber se este foi, ou não foi, incluído na relação de bens da insolvência, pois esta não é constitutiva de direitos.

*** Foi proferida sentença que decretou: “Pelo exposto, vai a presente acção julgada procedente, com a consequente condenação da ré “BB-Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora “AA, Ld.ª”, a quantia de € 199.120,12 (cento e noventa e nove mil, cento e vinte euros e doze cêntimos), acrescida de juros contados desde a citação até integral pagamento”.

*** Inconformada, a ré BB – Companhia de Seguros S.A. interpôs recurso, para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 28.9.2017 – fls. 789 a 815 - julgou parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão interlocutória que admitiu a intervenção espontânea de “AA Lda.” e confirmando as demais, bem como a sentença.

*** Inconformada, a Ré recorreu de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça – alegando contradição com o Acórdão de 28.10.2015, da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Proc.633/12.2TBFLG.Pl, já transitado em julgado em 27.6.2016 – e sem prescindir e, subsidiariamente, que o recurso deveria ser admitido por violar o caso julgado, ou a autoridade do caso julgado, formado com a decisão constante daquele Acórdão.

A Formação, a que alude o art.672º, nº3, do Código de Processo Civil, determinou que o processo fosse remetido à distribuição para apreciação da excepção do caso julgado e se não fosse admissível a revista normal, voltasse a si para apreciação dos requisitos da revista excepcional.

Em sede de apreciação liminar da admissibilidade do recurso foi proferida a decisão de fls. 1042 a 1049 – afirmando – “Nestes termos, por não existir violação do caso julgado material (ou sequer formal), ou violação da autoridade do caso julgado, nos termos invocados pela Recorrente “BB”, afigura-se-me que, existindo dupla conformidade – nos termos afirmados pelo Acórdão da Formação -, não cabe recurso de revista ao abrigo do art. 629º, nº2, a) do Código de Processo Civil.” Não tendo sido requerido que sobre a decisão do Relator recaísse Acórdão tirado em conferência, foram os autos remetidos à Formação que, por Acórdão de fls. 1060 a 1064, de 3.5.2018, admitiu o recurso de revista excepcional ao abrigo do art. 672º, nº1, c) do Código de Processo Civil – por considerar existir contradição de Acórdãos.

*** A recorrente BB, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Nos presentes autos discute-se a questão de saber “se o direito de crédito do segurado AA (Insolvente) à indemnização pelos danos decorrentes do sinistro ocorrido em 1999, concretamente da mercadoria (solas para calçado) destruída pelo fogo, que se encontrava armazenada nas suas instalações sitas em ..., freguesia de ..., concelho de ..., se transmitiu ou não para a aqui autora.” – cfr. pág. 23 do acórdão recorrido.

  1. Além da presente acção, a Autora/Recorrida intentou outra acção contra a Seguradora/Recorrente, que correu termos com o nº633/12.2TBFLG, emergente de um outro sinistro (furto), participado e reclamado ao abrigo da cobertura de um outro contrato de seguro, celebrado entre a Recorrente e a sua Segurada, a sociedade “AA, Lda.”.

  2. Esta sociedade, segurada da Recorrente, foi declarada insolvente no processo de insolvência que correu termos sob o nº.450/08.4TBCBT, no âmbito do qual a aqui Autora/Recorrida, a sociedade “AA Lda. II”, através do mecanismo previsto no art. 199º do CIRE - Saneamento por Transmissão – adquiriu o “negócio da insolvente”. – facto provado nº7 do acórdão recorrido.

  3. Nas duas acções (os presentes autos e a que correu termos pela Instância Central de Penafiel, Comarca de Porto Este, com o nº633/12.2TBFLG, como resulta do acórdão fundamento junto como doc. l) discute-se a mesma questão fundamental de direito, resumindo-se a saber se os créditos emergentes dos contratos de seguro celebrados entre a Insolvente/Segurada e a Seguradora/Recorrente foram ou não transmitidos para a Aurora/Recorrida, ao abrigo da transmissão do estabelecimento comercial da insolvente, operada nos termos do art.199º do CIRE.

  4. E nas duas acções foram proferidos acórdãos contraditórios sobre esta mesma questão, com entendimentos distintos sobre a questão da transmissão de créditos no âmbito do plano de insolvência e sua inclusão na expressão “negócios da insolvente”: a) acórdão recorrido: entende que os créditos se transmitem, desde que não seja ressalvada a sua transmissão; b) acórdão fundamento, cuja certidão se junta como doc. l: entende que só mediante expressa manifestação de vontade de todos os interessados, se poderão incluir, com a sua transmissão, os créditos e os débitos inerentes ao estabelecimento comercial.

  5. O presente Recurso de Revista Excepcional do Acórdão recorrido deve, assim, ser admitido ao abrigo dos arts. 671º, nº1 e 3, 672º, nº l, alínea c) do Código de Processo Civil, dando-se cumprimento ao ónus que recai sobre a Recorrente, nos termos do nº2, alínea c) do mesmo artigo, com a junção da certidão do...

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