Acórdão nº 18965/17.1T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução27 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1.

O Ministério Público intentou a presente ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho contra Rádio Televisão de Portugal, S.A., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA.

  1. A ré contestou alegando, em síntese, e no que releva para apreciação do presente recurso, que está vedado às entidades do sector público empresarial constituir relações de trabalho subordinado sem autorização governamental, cuja omissão gera a nulidade originária e insuprível do contrato de trabalho, pelo que está impedida de celebrar tal contrato, o que constituiu uma exceção perentória que impede o efeito pretendido na ação.

  2. O Ministério Público respondeu pugnando pela improcedência das exceções e pela condenação da Ré no pedido.

  3. O interessado AA requereu a sua intervenção principal nos autos e aderiu à petição inicial do Ministério Público.

  4. O Tribunal relegou para final o conhecimento da nulidade, tendo designado data para julgamento.

  5. Aberta a audiência de julgamento, o interveniente declarou desistir da instância.

  6. Perante a não oposição da ré e a oposição do Ministério Público, o Tribunal decidiu homologar a desistência da instância.

  7. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido que o prestador da atividade não pode pôr termo à ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho desistindo da instância, pelo que revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento da ação.

  8. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - que revogou a douta Sentença de l.ª instância e determinou que os autos prosseguissem - não ponderou minimamente as consequências dessa decisão, fazendo uma errada interpretação e aplicação do Direito.

  9. É reconhecido, quer pelas partes quer pelas instâncias, que, caso se conclua que o contrato existente com a Recorrente configura um contrato de trabalho, o mesmo será nulo, por não ter sido precedido da indispensável autorização governamental exigida pela legislação orçamental aplicável à Recorrente.

  10. Do prosseguimento dos autos poderá resultar uma decisão prejudicial ao Interessado e contrária ao fito da própria ARECT, pois, em vez de se proceder à regularização da situação de errado enquadramento contratual (caso tal se justifique, no que não se concede), o Interessado ficará colocado numa posição pior daquela em que se encontra. Pior ainda, ficará impossibilitado de conseguir a regularização da situação através do único meio que o permite, ou seja, através do PREVPAP, que presentemente se encontra plenamente aprovado e em execução, como resulta da publicação do último diploma legal que o enquadra normativamente, a Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro.

  11. Por isso, nas mais de duas centenas de decisões dos Tribunais do Trabalho que julgaram ações iguais à presente, considerou-se que o processo não devia prosseguir para julgamento.

  12. Os Tribunais do Trabalho perceberam que o que está em discussão nestas ações não é saber, em abstrato e sem atender aos especiais contornos das situações sub judice, se a nulidade do contrato de trabalho obsta à utilização da ARECT. A necessidade de ponderar as consequências da decisão obriga a que se atenda à circunstância de, no caso dos autos como nos demais idênticos, a eventual declaração da existência de um contrato de trabalho conduzir à inevitável cessação da relação contratual, impedindo que se regularize a situação através do PREVPAP (que não pode ser desconsiderado, no contexto factual e jurídico em que os presentes autos se inserem).

  13. E como nesta ação não é possível tratar dos efeitos decorrentes da declaração de existência de contrato de trabalho (válido ou inválido), o Interessado não obterá qualquer consequência favorável com o prosseguimento dos autos.

  14. A decisão sob recurso, ao não permitir a desistência da instância e ordenar o prosseguimento dos autos, fez errada aplicação das regras legais que disciplinam a ARECT, em especial da norma vertida no artigo 186.º-N do CPT, que manda o Tribunal conhecer e julgar das nulidades de que obstam ao prosseguimento da ação.

  15. O não prosseguimento dos autos para julgamento não impede a possibilidade de a ACT sancionar eventuais violações da legislação laboral que se venham a demonstrar ter existido, desde que, naturalmente, se verifiquem os pressupostos e requisitos da responsabilidade contraordenacional.

  16. Por seu turno, o Interessado não só manterá a relação contratual com a Recorrente, como poderá ver corrigido, no âmbito do PREVPAP, o enquadramento contratual que lhe foi dado, considerando-se que existe um contrato de trabalho válido e eficaz com os direitos e deveres inerentes.

  17. E na eventualidade de a conclusão apurada em sede do PREVPAP ser no sentido de o vínculo com a Recorrente não constituir um contrato de trabalho, nem por isso o Interessado fica impedido de, caso não concorde com a qualificação, fazer valer a sua posição em tribunal, propondo uma ação judicial com processo comum, onde peticionará que o tribunal declare a natureza laboral da relação e a condenação da Recorrente nos efeitos daí decorrentes.

  18. O Tribunal da Relação, para além de desatender injustificadamente às consequências da sua própria decisão, desconsidera ainda a vigência e os objetivos do PREVPAP, que no presente se afigura como o mecanismo de combate à precaridade (definido pelo Estado) adequado à regularização da presente situação, ao qual deve ser dado prioridade.

  19. E a interpretação que plasmou no Acórdão que proferiu nos presentes autos mostra-se até contrária ao artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do Interessado retirando-lhe a possibilidade de regularizar a sua...

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