Acórdão nº 446/11.9TYLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução19 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório Recorrentes: AA e BB (recurso subordinado) Recorridos: BB, e CC – …, LDA.

  1. BB, em 4 de Abril de 2011, propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra CC – … e AA, pedindo a condenação solidária dos Réus: - no pagamento de €75.179,05, a título de lucros apurados e distribuídos à Autora e ainda não liquidados; - no pagamento dos juros de mora, contados desde a data do vencimento da deliberação social (totalizando até à data da acção, € 10.135,17) até efectivo e integral pagamento.

    Subsidiariamente: - condenação do Réu a pagar à Ré sociedade € 75.179,05, a título de lucros apurados e distribuídos à Autora e ainda não liquidados e, consequentemente, ser a sociedade R. condenada no pagamento desses lucros à Autora; Subsidiariamente: - condenação do Réu a pagar o referido montante a título de lucros apurados e distribuídos à Autora e ainda não liquidados que este indevidamente retirou da sociedade - Execução judicial de sentença nos termos do artigo 675.º A do Código de Processo Civil[1].

    Fundamentou a acção no exercício do seu direito social a obter da sociedade Ré (constituída por ela e pelo Réu enquanto sócios sendo este também gerente da mesma) o pagamento de lucros já distribuídos e ainda em dívida, relativamente aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no valor de € 75.179,05.

    2. Após citação o Réu contestou excepcionando erro na forma de processo, a incompetência do Tribunal de Comércio de Lisboa e a ilegitimidade das partes (da Autora e do Réu AA). Impugnou ainda grande parte da matéria constante da petição, alegando ainda que a acção tem por finalidade a obtenção de vantagens patrimoniais. Deduziu pedido reconvencional com condenação da Autora e da Ré no pagamento da quantia de €64.637,87, a título de quantias pagas indevidamente em nome da sociedade e que aproveitam directamente a A., bem como de outras a apurar em sede de execução de sentença quanto à utilização abusiva de interesses societários.

    Deduziu igualmente pedido de condenação da Autora como litigante de má fé.

    3. Foi apresentada réplica onde a Autora pugna pela improcedência das excepções e dos pedidos reconvencional e condenação por litigância de má fé.

  2. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho (fls. 560/576) que conheceu das excepções arguidas, julgando-as improcedentes. Foi admitido o pedido reconvencional deduzido contra a Autora, não tendo sido admitido o pedido reconvencional deduzido contra a Ré. Foi fixado o objecto do litígio, enunciados os factos assentes e definidos os temas da prova.

  3. Após julgamento foi proferida sentença (em 20-06-2016) que julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, tendo condenado a Ré a pagar à Autora o valor respeitante aos lucros apurados e distribuídos a esta ainda não liquidados num total de €75.179,05, bem como juros computados desde a data do vencimento das obrigações (decorridos 30 dias após cada uma das assembleias nas quais foi deliberada a distribuição de lucros – 23.06.2006, 14.01.2008 e 02.04.2009, às taxas legais aplicáveis, sobre as quantias, respectivamente de €25.406,17, €31.240,20 e €18.532,68 até integral pagamento. Foi o Réu absolvido dos pedidos e a Autora absolvida do pedido reconvencional e do pedido de litigância de má fé.

  4. Inconformada a Autora apelou impugnando a matéria de facto fixada pela 1ª instância.

  5. O Tribunal da Relação de Lisboa (por acórdão de 26 de Abril de 2017) julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença na parte em que absolveu o Réu do pedido de condenação a pagar, solidariamente, à Autora o valor de € 75.179,05, a título de pagamento de lucros apurados e distribuídos ainda não liquidados e juros. Em consequência, condenou o Réu a pagar, solidariamente, à Autora o valor de € 45.107,43, a título de lucros apurados e distribuídos ainda não liquidados, e juros computados desde a data do vencimento das obrigações, decorridos 30 dias após cada uma das assembleias nas quais foi deliberada a distribuição de lucros (23.6.2006, 14.1.2008 e 2.4.2009), às taxas legais aplicáveis, sobre as quantias respectivamente de € 15.243,70, € 18.744,12 e € 11.119,60 até integral pagamento.

  6. Ambas as partes interpuseram recurso de revista, tendo a Autora recorrido subordinadamente.

  7. O Réu formulou as seguintes conclusões: A. Conforme decidiu a sentença proferida pela primeira instância, para cuja fundamentação nessa parte se remete, os factos provados não permitem considerar verificada a desconsideração da personalidade da sociedade e com fundamento nesta, condenar o Réu solidariamente com a sociedade Ré.

    1. Não só não integram o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como também não integram os requisitos do artigo 79.º do CSC.

    2. Nem os requisitos do abuso do direito, dado que a personalidade colectiva não foi usada de modo ilícito ou abusivo.

    3. E muito menos resulta provada uma actuação culposa (a título de dolo ou negligência) por parte da ora Recorrente.

    4. Ónus de prova que cabia à autora/Recorrida, enquanto factos constitutivos do seu invocado direito (cfr. artigo 342.º, n.º1, do Código Civil).

    5. A responsabilidade por via da desconsideração da personalidade colectiva é dos sócios, enquanto tais, e não dos gerentes.

    G.

    Foram, entre outras, violadas as disposições legais constantes dos artigos 334.º e 342.º do Código Civil e 78.º e 79.º do CSC.

    10. A Autora concluiu nas suas alegações: A)Veio o Tribunal da Relação de Lisboa condenar o Recorrido por via da aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica, na modalidade de confusão de esferas jurídicas.

    B)Tal condenação decorreu do facto de o Tribunal ad quo ter considerado provada a mistura de patrimónios da sociedade CC e do Recorrido, tendo este considerado que as transferências de valores da conta bancária da primeira para a conta do segundo foram realizadas “em moldes tais que pelo menos três quintos das receitas da sociedade, que deram azo aos lucros referidos em 10, 14 e 19, foram transferidos pelo Réu para a sua conta pessoal (factos 23, 24 e 32)”.

    C)Nestes termos, o Tribunal ad quo, com recurso às normas da responsabilidade civil extracontratual, veio acordar na responsabilidade solidária do Recorrido, limitada ao valor de três quintos dos lucros distribuídos e não liquidados à Recorrente, no montante de € 45.107,43 (quarenta e cinco mil e cento e sete euros e quarenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora contados desde o vencimento da respetiva deliberação social, até efetivo e integral pagamento, D)Mantendo a decisão da primeira Instância na parte em que resulta condenada a sociedade Ré CC pela totalidade do valor dos lucros distribuídos e não liquidados à Recorrente, no valor de € 75.179,05 (setenta e cinco mil e cento e setenta e nove euros e cinco cêntimos), acrescidos de juros de mora contados desde o vencimento da respetiva deliberação social, até efetivo e integral pagamento.

    E)Ora, salvo o devido respeito, o limite suprarreferido resulta de um erro na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e sua conjugação com as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente os artigos 334.º e 483.º do CC.

    F)Dos factos e da fundamentação constante do recorrido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não resultam quaisquer elementos ou fundamentos que resultem ou permitam a limitação da responsabilidade do Recorrido no pagamento dos danos sofridos pela Recorrente somente na quantia de € 45.107,43 (quarenta e cinco mil e cento e sete euros e quarenta e três cêntimos), nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e c) do CPC.

    G)Com efeito, da fundamentação do douto Acórdão, à qual aderimos, resulta que sobre o Recorrido recai o dever de indemnizar a Recorrente de acordo com as normas de responsabilidade civil extracontratual.

    H)Porém, a responsabilidade do sócio deverá ser não apenas solidária como ilimitada para efeitos de indemnização dos danos, sentido defendido por Ana Filipa Morais Antunes, em “O Abuso da Personalidade Jurídica Colectiva no Direito das Sociedades Comerciais – Breve Contributo para a Temática da responsabilidade civil” e em Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-03-2012.

    I)Observando o exposto no artigo 483.º, n.º 1 do CC, verifica-se que os danos de que a Recorrente deverá ser indemnizada referem-se ao pagamento dos lucros que lhe foram distribuídos da sociedade CC nos anos 2005, 2006 e 2007 e que não lhe foram liquidados, devido às sucessivas transferências das receitas da CC da conta da sociedade para a conta pessoal do Recorrido, realizadas por este, deixando a sociedade Ré desprovida de rendimentos suficientes para a liquidação dos lucros devidos à Recorrente, que ascendem à quantia de € 75.179,05 (setenta e cinco mil e cento e setenta e nove euros e cinco cêntimos).

    J)Com efeito, nos anos de 2005 a 2007, o Recorrido privou infundadamente a sociedade CC de receitas em valor não inferior a € 255.958,98 (duzentos e cinquenta e cinco mil e novecentos e cinquenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), o que representa um valor superior a 80% da soma dos resultados fiscais líquidos da sociedade CC dos anos 2005 a 2007.

    K)Pelo que a conduta do Recorrido mereceu a aplicação da figura da desconsideração da personalidade jurídica, por manifesto abuso de direito, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.

    L)Assim, e conforme resulta da aplicação do artigo 483.º do CC, deve a Recorrente ser ressarcida de todos danos que sofreu em resultado do abuso de direito perpetuado pelo Recorrido.

    M)Os danos provocados pelo Recorrido referem-se às quantias não auferidas pela Recorrente a título de lucros distribuídos e não liquidados de 2005 a 2007, que perfazem o valor total de € 75.179,05 (setenta e cinco mil e cento e setenta e nove euros e cinco cêntimos).

    N)Devendo a responsabilidade do Recorrido ser julgada não somente solidária, como foi...

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