Acórdão nº 31947/15.9T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução20 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente ação especial de tutela da personalidade do trabalhador, nos termos dos artigos 186.º -D, 186.º -E e 186.º -F do Código de Processo do Trabalho, contra BB RESTAURAÇÃO, SA, pedindo a condenação da Ré a atribuir-lhe todas as funções profissionais correspondentes à categoria de empregado de mesa de 1.ª, conforme o disposto no IRCT, ou, no caso de manter o atual sistema de divisão de empregados de mesa em “áreas” e “runners”, a atribuir-lhe a posição de “área”, bem como abster-se de praticar atos discriminatórios, hostis, humilhantes, vexatórios, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados e dar-lhe o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias em que exercem as funções dessa categoria profissional, e também a pagar-lhe a importância de € 60.000, a título de danos não patrimoniais, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento.

Invocou como fundamento da sua pretensão que: - foi admitido ao serviço da Ré em 17 de junho de 1982 para desempenhar a sua atividade profissional; - tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, pelo menos desde outubro de 2007; - desde abril de 2014 que a Ré o impede de desempenhar as funções da sua categoria profissional; - esse impedimento tem natureza persecutória e discriminatória e constitui assédio moral.

A ação instaurada prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença que a julgou improcedente por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de novembro de 2017 e que integrou o seguinte dispositivo: «Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, revogando a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se a Ré a atribuir ao Autor as funções inerentes à sua categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, nos mesmos termos do que aos trabalhadores referidos em 28., ou, no caso de manter o atual sistema de divisão dos empregados de mesa em "áreas" e “runners", atribuir ao Autor a posição de “área”, condenando-se ainda a Ré a abster-se de praticar atos discriminatórios, hostis, humilhantes, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados, e dar ao Autor o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias em que exercem as funções dessa categoria profissional.

Condena-se também a Ré a pagar ao Autor a quantia de 4.000 € (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.

Custas a cargo da Ré e do Autor na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.» Não resignada com esta decisão, dela recorreu a Ré, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que o Tribunal da Relação comete um erro de análise factual e jurídica.

  1. Não existe uma "sub categoria criada pela Ré de “runner", existe uma única categoria profissional de empregados de mesa, cujas funções se encontram descritas no IRCT aplicável ao setor (cfr. ponto n.° 8 dos factos provados).

  2. Para melhorar o nível de serviço nas vertentes de tempo e qualidade, com recurso a princípios de eficiência e especialização, a Recorrente institui um sistema de trabalho, atribuindo funções distintas aos seus empregados de mesa, dividindo-os em "áreas" e "runners".

  3. O mesmo sistema foi instituído no local de trabalho ocupado pelo Recorrido e noutras unidades do grupo.

  4. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa especializados às horas das refeições. Estes empregados de mesa desempenham algumas das funções descritas genericamente na categoria de empregados de mesa. Fora dos horários das refeições desempenham as mesmas funções, nomeadamente no arranjo da sala e das mesas.

  5. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa que, nos períodos das refeições, se dividem funcionalmente. Os "áreas" estão especializados no atendimento do cliente e na venda (sentar o cliente, apresentar e explicar a lista, sugerir ementa, receber o pedido, apresentar a conta e receber o pagamento) e os "runners" estão especializados no serviço ao cliente (servir o couvert, as bebidas, a comida, as sobremesas e os cafés, assegurar uma rápida saída da comida da cozinha (zona de produção), recolher loiça e talheres). Os "runners" são tão "carregadores" de comida e bebida como outro empregado de mesa qualquer.

  6. Os "áreas" e "runners" são elementos de uma mesma equipa de trabalho, funcionando de forma complementar, sendo que o exercício das tarefas associadas a "áreas" e "runners" não é estanque ou exclusivo, no sentido dos colaboradores não se poderem entreajudar, sempre que o volume de trabalho o exija.

  7. "Áreas" e "runners" desempenham o núcleo essencial das funções de empregados de mesa e trabalham em equipa no desempenho das suas funções.

  8. Os "áreas" estão especializados no atendimento do cliente e na venda e os "runners" estão especializados no serviço ao cliente. 10. Não há, por isso, qualquer "esvaziamento das funções resultantes da categoria profissional do Autor", há antes uma especialização do trabalho dentro das funções da categoria profissional de empregado de mesa.

  9. A colocação do Recorrido como "runner" foi feita com base em critérios definidos pela empregadora (critérios de gestão).

  10. Não houve, assim, qualquer discriminação ou violação de direitos de personalidade do Recorrido por parte da Recorrente.

  11. A decisão da Recorrente não violou nem viola o direito do Recorrido à sua categoria profissional, nem tampouco o sistema implementado pela empresa visa fazer um ataque cerrado aos direitos do seu trabalhador.

  12. O trabalhador foi reintegrado em 04/03/2014, gozou férias imediatamente e entrou a serviço em 03/04/2014. A falta de "caixa própria no sistema de registo" [o]correu entre 03/04/2014 e 13/04/2014, no início efetivo da prestação de trabalho, após a reintegração.

  13. Tratou-se de uma situação transitória, perfeitamente delimitada e justificada pelo reinício efetivo da prestação laboral, que em nada prejudicou ou discriminou o trabalhador.

  14. Também foi atribuído um novo número ao trabalhador, porque não é tecnicamente possível atribuir o antigo número.

  15. O número interno de trabalhador não tem qualquer função para além da que resulta da gestão de recursos humanos.

  16. Os trabalhadores desconhecem os números uns dos outros e o número não influencia qualquer direito, nem contém qualquer estatuto associado como resulta evidente nos factos provados.

  17. O facto de um trabalhador aquando da sua entrada, não ter temporariamente um registo ativo no software existente no estabelecimento em nada prejudica o trabalhador, nem na retribuição, nem em qualquer outro direito. Não fica prejudicada a faturação e também não prejudica o colaborador que cede o seu registo temporariamente.

  18. Tal demonstra inequivocamente e também a inexistência de qualquer discriminação do Recorrido face aos demais colegas de trabalho.

  19. A testemunha CC nenhum conhecimento direto tem dos factos que se discutem nos presentes autos, pois que a mesma não vai ao local onde o pai exerce funções profissionais (Cervejaria ...), desde que o mesmo foi reintegrado.

  20. A referida testemunha não tem qualquer conhecimento das funções profissionais que o seu pai exerce e do grau de exigência que lhe está implícito ou sequer se as funções inerentes a um "área" são menos desgastantes que as tarefas essencialmente atribuídas a quem temporariamente está afeto a "runner", 23. Aquilo que a citada testemunha sabe é o que o pai lhe relata, sendo que mesmo que presencie alguma angústia e sinceridade não consegue demonstrar que tal decorre do exercício das funções profissionais que estão adstritas ao Recorrido, por um lado, ou de algum (suposto) comportamento discriminatório, humilhante e hostil da Recorrente ou seu colaborador.

  21. O Recorrido, através das testemunhas que arrolou, não conseguiu fazer prova do nexo causal entre o alegado desgosto, incerteza, ansiedade, infelicidade, inquietação, receio e pânico e o exercício das funções profissionais que lhe impendem.

  22. O alegado desgosto, receio e pânico e a invocada incerteza, ansiedade e infelicidade podem perfeitamente estar (antes) relacionados com o estado de saúde e imunitário do Recorrido, por si só, frágil e debilitado, nada tendo que ver, como não tem, com o exercício das funções que lhe impendem no âmbito da categoria profissional de Empregado de Mesa de 1.ª.

  23. O Recorrido não alegou quaisquer factos suscetíveis de configurar uma violação dos seus direitos de personalidade, nem tampouco identifica qualquer pessoa que tenha praticado atos suscetíveis de violarem esses mesmos direitos, nem conseguiu demonstrar o nexo causal entre o invocado desgosto, inquietação e infelicidade e as funções que lhe impendiam no seio da sua categoria profissional de Empregado de Mesa de l.ª.

  24. Pelo que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal da Relação ao julgar provados os factos constantes das alíneas l), m) e n), pois a prova produzida em audiência de discussão e julgamento implicava a manutenção da decisão de l.ª instância. 28. Os documentos juntos pela Recorrente são, não só formalmente válidos para o objetivo que o Tribunal de l.ª instância havia ordenado a sua junção, como foram até aptos a produzir a prova pretendida.

  25. O Recorrido ainda não se qualificou para desempenho das funções de "área", sendo que tal decorre, por um lado, do resultado das suas avaliações e, por outro, do resultado de avaliação dos outros colegas. 30. Tal não significa que o Recorrido não venha a desempenhar tais funções, assim como não quer...

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