Acórdão nº 765/15.5T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

Na Secção Cível da Instância Local da Comarca de Lisboa, AA, Ld.ª, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Banco BB, S.A., e Banco CC, S.A.

, alegando que celebrou com o 1º um contrato de abertura de conta e de depósito, tendo o mesmo acedido a que a autora mobilizasse os fundos existentes nessa conta por meio de emissão de cheques, vinculando-se ao respectivo pagamento.

Mais alega que, para pagamento de produtos fornecidos pela «DD, Ld.ª», em 17/4/09 emitiu, a favor daquela sociedade, o cheque nominativo nº4971492437, no montante de € 31.222,38, fazendo constar do mesmo a menção «não à ordem», para que só fosse pago à referida beneficiária, e enviando-o por via postal para a sede social desta.

Alega, também, que, no dia 23/4/09, o réu BB lançou a débito na conta da autora a referida quantia, porém, o aludido cheque nunca entrou na posse da «DD, Ld.ª», nem o montante nele inscrito lhe foi pago pelo sacado, tendo o nome daquela beneficiária sido substituído, por desconhecidos, pelo nome «EE, Ld.ª», a favor de quem foi depositado o cheque, numa conta que a mesma possuía no réu BIC, tendo sido pago, na compensação, pelo réu BB à referida EE.

Alega, ainda, que, aquando da sua apresentação e entrega para depósito na agência do réu CC e pagamento pelo réu BB, o cheque já se encontrava rasurado em toda a extensão do espaço destinado à identidade do beneficiário, o que era notório e passível de detecção.

Alega, por último, que os réus violaram os deveres de fiscalização dos elementos do cheque que a prática bancária exigia, tendo a autora sido ilicitamente desapossada da quantia de € 31.222,38, já que teve de pagar aquela quantia à «DD, Ld.ª», por transferência bancária efectuada em 13/8/09.

Conclui, assim, que devem os réus ser condenados a pagar à autora, a título de indemnização, a referida quantia, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.

O réu CC contestou, alegando que qualquer eventual direito de indemnização prescreveu, e que, de qualquer modo, não recai sobre si qualquer tipo de obrigação de indemnizar a autora, pelo que deve ser absolvido do pedido.

O réu BB também contestou, alegando que, a considerar-se o cheque visivelmente viciado, o único responsável pelos prejuízos causados à autora é o réu BIC.

Mais alega que a conduta da autora, ao preencher o cheque, de elevado montante, e ao enviá-lo por simples via postal ao seu credor, deve ser considerada co-causal do prejuízo por si sofrido.

Conclui, deste modo, pela sua absolvição do pedido.

Após resposta da autora à invocação da prescrição por parte do réu CC, foi proferido despacho saneador, tendo-se, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente a acção, tendo condenado solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de € 23.416,79, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

Inconformados, apelaram os réus e, subsidiariamente, a autora, tendo, então, sido proferido o Acórdão da Relação de fls.223 e segs., que decidiu nos seguintes termos: «julgar parcialmente procedentes os recursos dos RR., Banco BB, S.A., FF, e Banco CC, S.A., e, alterando o ponto 2 do segmento decisório da sentença, condenar os mesmos RR. a pagar à A. a quantia de € 15.611,19, correspondente a 50% do valor do cheque pago, no mais mantendo o decidido; - julgar improcedente o recurso subordinado da A.» Inconformada, a autora interpôs recurso de revista daquele acórdão, tendo os réus recorrido subsidiariamente.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: 1) A autora é uma sociedade comercial que tem como objeto social a atividade de “GG”.

2) No exercício da sua atividade comercial, a autora celebrou com o Banco BB um contrato de abertura de conta e de depósito, a que corresponde a conta de depósito à ordem n.º ..., domiciliada na agência de Lisboa “Expo – Urbanização ...”.

3) O Banco BB acedeu a que a autora mobilizasse os fundos existentes na referida conta de depósito à ordem nº ... por meio da emissão de cheques, vinculando-se ao respetivo pagamento.

4) No âmbito dessa convenção, o Banco BB forneceu à autora, entre outros, o cheque cruzado nº ....

5) Para pagamento de produtos fornecidos pela “DD, Lda”, no dia 17/04/2009 a autora emitiu, em Lisboa, a favor daquela sociedade, o cheque nominativo nº ..., no montante € 31.222,38 (trinta e um mil duzentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos).

6) À exceção da assinatura, que foi aposta pela legal representante da autora, todos os demais espaços do referido cheque foram preenchidos, por indicação da autora, pelo seu trabalhador HH 7) Por indicação da autora, o referido HH inscreveu no espaço destinado à identidade do beneficiário, pelo seu próprio punho, a denominação “DD, Lda” 8) No referido cheque, a autora fez ainda constar a menção “não à ordem”.

9) Como habitualmente fazia, no dia 17/04/2009 a autora enviou, o aludido cheque, por correio, sem ser registado, para a morada da sede social da “DD, Lda”, juntamente com a carta que se encontra junta aos autos a fls. 22 e aqui se deixa por integralmente reproduzida.

10) No dia 22/04/2009, o cheque n.º ... foi depositado, numa conta titulada pela sociedade “EE, Lda” no Banco CC, anteriormente, Banco ....

11) O referido cheque foi pago, na compensação, pelo Banco BB, à referida “EE, Lda”, através de lançamento a crédito do respetivo montante naquela conta bancária titulada no Banco BPN, atualmente Banco BIC.

12) A respetiva quantia foi levantada por Emílio Tavares, gerente da “EE, Lda”.

13) No dia 23/04/2009, o Banco BB lançou a débito na conta da autora n.º ... a quantia de € 31.222,38 (trinta e um mil duzentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos) inscrita no cheque.

14) O referido cheque nunca entrou na posse da “DD, Lda”, nem o montante nele inscrito lhe foi pago pelo sacado, do que a autora teve conhecimento por ter sido, dias depois do seu envio, instada pela beneficiária a pagar o montante que permanecia em dívida.

15) E, posteriormente a isso, pagou à “DD, Lda”, a referida quantia em dívida, o que fez por transferência bancária efetuada em 13/08/2009.

16) A autora reclamou a situação junto do Banco BB e, na sequência disso, o Banco BB enviou-lhe a imagem do cheque com base no qual justificou o lançamento a débito na conta da autora, do montante de € 31.222,38 (trinta e um mil duzentos e vinte e dois euros e trinta e oito cêntimos).

17) Através da imagem do cheque que lhe foi enviada pelo Banco BB, a autora constatou que o nome do beneficiário à ordem do qual emitira o cheque fora substituído pelo nome “EE, Lda”, sociedade por si totalmente desconhecida.

18) A autora nunca teve qualquer relação com a referida sociedade, não tendo emitido o cheque à sua ordem.

19) Após sair da posse da autora e antes de entrar na posse dos réus, o cheque emitido pela autora foi adulterado por desconhecidos, que apagaram o nome do beneficiário inscrito pela autora e inscreveram no seu lugar o nome “EE, Lda”.

20) No dia 01/07/2009, a autora apresentou queixa-crime contra incertos, o que deu origem ao inquérito nº 3426/09.0TDLSB-020.

21) No dia 13/11/2014, foi proferido despacho de arquivamento por falta de indícios suficientes quanto à autoria dos factos.

22) Só após o despacho de arquivamento teve a autora acesso ao original do cheque nº ..., que lhe foi entregue no dia 27/11/2014.

23) A funcionária do Banco ..., atualmente, Banco CC, SA, que recebeu o cheque supra identificado procedeu ao seu exame à vista desarmada e não detetou qualquer circunstância que impedisse o depósito do mesmo.

24) Por se tratar de cheque com um valor superior ao limite máximo de truncagem acordado pelo sistema bancário e divulgado pelo Banco de Portugal aos participantes no subsistema de compensação de cheques – que atualmente é de € 10.000 – o Banco BPN, atualmente, Banco BIC remeteu ao Banco BB imagem digitalizada da frente e verso do referido cheque. 25) O nome “EE, Lda” apresenta-se escrito de forma uniforme e legível.

2.2. REVISTA DA AUTORA (RECURSO INDEPENDENTE) 2.2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

  1. O envio de cheque via CTT por carta simples não constitui violação de qualquer regra de segurança relativa ao uso do cheque.

  2. Não existe qualquer norma que proíba ou desaconselhe o envio do cheque por carta simples, sendo o meio pelo qual os próprios bancos enviam aos seus clientes os livros de cheques, cartões bancários e respetivos códigos secretos.

  3. Não ficou provado que o Banco BB tenha proibido ou desaconselhado a autora no envio de cheques por carta simples, pelo que a mesma não violou qualquer proibição ou recomendação quanto ao uso de cheques.

  4. Ao utilizar um cheque cruzado, no qual preencheu todos os campos e fez constar a menção "não à ordem", a autora cumpriu todas as recomendações bancárias sobre segurança na emissão e utilização dos cheques.

  5. O Regulamento do Serviço Público dos Correios, ao determinar que os valores devem circular como valores declarados e não em cartas simples, pretende apenas limitar a responsabilidade dos próprios correios por prejuízos resultantes do extravio das cartas, e não proteger os interesses de terceiros numa relação contratual que é, ademais, alheia ao serviço postal, não sendo fundamento para atribuir à autora a violação culposa dos deveres de diligência no uso do cheque.

  6. Não tendo ficado provado que o cheque se "extraviou" antes de chegar ao seu destino, designadamente se foi subtraído no circuito dos correios, não é possível concluir que o dano só se verificou porque o cheque foi remetido pelos CTT em correio simples.

  7. É, pois, impossível...

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