Acórdão nº 143/16.9YHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA, LDA instaurou a presente ação declarativa de condenação contra CLÍNICA VETERINÁRIA DO FAROL, LDA, pedindo que seja anulado o registo da marca nacional n.° 554054 - VET FOZ - e ordenado o seu cancelamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: A autora se dedica desde meados de 2015, à prestação de serviços de veterinária, venda de animais e respetiva alimentação, alojamento, limpeza e tosquia, tendo desde o início utilizado a marca “VET FOZ” para identificar os seus serviços junto do público.

Por sua vez, a ré é uma sociedade que se dedica, desde 2001, à prestação de serviços de veterinária similares aos da autora, sempre tendo utilizado a designação “Clínica Veterinária da Foz” para distinguir os seus serviços junto do público.

Porém, ao tomar conhecimento do início da atividade da A. e do uso por esta da designação “VET FOZ”, a ré requereu o registo da marca “VET FOZ”, o qual lhe foi concedido em 28.12.2015.

A ré agiu com o intuito de prejudicar a autora, coartando-lhe o direito de registar a marca que vinha utilizando livremente, por forma a obter vantagens económicas ilegítimas.

Agindo desta forma, subverteu as finalidades visadas com a concessão da marca, pois apenas teve em vista distorcer a concorrência.

Com tais fundamentos, e ao abrigo do disposto nos arts. 317º, nº1 e 266º, nº1 e 239º, nº1, al. e), todos do CPI, pediu a anulação do registo da marca VET FOZ concedido à ré.

  1. A ré contestou. Em sua defesa, alegou, em resumo, que: Há vários anos, começou a usar a expressão “VET FOZ” para designar o seu estabelecimento, CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, pelo que, ao ser confrontada com a mesma designação para identificar o estabelecimento da autora, para evitar o risco de confusão entre os consumidores, decidiu requerer o registo da marca “VET FOZ”, o que lhe foi concedido, pelo INPI.

    Por sua vez, em reconvenção, alegando que a autora se encontra a infringir os seus direitos de propriedade industrial e a praticar atos de concorrência desleal - gerando confusão junto dos consumidores - pediu a sua condenação a abster-se de usar e publicitar, por qualquer meio, o sinal “VET FOZ” e a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados, fixando-se ainda uma sanção pecuniária compulsória no valor de EUR 500,00, por cada dia, posterior ao trânsito em julgado da decisão a proferir nestes autos, que durar o incumprimento da obrigação de se abster de usar o sinal.

  2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, anulou o registo da marca nacional n.° 554054 - VET FOZ – e, julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido reconvencional.

  3. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que, revogando a sentença: A) - Julgou a ação improcedente; B) - Julgou o pedido reconvencional parcialmente procedente e condenou a autora a: - Abster-se de usar, por qualquer meio, o sinal “VET FOZ”; - Pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de EUR 300,00, por cada dia de incumprimento quanto à obrigação de se abster de usar o sinal acima referido.

    1. - Absolveu a autora do demais peticionado.

  4. Irresignada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça e, nas suas alegações, em conclusão, disse (sic): “I. Vem o presente recurso da decisão proferida pelo douto Acórdão, na parte em que conclui que não existe fundamento para a recusa do registo da marca VET FOZ e que condena a Recorrente na abstenção do uso do sinal VET FOZ e na sanção pecuniária compulsória de 300,00€, por cada dia de incumprimento da obrigação de se abster no uso do sinal.

    II. A decisão recorrida determina que o direito da Recorrida de registar a marca VET FOZ lhe advém da titularidade do direito sobre a marca CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, concluindo pela legitimidade da sua atuação na defesa dos seus direitos.

    Para tanto, o Tribunal a quo formula um juízo acerca da confundibilidade dos nomes CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ e VET FOZ que considera serem suscetíveis de gerar confusão no espírito dos consumidores que fundamenta a atuação da Recorrida com a defesa dos seus direitos, pronunciando-se nos termos seguintes: «E qual foi o nome escolhido para o novo estabelecimento da Recorrente? Precisamente VET FOZ, ou seja, uma designação decalcada na designação do estabelecimento da Recorrente e parece-nos, suscetível de com este gerar confusão no espirito dos consumidores.» Mais adiante, afirma ainda «Ou seja, é patente o risco de confusão entre o sinal usado pela Recorrente para identificar o seu estabelecimento, com o estabelecimento pertencente à Recorrida e já existente há vários anos.» Conclui ainda dizendo «Cremos que a Recorrida tem todo o direito de impedir que a Recorrente use marca que vai criar confusão com o seu estabelecimento, pelo que não se trata de um ato de concorrência contrária às normas e usos comerciais, como conclui a sentença recorrida.» IV. Porém, a decisão está ferida de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do nCPC, uma vez que foi proferida com base em questão nova nunca antes aflorada nos autos, o que redundou numa decisão surpresa, em flagrante violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, nº3, do nCPC.

    V. A decisão recorrida está centrada na premissa de que os sinais VET FOZ e CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ são confundíveis, o que permitiu legitimar a atuação da Recorrida e justificar a sua atitude com a defesa dos seus direitos.

    VI. É do juízo sobre a confundibilidade dos sinais que depende inteiramente a decisão recorrida, sem o qual cai por terra toda a fundamentação do acórdão.

    VII. A conclusão de que os sinais não são confundíveis faria cessar a causa de legitimação da atitude da Recorrida, excluindo para todos os efeitos lógicos, que esta atuou na defesa dos seus direitos, nos termos formulados no acórdão recorrido.

    VIII. Ou seja, na ausência da "ameaça" da confundibilidade, sobrará apenas a tese defendida pela primeira instância de que a Recorrida autuou de má-fé e em concorrência desleal.

    IX. A Recorrida sempre afirmou que registara a marca VET FOZ motivada pelo seu uso prévio e reiterado para designação do próprio estabelecimento.

    X. E foi só perante o estrondoso desmoronamento desta tese na primeira instância que, já em sede de alegações de recurso, invoca a tese inovadora de que, afinal, registara a marca VET FOZ motivada pelo risco de confundibilidade com o sinal CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ que há muito usava e o consequente receio da concorrência desleal que daí adviria.

    XI. Esta tese inovadora constitui uma questão nova nunca antes submetida ao contraditório das partes.

    XII. Cuja procedência obrigaria à produção de prova quanto à alegada causa justificativa que legitima a atuação da Recorrida, ou seja, a real e efetiva confundibilidade dos sinais distintivos e o fundado receio da Recorrida quanto a atos de concorrência desleal que daí advém.

    XIII. Foi com surpresa e estupefação que a Recorrente recebeu a decisão do Venerando Tribunal a quo que extravasa, sem qualquer fundamento ou motivação, os limites do recurso (ponto 2) e, mais grave ainda, o objeto e os temas de prova tal qual foram definidos na primeira instância, sendo por isso nula a decisão, nos termos da al. d), do nº 1, do art. 615º, do nCPC.

    XIV. O julgamento do recurso não é um "novo" julgamento da causa e seu objeto, nem o momento para trazer questões novas ao processo.

    XV. Ao Tribunal a quo apenas lhe competia julgar, de acordo com a matéria dada como provada e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão, se há fundamento para recusar o pedido de registo da marca VET FOZ.

    XVI. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa ao afirmar que «A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do nCPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova.» (Ac T.R. Lisboa - Proc nº 185/14.9TBRGR.L1-2 de 23-04-2015) XVII. De igual modo, não pode o Tribunal recorrido, sem qualquer suporte probatório além do seu próprio juízo, decidir sobre uma questão que não foi submetida ao contraditório das partes e que nem sequer íntegra os temas da prova.

    XVIII. Dúvidas não restam que a revogação da decisão da primeira instância pelo acórdão recorrido está inteiramente sustentada em questão nova, sendo certo que, arredada esta questão nova, é forçoso e inevitável concluir pela procedência dos argumentos da primeira instância e confirmar a sua decisão.

    XIX. O acolhimento da questão nova pelo Venerando Tribunal a quo está em clara violação do princípio do dispositivo.

    XX. O Tribunal a quo conheceu sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, razão pela qual a decisão está viciada por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d), 2ª parte, infringindo a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo, consagrado no art. 608º, nº2 do C.P.Civ., o que determina a nulidade da decisão, o que se requer.

    Sem prescindir, XXI. Verifica-se que o confronto dos sinais e verificação da sua confundibilidade, segundos os critérios de análise aplicáveis às marcas, não integra nenhum dos temas da prova.

    XXII. Não há expediente processual ou o meio de prova que legitime o Venerando Tribunal da Relação de … a conhecer acerca de tal questão, quando às partes não foi dada a oportunidade de sobre ela produzirem as suas alegações e prova, perspetivando o enquadramento jurídico vislumbrado pelo Venerando Tribunal.

    XXIII. Na medida em que foram submetidos a julgamento os seguintes temas da prova e não outros: «1 - A utilização pela A., desde o início da sua atividade, do sinal VET FOZ para identificar os seus produtos, serviços e estabelecimento junto do público - arts. 2 a 4, 9 a 24 da p.i.; 2 - Designação, pela...

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