Acórdão nº 2316/16.5T8CHV.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.2316/16.5T8CHV.G1.S1 I. RELATÓRIO 1.

AA e BB requereram, em 25.12.2016, Processo Especial de Revitalização.

Concluídas as negociações, o Administrador da Insolvência juntou aos autos o Plano de Recuperação, nos termos art.17º-F, n.3, e 212º do CIRE, tendo o mesmo sido aprovado por maioria.

Da ata de abertura de votos constava a seguinte informação: os votos emitidos perfazem 93,654% do total de credores relacionados; os votos favoráveis perfazem 52,763% dos votos emitidos.

  1. O tribunal da primeira instância, por despacho de 13.06.2017, não homologou o Plano Especial de Revitalização por entender que este não tinha sido aprovado pela maioria exigida nem pela alínea a) nem pela alínea b) do n.3 do art.17º-F do CIRE.

  2. Os requerentes do PER interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a revogação da decisão e a consequente substituição por outra que homologasse o plano. Apenas a CC apresentou contra-alegações, sustentando a manutenção da decisão recorrida.

  3. Por acórdão de 16.11.2017, o TRG julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.

  4. Inconformados com tal decisão, os recorrentes interpuseram recurso de revista (admitido por despacho de fls.498 dos autos), em cujas alegações formularam as seguintes conclusões: A.

    De acordo com o n. 3 do artigo 17.º-F do CIRE existem duas hipóteses passíveis de conduzir à aprovação do plano de recuperação e que funcionam em alternativa, com os seguintes pressupostos: B.

    Na previsão da alínea a) do n.3 do artigo 17.º-F do CIRE: - Existência de um quórum constitutivo de, pelo menos, um terço dos créditos relacionados com direito de voto; - Voto favorável de mais de dois terços dos votos emitidos.

    C.

    Na previsão da alínea b) do n. 3 do artigo 17.º-F do CIRE: - Existência de um quórum constitutivo de, pelo menos, um terço dos créditos relacionados com direito de voto; - Voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.

    D.

    Para além da diversa percentagem exigida, existe uma outra diferença essencial: na primeira hipótese o apuramento da maioria é feito em função dos “votos emitidos”, enquanto na segunda hipótese já se labora tendo por base os “créditos relacionados”.

    E.

    No caso em apreço votaram 93,654% da totalidade dos créditos relacionados na lista, conclui-se que se mostra assegurado o requisito referente ao quórum constitutivo.

    F.

    Assim, cumpre apreciar se se encontra preenchido o 2.º requisito.

    G.

    Importará apurar se a alínea b) está preenchida: haverá a considerar a “totalidade dos créditos relacionados com direito de voto” e, destes, terão de votar favoravelmente mais de metade dos credores titulares desses créditos.

    H.

    A este propósito veja-se o que ensina o Sr. Dr. João Labareda: “Em nenhuma das alternativas – e à semelhança do que já sucedia – contam as abstenções.

    Temos assim que, enquanto na primeira alternativa, e por referência à totalidade dos créditos elegíveis, o quórum mínimo tem uma expressão fixa, na segunda ele assume expressão variável.” I.

    Assim, atendendo a que não se contam as abstenções, temos, como vimos, que a totalidade dos créditos relacionados atingia o montante de €2.781.248,05.

    J.

    Destes, votaram contra credores cujos créditos atingem o montante de 1.313.790,66 (equivalentes, portanto a 47.237%).

    K.

    Os que votaram favoravelmente o Plano são titulares de créditos que somam o montante de €1.467.457,39 que representam efetivamente 52,763% de €2.781.248,05 (total dos créditos relacionados excluindo-se as abstenções).

    L.

    Posto isto, a percentagem de 48,08% mencionada pelo Tribunal recorrido somente poderá ser encontrada se forem consideradas as abstenções, que, como vimos, deverão excluir-se! M.

    Neste mesmo sentido, foi já decidido pelo aqui acórdão fundamento: De comum: (i) exige-se em ambas as hipóteses um quórum deliberativo de, pelo menos, um terço dos créditos relacionados com direito de voto; (ii) em nenhum dos casos contam as abstenções. De diverso: (i) na previsão da alínea a), atende-se aos “votos emitidos” e o voto favorável tem de ser superior a dois terços desses “votos emitidos”; (ii) na previsão da alínea b), atende-se ao voto favorável dos “créditos”, que terão de representar “mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto”.

    N.

    Pelo exposto, o plano de recuperação apresentado pelos Devedores deverá considerar-se aprovado nos termos da alínea b) do n.3.º do artigo 17.º-F do CIRE, ao contrário do que decidiu o Tribunal de primeira instância e foi confirmado pelo Tribunal da Relação.

    O.

    O Tribunal a quo acabou por decidir que, ao abrigo dessa alínea, não poderia considerar aprovado o plano, por no cômputo da maioria, ainda que por referência aos créditos relacionados e não aos créditos votantes, incluir as abstenções e, incluindo essas abstenções, a maioria perfazer uma percentagem inferior a 50%.

    P.

    Porém, a letra da lei não pode ser, sem mais ou, pelo menos, sem a menor justificação, ignorada.

    Q.

    E a letra da alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE contém a expressão “não se considerando como tal as abstenções”.

    R.

    Este segmento normativo tem de ser interpretado e valorado.

    S.

    Se o entendimento do Tribunal recorrido estivesse correto – que não está – tal entendimento equivaleria, em termos práticos, à supressão daquela expressão, porque, por um lado, ao contrário do que dispõe expressamente a norma jurídica, o Tribunal está a considerar as abstenções como votos emitidos seja a favor ou contra e, portanto, não está a desconsiderá-las tal como impõe a norma, e, por outro lado, a vingar tal entendimento, estar-se-ia a fazer equivaler os créditos relacionados a créditos votantes, o que não poderá aceitar-se.

    T.

    Considerar as abstenções nos termos em que o Tribunal a quo as considerou é o mesmo que as equiparar a votos contra, o que salvo o devido e maior respeito, é manifestamente errado e contrário à letra e até espirito da lei.

    U.

    O propósito das abstenções não contarem é precisamente pelo facto de ser impossível aferir como votariam tais abstencionistas, motivo pelo qual, aceitar a interpretação plasmada no Acórdão objeto de recurso, é conferir às abstenções a expressão de voto desfavorável em claro desfavor dos Revitalizandos.

    V.

    A chave está, pois, em descortinar o que quis o legislador significar com a expressão “não se considerando como tal as abstenções”.

    W.

    Ao referir “como tal”, por aplicação de regras elementares de sintaxe, o legislador quer referir-se a “créditos relacionados com direito de voto” e não apenas a “créditos não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT