Acórdão nº 517/09.1TBLGS.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução05 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório: AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra BB, S.A., e CC, peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 25.000,00 a título de danos patrimoniais e € 35.000,00 a título de danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros legais desde a data da citação e até integral pagamento, com fundamento na violação do seu bom nome.

Os réus contestaram, pedindo a improcedência da acção.

Saneado o processo, foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, anulada pelo Tribunal da Relação para efeitos de ampliação da matéria de facto.

Cumprido o determinado pela Relação, foi, após julgamento, proferida nova sentença a julgar a acção improcedente e absolver os réus do pedido.

Inconformado, apelou o autor da sentença, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão, decidindo nos seguintes termos: «julgando-se a apelação parcialmente procedente, improcedente na parte restante, altera-se a sentença recorrida tão só, que assim no mais se mantém, para condenar os réus a pagarem, solidariamente, ao autor a quantia de dezasseis mil euros (€ 16.000,00) e para condenar a ré sociedade a pagar ao autor a quantia de quatro mil euros (€ 4.000,00) acrescidas, ambas, de juros mora, à taxa legal, que se vencerem desde a prolação desta decisão e até pagamento.

Custas em ambas as instâncias, pela ré na proporção correspondente a € 4.000,00, pela ré e réu, solidariamente, na proporção correspondente a € 16.000,00 e pelo autor na proporção restante: artigo 527° do CPC».

Irresignados, recorrem agora os réus de revista, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões (sic): «I. Decidiu o tribunal "a quo" julgar a apelação parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida tão só, que assim no mais se mantém, para condenar os ora Recorrente a pagarem, solidariamente, ao agora Recorrido a quantia de dezasseis mil euros (€ 16.000,00) e condenar a Recorrente sociedade a pagar àquela a quantia de quatro mil euros (€ 4.000,00) acrescidas, ambas, de juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a prolação da decisão.

  1. Baseando tal decisão na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil (concretamente o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano), por aplicação conjugada dos arts. 483.°, n.° l e 484.° do C. C.

  2. É precisamente esta decisão que os Recorrentes vêm por este meio sindicar, com ela não se conformando por entenderem que a mesma incorre em erro de interpretação e aplicação de diferentes normas legais, porquanto se não encontram preenchidos no caso concreto os pressupostos "ilicitude", "culpa" e "nexo de causalidade".

    E não se encontra, desde logo, verificado o pressuposto da "ilicitude" dado que: IV. Os Recorrentes limitaram-se a divulgar factos públicos e conhecidos, fruto da veiculação previamente realizada por outros órgãos de comunicação social nacional e estrangeira e da comunicação do próprio autor, conforme se julgou provado nos presentes autos: "19. Os excertos referidos no quesito 1°, alínea d) e no quesito 3º, alíneas a) e b) reportam-se a divulgação de notícias escritas e publicadas noutros órgãos de comunicação social que, naquelas datas, se destacavam na imprensa diária nacional e internacional, e na elaboração dos quais a Ia R. não teve qualquer intervenção.

    1. Alguns factos (nomeadamente que o A.. era suspeito do desaparecimento da menina …, que foi constituído arguido), antes de divulgados, foram objecto de investigação jornalística e outros (os referidos no quesito 3, alíneas a) e b)) fundamentaram-se em depoimento prestado pelo A. a órgãos de comunicação social ….

    2. No dia 15-05-2007, pelas 9h06m a 1a R apresentou como diariamente o faz uma rubrica do programa "DD" destinado à revista da imprensa escrita daquele dia.

    3. Os apresentadores e jornalistas da K no referido programa DD, nos dias 15 e 16 de Maio de 2007, apenas deram a conhecer ao público, por via de citação oral, o teor das primeiras páginas dos jornais publicados nesse dia." (sublinhados e destacados nossos) V. Isto é, resulta claro da matéria provada que, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, os Recorrente cumpriram a sua função de garantir o rigor, a objetividade e a independência da informação veiculada, atuando num ambiente de liberdade de expressão e de informar (à qual corresponde um direito dos espectadores a serem informados).

  3. Assim é, uma vez ponderado o disposto nos artigos 10.°, n.° 1, alínea b), 23.°, 24.°, n.° 1 e 30.°, n.° 2, ai. d) da Lei n° 32/2003, de 22 de Agosto [Lei da Televisão - vigente à data dos factos]; 26.°, n.° 1, 37.°, n.° 1 e 38.°, n.°s 1 e 2, ai. a) da C.R.P. e 70.°, n.°l e 484.°, estes últimos do C.C., devendo concluir-se que os réus, "em exercício de liberdade de expressão, com independência, sem impedimentos nem discriminações, realiza os fins de informar e ser informado com rigor adequado a obviar a infracção ao bom nome das pessoas envolvidas na informação'' para recorrer à terminologia da lei àquela empregue no próprio acórdão recorrido.

  4. Mais a mais, verificando-se uma colisão de direitos, i.e. entre os direitos à liberdade de expressão e de informação e os direitos ao bom nome e à honra, (artigo 335.° do C.C.), tem entendido a vasta maioria da doutrina e da jurisprudência nacional e internacional (inclusive do TEDH, interpretando e aplicando o art. 10.° da CEDH, que é parte integrante da ordem jurídica portuguesa) deverem prevalecer os primeiros estando em causa interesse público e relevância social.

  5. Interesse e relevância esses que são inegáveis e que ficaram amplamente provados ("27. Desde 03-05-2007 que os órgãos de comunicação social, imprensa escrita, nacional e estrangeira, atribuíram especial relevo ao desaparecimento de EE e foram inúmeras as vezes em que se viram capas de jornais, aberturas de telejornais e capas de revistas em que o destaque principal redundava "Caso FF').

  6. Tendo igualmente ficado provado que, por diversas vezes, jornalistas da Recorrente TVI contactaram o Recorrido no sentido de obter a sua versão dos factos, tendo este - ao contrário do que havia feito e viria a fazer com outros órgãos de comunicação social — sempre se negado a prestar qualquer depoimento.

  7. Mais, a Recorrente salvaguardou que o Recorrido "não será o suspeito principal", isto apesar de ser inegável que estava em curso investigação que sobre este incidia e que havia sido constituído arguido (o que implicaria, nos termos do art. 58.° do C.P.P., todo o contexto visto e considerado, senão a indiciação, pelo menos a suspeita da prática de um crime).

  8. O que explica e contextualiza a referência do Recorrente ao Recorrido nos termos em que foi realizada e a qual não pode deixar de avaliar-se considerando a sua circunstância, isto é, o debate em directo, a pressão inerente a este contexto e o consequente maior informalismo, fluidez e desatenção pela nomenclatura, tudo características que convocam maior tolerância na aferição da sua ilicitude. Esquecê-lo ou negá-lo, descortinando aqui motivo para condenação, seria subsumir erradamente os factos às normas em causa.

  9. Não podendo ignorar-se ainda que a actuação dos Recorrentes ocorreu estando verificadas (e provadas) causas de exclusão da ilicitude, desde logo, a sua actuação no exercício de um direito que deve entender-se prevalecente sobre o direito ao bom nome do autor e, por outro lado, em cumprimento de um dever (o de informar acerca de um assunto com inegável interesse público).

  10. Ora, provando-se, como se provou, que "os factos, antes de divulgados, foram objeto de investigação jornalística", que as referencias consistiram na reprodução do teor de notícias não criadas pelos recorrentes, mas veiculadas por outros órgãos de comunicação social, que, inclusive, tinham por base informações provenientes do órgão de policia criminal a quem estava acometida a investigação, e que se tratavam de factos de inegável interesse público e relevância social, não resta outra hipótese de interpretação e aplicação das normas em causa que não seja semelhante à realizada pelo tribunal de l.a instância e contrária à realizada pelo tribunal a quo, isto é, que conclua pela licitude da conduta dos recorrentes, o que implica a sua absolvição do pedido pelo não preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil. ínsitos no art. 483. do CC, em conjugação com o art. 484.° do mesmo diploma.

    Mais não se encontra também verificado o pressuposto "culpa" dado que: XIV. Referindo-se as informações a um assunto de um mediatismo de uma intensidade e amplitude poucas vezes vistas, o que maximizou o seu interesse público e relevância social, os Recorrentes, órgão de comunicação social e seu colaborador, mais não fizeram do que, em respeito por tal circunstância, reproduzir, como tinham obrigação profissional de fazer, os destaques noticiosos do dia, tendo o cuidado de contactar o Recorrido por mais do que uma vez, a fim de ouvir a sua posição sobre o assunto em causa, infelizmente...

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