Acórdão nº 217/12.5TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução03 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA - Construções, S.A. (A.), instaurou, em 29/05/2012, junto do Tribunal Marítimo de Lisboa, uma ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade BB - Companhia de Seguros, S.P.A.(R.), sucursal em Portugal da sociedade CC, S.P.A.

, com sede em …, na Itália, alegando, em síntese, que: - A A., armadora inscrita no registo nacional, adquiriu em março de 2008 e armou, sob a bandeira portuguesa, a embarcação a motor “DD”, que matriculou no Porto do Douro sob o n.º de registo P-1…-AI para navegação local, no Rio Douro; - Os riscos próprios e de responsabilidade civil do armador relativamente à referida embarcação foram objeto de contrato seguro firmado junto da R., com a duração de um ano, mediante a apólice n.º 007…0, emitida em 22/04/2008, o qual foi sucessivamente renovado, por períodos de um ano, através das apólices n.º 0071…0, de 31/03/2009, e n.º 0071…0, desde 26/03/2010 a 25/03/2011; - No dia 09/03/2011, pelas 11h00, a sobredita embarcação, quando navegava no Rio Douro, ao descrever a curva de ..., na freguesia de …, município de Penafiel, adornou e virou-se com a quilha para cima, acabando por se afundar pelas 19h30, o que foi imediatamente participado à R.; - Do referido acidente resultou a perda total da embarcação, cujo valor, ao preço do mercado, equivale a € 586.087,53; - O custo das operações das tentativas de reflutuação, realizadas pela EE - Mergulhadores Profissionais, Lda, importaram em € 130.000,00 e os custos da fiscalização de tais operações pela autoridade marítima ascenderam a € 38.927,00, que a Capitania embolsou à custa do montante de uma caução, tendo devolvido a quantia sobrante de € 61.073,00 à Delegação do Douro do IPTM, IP, para continuar a garantir os riscos de poluição e demais obrigações legais; - Interpelada a R. para assumir os custos decorrentes daquele naufrágio, a mesma declinou toda a responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização dele decorrente.

Concluiu a A. a pedir que R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 755.014,50, acrescida de juros desde a citação, bem como outras despesas que eventualmente se verifiquem por conta da caução prestada em poder do IPTM ou em excesso para além dela. 2.

A R. apresentou contestação, em sede impugnativa e excetiva, tendo concluído pela procedência da exceção de exclusão do risco e, subsidiariamente, pela improcedência do pedido, com a sua consequente absolvição do pedido. 3.

A A. deduziu réplica, reiterando o inicialmente peticionado.

  1. Findos os articulados, procedeu-se a audiência prévia em 25/05/2015, no decurso da qual foi proferido saneador tabelar e fixado o valor da causa em € 755.014,50, seguindo-se os despachos de identificação do litígio, da enunciação dos temas de prova e de admissão e ordenação de diligências probatórias, nomeadamente a junção de documentos pela A..

  2. Posteriormente, no que aqui releva, foi proferido o despacho de fls. 786, datado de 18/11/2015, a ordenar a notificação da A. para, em 10 dias, justificar por que razão não deu cumprimento ao despacho proferido na audiência prévia em que se determinou que ela apresentasse os documentos solicitados pela R. na contestação.

  3. Subsequentemente, foi proferido o despacho de fls. 815, datado de 18/05/2016, a decretar que os autos aguardassem o decurso do prazo de deserção da instância, atenta a inércia da A. em responder à solicitação contida no despacho de fls. 786, de 18/11/2015.

  4. Em 12/09/2016, foi proferido o despacho de fls. 816, a declarar deserta a instância com fundamento na inércia prolongada da A. em promover o andamento dos autos, considerando o teor do despacho de fls. 815, de 18/05/2016.

  5. Inconformado com tal decisão, a A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a apelação sido julgada improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, conforme o acórdão proferido a fls. 857-861, datado de 14/11/2017, com um voto de vencido no sentido de que a falta de junção, por parte da A., dos documentos solicitados não determina a deserção da instância, implicando antes o prosseguimento do processo, sujeitando-se a A. à aplicação do disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPC.

  6. Novamente inconformada, a A. vem pedir revista para o que formula as seguintes conclusões: 1.ª – A decisão recorrida viola as disposições dos artigos 281.º, n.º 1, e 417.º, n.º 2, “ex vi” do disposto no art.º 430.º, todos do CPC, porque foi proferido sem que as partes, desde logo, a A., houvessem omitido qualquer ato de que dependa a marcha do processo; 2.ª - Assim, em face dos preceitos legais, é evidente que a consequência da falta de apresentação de documentos alegadamente em poder da parte contrária e, por maioria de razão, a falta de justificação da conduta omissiva, é balizada pelo disposto no art.º 417º, n.º 2, do CPC e não pode fundamentar nunca a deserção da instância.

    3.ª - A decisão recorrida viola ainda a disposição do art.º 281º, n.º 1, do CPC, porque foi proferida sem audição prévia das partes após decurso do prazo da deserção e sem fundamento na culpa das partes, desde logo da A., cuja conduta não apreciou nem valorou; 4.ª - Não obsta à precedente conclusão, a prolação do despacho de 18/5/2016, que as partes não podiam impugnar antes da decisão final, não constitui caso julgado, ainda que meramente formal, antes configurando uma ordem à secretaria, que não tem a virtualidade de afetar qualquer direito da A., que não é parte vencida (631.º, n.º 1, do CPC)” 5.ª - Trata-se, aliás, de despacho que nem carece de ser notificado às partes; 6.ª - Não tendo a A./recorrente cumprido o despacho que determinou que juntasse documentos ao processo, nem tendo explicitado, como foi convocada a fazer, os motivos dessa omissão, impunha-se que o processo seguisse os normais trâmites, uma vez que conduta do autor é suscetível de motivar a aplicabilidade do disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPC, ex vi do disposto no art.º 430.º do mesmo diploma e nunca um julgamento de extinção da instância por deserção, como antes já concluído; 7.ª - Só assim não seria quando os documentos a apresentar não contendessem com a prova dos factos em discussão na causa, mas antes com a prova de pressuposto ou requisito do processo, caso em que a falta de apresentação obsta efetivamente à normal marcha do processo; 8.ª - Nestes termos, e nos demais tidos por aplicáveis, deve revogar-se a decisão e substituir-se por outra que ordene seguirem os autos os seus termos normais.

    9.ª - Quando assim não seja julgado, importa considerar que o artigo 281.º, n.º 1, do CPC estatui que, sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses; 10.ª - No regime atual, a deserção da instância deixou de ser automática carecendo de ser julgada por despacho do juiz; 11.ª - No despacho que julga deserta a instância, o julgador terá de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que lhe incumbe efetuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efetivamente, da negligência destas.

    12.ª - Assim, o Tribunal antes de lavrar despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá ouvir as partes de forma a melhor avaliar se existe a falta de impulso processual e se é a eventual e hipotética falta de impulso imputável ao comportamento negligente de alguma delas ou de ambas.

    13ª - No caso em pareço, que o julgador, não ouviu as partes, previamente ao despacho recorrido; 14.ª - Quando o recurso não proceda nos termos peticionados na conclusão 8.ª, deve a decisão recorrida ser ainda revogada e substituída por outra que ordene notificar as partes para se pronunciarem sobre a eventual falta de impulso processual e sobre a negligência da conduta, previamente à prolação de despacho que decida sobre a extinção da instância; 15.ª – Acresce que o acórdão recorrido sustenta que a única questão colocada à consideração deste Tribunal resume-se a saber se, no caso concreto, as partes deviam ter sido ouvidas antes da prolação do despacho que julga extinta a instância por deserção; 16.ª - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, logo se vê das conclusões A) e B) avançadas pela apelante em cumprimento do disposto no art.º 639.º, n.º 1 e 2, do CPC, transcritas no ponto I.B do acórdão recorrido, que a apelante elegeu como principal fundamento do recurso a violação das normas legais dos artigos 281º, nº 1, e 417.º, n.º 2, ex vi do disposto no art.º 430.º, todos do CPC.

    17.ª - Subsiste omissão de pronúncia sobre questão que a Relação devia conhecer por imposição da primeira parte da norma da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º “ex vi” das disposições legais dos artigos 607.º, n.º 2, 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2, e 666.º, n.º 2, todos do CPC; 18.ª - Não obsta a tal conclusão considerar que as razões da discordância mencionadas no voto de vencida, que correspondem, em suma, à posição da...

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