Acórdão nº 1646/11.7TBTNV.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA intentou (em 14 de Novembro de 2011) acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, SA, CC, SA e Companhia de Seguros DD, SA, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento da quantia de 111.846,09€, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, sendo: - 20 000,00€, a título de compensação pela perda de robustez; - 20 000,00€, pelo sofrimento, incómodos e dores; - 25 000,00€, pelo desgosto sofrido por a lesão aludida nos autos o ter impedido, pelo menos, até aos 60 anos de idade, de continuar a sua actividade artística (sapateado tradicional ribatejano); - 45 000,00€, pela impossibilidade de auferir a contrapartida pela participação nos respectivos espectáculos de sapateado tradicional ribatejano; - 1 505,42€, pela perda dos proventos que recebia no exercício da sua profissão de Técnico de Turismo; - 340,67€, pelo preço dos fármacos adquiridos na farmácia e dos débitos hospitalares.
Fundamentou a acção na responsabilidade das Rés pelas consequências da queda sofrida no tapete rolante, instalado pela Ré BB no hipermercado CC de ... que, na altura (29-11-2008), se encontrava a funcionar em condição deficiente (sem sinal visível alertando o público para o perigo do tapete ser escorregadio quando molhado).
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Após citação as Rés apresentaram, separadamente, contestação sustentando a improcedência total da acção. A Ré BB excepcionou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito do Autor. Impugnou a factualidade alegada na petição. A Ré CC excepcionou também a sua ilegitimidade e impugnou parte da factualidade alegada na petição, concluindo que a queda do Autor resultou do mesmo não ter tomado as devidas precauções. A Ré DD admitiu a existência do contrato de seguro relativo à responsabilidade civil da Ré CC com a dedução de uma franquia no valor de 750€, tendo imputado ao Autor a culpa na produção do acidente.
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Após réplica, foi proferido despacho (27/6/2012) que admitiu a intervenção provocada de EE – Companhia de Seguros, SA.
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A Interveniente apresentou contestação pugnando pela sua absolvição por o acidente não se reportar ao âmbito da responsabilidade que assumiu com a BB reportada à instalação, conservação e reparação do equipamento instalado por esta. 4. Foi proferido saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e elaborada base instrutória.
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Realizado julgamento foi proferida sentença (em 22 de Dezembro de 2014) que julgou a acção parcialmente procedente, tendo absolvidos as Rés BB-…, SA e a chamada Companhia de Seguros EE, SA, de todos os pedidos, condenando solidariamente as Rés CC …, SA e a Companhia de Seguros DD, SA (esta com dedução da franquia de 750€), a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) 26.846,09€, como compensação pelo défice funcional de que ficou portador e dos danos patrimoniais que suportou, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (16/11/2011) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal; b) 7.500,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vincendos desde a sentença até efectivo e integral pagamento, à taxa legal.
Absolveu as referidas Rés do mais peticionado.
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Autor e Rés apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (por acórdão de 26 de Janeiro de 2017), julgado parcialmente procedente a apelação das Rés CC e DD Companhia de Seguros, SA (esta com dedução da franquia de 750€), a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) 8500,00€, como compensação pelos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal que estiver em vigor, desde a data da sentença até integral pagamento; b) 4673,05€, pelos danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (16/11/2011) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal que estiver em vigor.
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Interpôs o Autor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões (súmula): ü A prova produzida não autoriza a que seja conferida culpa do Autor no evento ocorrido; ü Ter sido provado que o tapete rolante estava molhado não permite concluir que o Autor sabia que o tapete rolante estava molhado; ü Ter sido provado que o Autor caiu com as compras em ambas as mãos não permite concluir, como o Tribunal da Relação o fez, que o Autor ao colocar um pé no tapete rolante não colocou a mão no corrimão quando caiu de costas desamparado; ü O Acórdão recorrido ao atribuir culpas ao Autor violou, assim, o disposto no artigo 570.º, do CC; ü De qualquer modo, nunca a concorrência de culpas poderia ser em igual medida para as partes porquanto a verificar-se omissão do dever do Autor seria circunstancial e mesmo por momentânea distracção, que um qualquer aviso podia evitar; por sua vez a omissão da Ré CC constitui uma omissão reportada a um acto de gestão determinante na conduta do Autor porque referente à não colocação de um painel informativo com menção “PERIGO ESCORREGADIO QUANDO MOLHADO” (que depois colocou); ü A verificar-se concorrência de culpas a percentagem do Autor não deveria ir além dos 10%; ü O Acórdão recorrido igualmente não fixou correctamente o valor da indemnização pelos danos morais respeitantes ao sofrimento e desgosto sofridos por causa do acidente, designadamente por ficar impedido de desenvolver a sua vida artística de fandanguista, que fazia intensamente; ü Tendo presente ter ficado com um deficit funcional permanente da integridade física de 2 pontos, ter sofrido um quatum doloris de 5, ter ficado impedido de frequentar os palcos e dançar o fandango, ficar impedido de formar bailarinos, ficar impedido do gozo do exercício da sua arte de fandanguista aos 41 anos de idade, a indemnização no mínimo deveria ser fixada em 75 000,00€.
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A Ré DD Companhia de Seguros, SA interpôs recurso subordinado, concluindo (súmula): ü A queda do Autor deu-se apenas por este ter abordado o tapete rolante com ambas as mãos ocupadas com os sacos de compras, sem que se tivesse agarrado aos corrimões próprios do equipamento e sem que nestes se pudesse apoiar em busca de equilíbrio e em caso de desequilíbrio inesperado; ü No percurso que fez até alcançar o tapete rolante o Autor calcorreou pavimento onde existia água exigindo maior diligência e cuidados redobrados na abordagem e utilização do tapete rolante; ü A existência de qualquer painel de aviso de perigo nestas circunstâncias seria despiciendo e destituído de qualquer utilidade; ü O douto acórdão fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 483.º, 563.º, 570.º e 572.º, todos do CC, sendo que a correcta interpretação dos mesmos imporia decisão no sentido da responsabilização exclusiva do Autor pela acidente e, no limite, uma eventual repartição de culpas na proporção de 60% para o Autor e 40% para Ré CC.
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Em contra alegações os Recorridos defendem a improcedência dos respectivos recursos.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se colocadas nos recursos interpostos as seguintes questões: Ø Da culpa do Autor (lesado) na produção do acidente (recurso do Autor e recurso subordinado da Ré DD Companhia de Seguros, SA) Ø Do valor dos danos não patrimoniais a fixar ao Autor (recurso do Autor) Os factos provados 2.1. O Autor nasceu em 3 de Maio de 1967.
2.2. Por acordo, titulado pela apólice com o n.º …, com efeitos desde 1 de Abril de 2008 até 31 de Março de 2009, a Ré CC …, S.A., na qualidade de “Segurado”, e a Ré Companhia de Seguros DD – …, S.A., na qualidade de “Segurador”, estipularam, além do mais, o seguinte: “O Segurador é responsável pelo pagamento das indemnizações que o Segurado seja obrigado a satisfazer, incluindo custos, honorários e despesas dos reclamantes, de acordo com a legislação em vigor de qualquer dos países, decorrentes da sua Responsabilidade Civil legal directa, indirecta, solidária ou subsidiária, por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, ocorridos durante a vigência do Seguro e causados a terceiros por acções ou omissões no exercício da sua actividade empresarial”.
2.3. No âmbito deste acordo a Ré CC Hipermercados, S.A., e a Ré Companhia de Seguros DD – …, S.A., acordaram uma franquia, no valor de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), a cargo da primeira em caso de sinistro.
2.4. Em 29 de Novembro de 2008, por acordo, titulado pela apólice com o n.º …, a Ré BB, S.A., transferiu para a Chamada EE - …, S.A., a responsabilidade pela instalação, conservação e reparação de elevadores, escadas e tapetes rolantes.
2.5. No âmbito deste acordo a Ré ..., S.A., e a Chamada EE - Companhia de Seguros, S.A., acordaram uma franquia, no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), a cargo da primeira em caso de sinistro.
2.6. No passado dia 29 de Novembro de 2008, o Autor foi fazer compras ao hipermercado “CC de ...”, sito na Rua …, em ... (quesito 1º BI).
2.7. Pelas 18,40 horas, o Autor pagou numas das caixas o preço dos produtos que adquiriu e dirigiu-se ao seu veículo automóvel, que estava estacionado no parque do hipermercado situado no piso imediatamente inferior àquele em que se encontrava (quesito 2º BI).
2.8. Para o efeito o Autor dirigiu-se ao tapete rolante que, no seu trajecto descendente, começa naquele mesmo piso onde se situam as caixas (quesito 3º BI).
2.9. O tapete rolante estava em funcionamento e apresenta uma inclinação (quesito 4º BI).
2.10. O Autor colocou um pé no tapete rolante, alçou o outro pé, escorregou no piso deste tapete e caiu de costas, já sobre o mesmo, desamparado, com as compras em ambas as mãos (quesito 5º BI).
2.11. A zona do piso onde o tapete rolante fica disponível e que o Autor acabava de calcorrear antes de alcançar o tapete estava toda molhada (cfr...
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