Acórdão nº 31476/15.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução22 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA e mulher BB demandaram (Comarca de Lisboa-Lisboa-Inst. Central-1ª Secção Cível-J7), em autos de ação declarativa com processo na forma comum, Banco CC, S.A.

(doravante BCC) e DD, S.A.

(doravante NB), peticionando a respetiva condenação solidária no pagamento ao Autor do equivalente em Euros da quantia de USD1.415.000,00 e à Autora do equivalente em Euros da quantia de USD750.000,00, acrescendo juros de mora. Mais pretenderam que se conhecesse, a título incidental, da nulidade parcial das deliberações do Banco de Portugal (doravante BdP) que discriminam.

Alegaram para o efeito, muito em síntese, que adquiriram junto do BCC, que agiu como intermediário, obrigações emitidas por empresas pertencentes ao Grupo CC (doravante CC).

Fizeram-no na convicção, criada pela rede comercial do CC, da certeza da restituição pontual do capital investido.

O Réu CC omitiu, porém, os seus deveres de informação quanto ao produto que intermediava, que, afinal, apresentava risco, sendo certo que, como sabia, os Autores eram clientes de perfil conservador, não buscando investimentos de risco.

Atingidas as maturidades, não foram os Autores reembolsados dos capitais investidos nem lhes foram pagos os respetivos juros.

Incumbe por isso ao CC indemnizar os Autores pelo prejuízo que estes sofrem.

E tendo o BdP aplicado ao CC medida de resolução e constituído o NB, ficou também este obrigado ao dito reembolso, pois que para ele foi transmitida pelo CC uma provisão destinada a efeito que tal, além de que o NB assumiu publicamente que iria proceder ao reembolso da dívida do CC vendida no retalho do CC.

Além disso, a deliberação do BdP que excluiu da transferência do CC para o NB responsabilidades assumidas na intermediação financeira traduz violação de lei, pelo que é nula.

Acresce que uma das empresas que emitiu as obrigações fora vendida anteriormente à medida de resolução, deixando assim de integrar o CC, razão pela qual as respetivas obrigações não ficaram abrangidas pela dita exclusão.

Contestaram as Rés, concluindo pela improcedência da ação.

Seguindo o processo seus termos, veio a ser proferida decisão que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu CC.

Foi depois proferida sentença que julgou improcedente a ação, sendo o Réu NB absolvido do pedido.

Inconformados com o decidido quanto à improcedência da ação, apelaram os Autores.

Fizeram-no sem êxito, pois que a Relação de Lisboa confirmou a sentença.

Ainda inconformados, interpuseram os Autores revista excecional.

A competente formação admitiu a revista assim interposta.

+ Da respetiva alegação extraem os Recorrente as seguintes conclusões: (…) III. Da absolvição do pedido - violação de normas legais e constitucionais - erro de julgamento e nulidades 4ª. O Acórdão recorrido considerou legais e constitucionais as Deliberações do BdP, não se lhe afigurando que as mesmas ofendam quaisquer normas constitucionais ou legais em vigor, embora tenha analisado normas constitucionais que não foram chamadas à colação pelos Autores/Recorrentes e deixado de apreciar as normas e princípios constitucionais e legais que os Autores expressamente invocaram o que constitui uma nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

  1. Admitindo-se que as Deliberações do BdP de 29/12/2015 se limitam a reiterar e clarificar aquilo que já havia sido deliberado pelo BdP em 03/08/2014, como o NB pretende fazer crer e a Sentença e Acórdão também o defendem expressamente, não se vislumbra como é que tal interpretação se coaduna, designadamente, com a “Retransmissão” prevista nestas Deliberações.

    Da natureza e conteúdo das Deliberações do BdP "Perímetro" e "Contingência" de 29/12/2015 6ª. Compulsadas as Deliberações do BdP de 29/12/2015, verifica-se que, em rigor e ao contrário do que o BdP e o NB pretendem fazer crer, as mesmas introduzem em alguns segmentos, verdadeiras alterações relativamente às relações jurídicas disciplinadas, não se limitando apenas a clarificar e reafirmar o que já constava da deliberação de 03/08/2014.

  2. As deliberações do BdP de 29/12/2015, nos segmentos em que alteram subreptícia e retroativamente o conteúdo da deliberação de 03/08/2014, sempre deverão ser consideradas parcialmente nulas (tal como as deliberações de 03 e 11 de agosto de 2014), maxime, na parte em que excluem da transferência para o NB as responsabilidades assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição dos instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o CC, nos termos do já invocado quer na PI quer no Recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

  3. São nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito ou de um princípio fundamental (artigo 161.°, nº 2, alínea d), do CPA).

  4. As deliberações em causa, proferidas em momento muito posterior à entrada em juízo da presente ação têm por finalidade produzir alterações na ordem jurídica existente no momento em que a ação foi proposta, para que aquilo que na altura constituía um dos fundamentos do direito dos Autores deixasse de o ser, independentemente dos efeitos entretanto produzidos.

  5. Ora, tal pretensão ofende claramente direitos fundamentais dos cidadãos constitucionalmente consagrados, designadamente o direito à tutela jurisdicional efetiva, que assim é totalmente subvertido por uma retroatividade totalmente abusiva através da qual é possível, no presente, alterar as “regras de jogo” vigentes num determinado momento anterior com efeitos sobre os factos e os atos então praticados! 11ª. Acresce que, o que se clarifica é que não foram transferidos para o NB quaisquer passivos que, à data da resolução de 03/08/2014, fossem contingentes ou desconhecidos; sendo certo que o passivo relativo à obrigação de reembolso da dívida do CC, nos termos das normas contabilísticas, não era “contingente” ou “desconhecido”, daí ter sido constituída uma provisão para esse efeito, assumindo-se a mencionada obrigação de reembolso.

  6. Por outro lado, e no que respeita ao facto de o presente processo estar identificado e incluído no Anexo às Deliberações do BdP de 29/12/2015, pretendendo-se, desse modo, excluir a responsabilidade do NB, parece-nos que tal situação é absolutamente ineficaz ultrapassando, mesmo, o BdP os seus poderes como entidade supervisora.

  7. Nos termos do RGICSF, incumbe ao BdP aplicar a medida de Resolução, selecionando e identificando os ativos e passivos a transmitir; porém, é nosso entendimento que não cabe ao BdP determinar quais as ações judiciais que podem ser propostas contra o NB e quais as responsabilidades que lhe podem ser assacadas, sob pena de violação do princípio da separação de poderes e clara inconstitucionalidade.

  8. As deliberações em causa, na medida em que expressamente indicam quais os processos que não podem prosseguir contra o NB, entre os quais se conta o presente, estão viciadas de usurpação de poder, sendo, como tal, nulas, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos (artigo 161.°, nº 2, alínea a), do CPA).

  9. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade (artigo 162.°, nº 2, do CPA); pelo que, também o Acórdão recorrido, ao invocar como fundamento da sua decisão tais deliberações quanto a este aspeto, é nulo, nulidade que se argui com todas as consequências legais, nos termos do estabelecido no artigo 161.°, nº 2, al.

    a), do CPA, pois viola o disposto nos artigos 2.° e 205.°, nº 2, ambos da CRP.

  10. Por último, das Deliberações do BdP de 29/12/2015 deduz-se que não são objeto de deliberação, nem por ela afetados, quaisquer passivos criados ou assumidos pelo NB, nem factos ocorridos após 03/08/2014 (data da deliberação do BdP de Resolução).

  11. Ora, nos presentes autos, como decorre da PI, os Autores/Recorrentes pretendem a condenação do Réu NB no pagamento de uma indemnização correspondente ao montante do investimento efetuado em obrigações, com fundamento, não só na responsabilidade do Réu CC pela intermediação financeira e sua transmissão para o NB, mas ainda: • Na assunção pelo NB da obrigação do seu reembolso; ou • Na assunção pelo NB da garantia do seu pagamento; ou, ainda • Na responsabilidade objetiva do NB pela obrigação de indemnização pelos prejuízos causados pelo CCI (atual Haitong) que passou a ser detido a 100% pelo NB aquando da medida de Resolução.

  12. Em face de tudo o exposto, entendemos que deverá ser revogado, com todas as consequências legais, o Acórdão recorrido, que absolveu o Réu NB do pedido, uma vez que viola, entre outros, o disposto nos artigos 2º e 205º, n.º 2, ambos da CRP, sendo, por isso, ademais, inconstitucional.

    IV. Princípio da Separação de poderes. Da inconstitucionalidade da interpretação das disposições normativas do RGICSF, maxime dos artigos 145º-A, 145º-B, 145º-G e...

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