Acórdão nº 1732/14.1TBTVD-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução16 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e BB, vieram, por apenso à execução que lhes foi movida, a eles e a outros, pela exequente Caixa Geral de Depósitos, deduzir embargos de oposição à execução, pedindo que fosse decretada a extinção da execução.

Alegam para o efeito que, em 2009, o embargante cedeu a quota que detinha na sociedade subscritora da livrança dada à execução, facto que foi dado a conhecer ao banco exequente, tendo os embargantes requerido nessa altura a sua desoneração das obrigações assumidas na qualidade de avalistas. Mais alegam que a conta caucionada foi sendo sucessivamente renovada até 2012, tendo sido surpreendidos pelo acionamento da livrança, tendo confiado que o Banco exequente não o iria fazer – tendo este agido com abuso de direito, traindo com a sua atuação e comportamento, a confiança gerada nos embargantes.

Admitida a oposição, a exequente tomou posição no sentido da sua improcedência.

Após julgamento, foi proferida sentença, nos termos da qual os embargos foram julgados procedentes, determinando-se a extinção da execução quanto aos embargantes e levantando-se as penhoras.

Na sequência de recurso de apelação da embargada/exequente Caixa Geral de Depósitos, a Relação de Lisboa, por acórdão proferido nos autos, revogou a sentença recorrida e determinou a improcedência dos embargos.

Inconformados, interpuseram os embargantes o presente recurso de revista, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões: 1ª – O direito de resolução de um contrato, de qualquer contrato, constitui um direito potestativo cujo exercício depende da vontade do respectivo titular. 2ª – A possibilidade da sua discussão em juízo, resulta naturalmente da sua invocação (necessária) pelo interessado. 3ª – Concomitantemente, o exercício de qualquer contradireito que vise eliminar ou paralisar o exercício desse direito potestativo de resolução, torna-o ineficaz, consubstancia o exercício duma excepção propriamente dita ou de direito material, cuja arguição está na exclusiva disponibilidade da contraparte. 4ª – A possibilidade da discussão desta excepção em juízo, depende da sua prévia arguição, extrajudicialmente ou nos articulados da acção correspondente. 5ª – Se arguida extrajudicialmente, antes da contestação, o efeito dessa arguição fica produzido, bastando à parte nela interessada trazer tal facto ao processo, “com o que a excepção em sentido próprio ganha o tratamento das objecções”. 6ª – No caso concreto, nem extrajudicialmente nem na contestação à oposição à execução, o banco embargado, como contraparte do contrato de preenchimento da livrança dada à execução, arguiu qualquer falta de poderes de representação da sociedade subscritora da livrança e devedora principal, relativamente à representação do sócio cedente na carta em que ela lhe comunicou a resolução do pacto de preenchimento. 7ª – A questão da invocada falta de poderes representativos por parte da firma subscritora, na representação do sócio cedente, na comunicação do pacto de preenchimento, com fundamento em justa causa, constitui uma “excepção em sentido próprio”, de direito material, na exclusiva disponibilidade da contraparte desse pacto, no caso do banco embargado, a qual não podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal. 8ª – De facto, face à total omissão de arguição dessa excepção como fundamento da contestação à oposição à execução, o tribunal não podia dela tomar conhecimento nos termos do disposto no art. 572º, al- b), ex-vi do art. 731º do CPC. 9ª - E, em qualquer caso, o Venerando Tribunal da Relação incorreu em errada interpretação e aplicação do princípio fundamental segundo o qual “toda a defesa deve ser deduzida na contestação”, expressamente consagrado no art. 573º do CPC. 10ª - A resolução foi efectuada com fundamento no facto de o sócio avalista ter deixado de ser sócio da sociedade subscritora da livrança. O douto acórdão recorrido concluiu – e bem – que “Atenta a ocorrida cessão de quotas, nesse contexto, gerou-se o direito dos embargantes resolverem por justa causa o pacto de preenchimento”. 11ª – Prescreve o art. 436º do C. Civil que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte. Por sua vez, o art. 224º, nº 1 do C. Civil estipula que “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”. 12ª – A resolução consubstancia uma declaração de vontade: mediante ela, uma das partes comunica à outra que pretende cessar a relação contratual que as unia. Daqui decorre que ao tribunal compete apenas verificar a existência dos fundamentos invocados ou da regularidade do respectivo exercício: “O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo”- Batista Machado, “Pressupostos da Resolução por incumprimento”, “Obra Dispersa, I, pags. 130/131. 13ª – Em sede de interpretação das declarações, vigora entre nós a teoria da impressão do destinatário, ínsita no art. 236º, nº 1 do C. Civil, “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, sendo certo que, no caso dos negócios formais “… não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.” (art. 238º, nº 1 do C. Civil). 14ª – Em causa, o teor da carta de 27/08/2009, onde a sociedade subscritora da livrança, note-se, comunicava à portadora desta que o aludido sócio já não fazia parte dos órgãos sociais da empresa desde 1/09/2009, deixando de ter todas as responsabilidades inerentes, tendo comprovado tal facto mediante a anexação à carta da cometente certidão de matrícula da qual constava o registo da cessão de quotas na respectiva Conservatória do Registo Comercial. 15ª – Perante o texto da carta, releva desde logo a sua construção: a subscritora da livrança comunica que o sócio em causa deixou de ter todas as responsabilidades inerentes, porque deixou de ser sócio. 16ª – Analisando todo o iter negocial, o facto de na carta se expressar o fundamento e os motivos, que são elementos típicos da resolução, tem que se concluir que estamos perante uma resolução convencional e não uma denúncia. 17ª – Ora, perante todos os factos dados como provados, a única conclusão possível é a de que a sociedade devedora e contraente principal do contrato de preenchimento a que os autos se reportam, agiu, inequivocamente, em representação do avalista sócio e cedente da quota cedida e que esta tinha conhecimento e tolerou essa actuação, permitindo assim que fosse criada uma situação de aparência de representação e de confiança, por parte da exequente CGD. E que assim foi demonstraram-no os factos provados à saciedade. Desde logo, nunca, mas nunca a exequente/embargada, na contestação à oposição à execução, alegou ou excepcionou esta falta de representação da sociedade devedora. Também excepcionalmente não há qualquer resposta ou carta do banco credor a questionar a falta de representação da sociedade devedora para levar a cabo tal comunicação de resolução. 18ª – “A procuração tolerada (Duldungsvollmacht) ocorre quando alguém invoca poderes de representação de outrem que, embora lhos não tenha expressamente concedido, tem conhecimento e tolera essa situação de aparência de representação de confiança, por parte de terceiros, na efectiva vigência dos invocados poderes de representação”. 19ª – “Na ordem jurídica portuguesa, a procuração tolerada tem o valor de procuração tácita quando a existência dos poderes de representação seja de concluir, com toda a probabilidade, do comportamento tolerante daquele de quem a representação é invocada. A concludência deve resultar do comportamento tolerante do representado e não do comportamento daquele que invoca a qualidade de procurador. O fundamento da procuração, neste caso, reside na autonomia privada e o comportamento tolerante do representado constitui uma declaração negocial tácita”. 20ª – Ora, no contexto de todos os factos provados, e não apenas daqueles que estão destacados nas alíneas a) a f) da pagina 37 do douto acórdão recorrido e que alicerçaram a douta decisão recorrida, é forçoso concluir que efectivamente existiu uma procuração tolerada que tem o valor de procuração tácita quanto à existência dos poderes representativos a cargo da firma subscritora da livrança. 21ª – Se cerca de um ano antes do envio da controvertida declaração de resolução já o sócio cedente tinha...

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