Acórdão nº 2341/13.8TBFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução16 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

No 3º Juízo Cível do Tribunal do ..., AA requereu que se procedesse a inventário judicial para partilha da herança aberta por óbito de BB, alegando que este faleceu no dia 9/5/19, na freguesia do ... (...) e que tinha residência também no ....

Mais alega que o falecido fez testamento e deixou bens, sendo que, como herdeiras legitimárias, deixou, além do cônjuge CC, as suas três filhas, DD (requerente do inventário), EE e FF.

Para cabeça de casal, indicou a viúva do inventariado.

Esta foi nomeada cabeça de casal nos autos, tendo prestado declarações nessa qualidade, pedindo, a final, um prazo não inferior a 30 dias para a junção da relação de bens.

Porém, tendo-lhe sido concedido o prazo de 30 dias para apresentar aquela relação, veio a cabeça de casal invocar a impossibilidade superveniente da lide, alegando que, no caso, é aplicável à sucessão por morte a lei britânica e que, tendo o falecido disposto validamente, por testamento, da totalidade dos seus bens, não existe qualquer património a partilhar.

Notificadas as demais interessadas para se pronunciarem, as herdeiras DD e FF vieram dizer que entendem haver lugar a inventário.

Foram juntos Pareceres por parte da cabeça de casal e daquelas duas outras herdeiras.

Seguidamente, foi proferida decisão, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, dada a inexistência de bens a partilhar.

Inconformadas, as herdeiras DD e FF interpuseram recurso de apelação daquela decisão, tendo, então, sido proferido o Acórdão da Relação de 7/3/17, que, julgando procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e determinou o prosseguimento do processo de inventário em causa.

Inconformada, a cabeça de casal interpôs recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos: 1.

BB faleceu em ... de 2010 no ... no estado de casado com CC 2.

O falecido nasceu em Portugal, no dia ... de 1941, no sítio de ...

  1. Consta do assento de nascimento que: “Em virtude de declaração de opção de nacionalidade, prestada perante a Câmara Municipal do ..., no dia dois do corrente, pelo pai do registado, este passa a seguir a nacionalidade inglesa, como consta do respetivo termo lavrado no livro competente desta Conservatória, sob o número 64” (sublinhado nosso).

  2. O falecido outorgou testamento cerrado, em 1 de Março de 2010, notarialmente aprovado em 2 de Março de 2010 com o seguinte conteúdo: “Lego à minha esposa CC,(…) todos os meus bens móveis, bem como todos os meus bens imóveis situados na Região autónoma da ... e no reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, que à data da minha morte me pertençam, no todo ou em parte, naqueles se incluindo os direitos de crédito (e respectivas garantias que estejam associadas aos mesmos) de que sou titular, e que subsistam à data do meu falecimento, emergentes dos contratos particulares que passo a identificar: Um. O celebrado entre mim e a sociedade “GG”, pessoa colectiva número cinco, um, um, dois, oito, zero, zero, sete, seis, com sede na cidade do ..., aos seis dias do mês de Dezembro do ano de 2007, nos termos do qual vendi à referida sociedade anónima, pelo preço global de três milhões e cento e cinquenta e um mil euros, quatrocentos e sessenta e quatro mil acções ordinárias da Série “A” de que era titular na sociedade “HH”, pessoa colectiva número cinco, um, um, zero, zero ,um, sete, cinco, quatro, com sede no .... Dois, O celebrado entre mim e a sociedade “II”, pessoa colectiva número cinco, um, um, dois, cinco, três, oito. Nove , três, com sede na sociedade do ..., aos seis dias do mês de Dezembro do ano de dois mil e sete, nos termos do qual vendi à referida sociedade anónima, pelo preço global de cinco milhões e setecentos e vinte e um mil euros, trezentos e dez mil acções preferenciais da série “C”, de que era titular na referida sociedade “HH”. E bem assim, o direito de preenchimento das livranças que se encontram anexas aos contratos identificados em “um” e “dois” deste testamento, nos termos que constam do denominado “Anexo 3” dos referidos contratos. Como consta do meu assento de nascimento e seus averbamentos, sou de nacionalidade britânica, pelo que posso dispor livremente de todos os meus bens, de harmonia com a lei inglesa, que pretendo que seja aplicada, com afastamento de qualquer outra, e em conformidade com o disposto no Código Civil português.” 5.

    O testamento a que se alude em 4. foi redigido e assinado na cidade do ..., onde residia o testador, como do mesmo e da certidão de óbito consta (fls. 94 e 8, respectivamente).

  3. BB casou com II, no dia 17.06.1970, na área da 3ª CRC de Lisboa, tendo sido decretada a separação de pessoas e bens entre os cônjuges por sentença de 27.11.1974, convertida em divórcio por sentença de 21.11.1975 – fls. 130 a 132.

  4. BB casou com JJ, no dia 4.03.1976, no Registo Civil de Westminster, Inglaterra, tendo sido decretado o divórcio entre os cônjuges por decisão da CRC de 7.01.2008 – fls. 130 a 132.

  5. BB casou com CC, no regime de separação de bens, no dia 17.8.2009, no ..., constando da certidão de casamento como morada do ...e da 2ª ... – fls. 133 a 137.

  6. CC é natural da ....

  7. AA nasceu no dia 8.1.1972, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de ... – fls. 142.

  8. EE nasceu no dia ....1976, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de JJ– fls. 147.

  9. No assento de nascimento da EE encontram inscritos os seguintes averbamentos: - Averbamento nº 1, de 2008-10-30 - Perdeu a nacionalidade portuguesa nos termos da alínea da base dezoito da Lei nº 2098 de 29 de Julho de 1959, por efeito de declarações prestadas pelos pais. Boletim nº 133. Maço 6. Ano 1978. Em 29 de Março de 1978; - Averbamento nº 2, de 2008-10-30 - Casou catolicamente com LL, em 8 de Julho de 2006, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ... e alterou o nome para EE , por efeito do casamento. Assento nº 280 de 2006 da Conservatória do .... Em 14 de Julho de 2006.

    - Averbamento nº 3, de 2008-11-04 - Adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 4º da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro. Processo nº 11000-P/2008 da Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa. (fls. 148).

  10. FF nasceu no dia ....1981, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ..., e é filha de BB e de JJ – fls. 152.

  11. No assento de nascimento da FF encontra-se inscrito o seguinte averbamento: - Averbamento nº 1, de 2008-07-30 Casou catolicamente com MM, em 26 de Julho de 2008, na freguesia do ... (São Pedro), concelho do ... e alterou o nome para FF ..., por efeito do casamento. Assento nº 608 de 2008 da Conservatória do ... (fls. 153).

  12. AA, EE ... e FF ... foram registadas nos serviços consulares britânicos – fls. 165 a 176.

  13. AA e FF ... residem em Lisboa, vivendo ... em Londres.

    2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. De acordo com o art. 62.º do código civil, conjugado com o art.31.º/1 do mesmo diploma, a sucessão por morte, quer voluntária quer legal, é regida pela lei nacional do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste. No caso em apreço, resulta da conjugação dos arts. 62.º, 31.º/1 e 20.º do Código Civil, bem corno da integração da lacuna suscitada pelo art. 20.º/2 do código civil com base no princípio da conexão mais estreita com um dos sistemas vigentes dentro da ordem jurídica da nacionalidade, que é aplicável o direito do inglês.

  14. A lei inglesa considera-se competente para reger a sucessão mobiliária, bem como a sucessão quanto aos imóveis situados em Inglaterra. O retorno para a lei portuguesa quanto aos imóveis situados em Portugal não é de aceitar perante o disposto no art. 18.

    0/1 do código civil. Mesmo que se adotasse a posição contrária, o retorno seria paralisado pelo disposto no art. 19.

    0/1 do código civil. Por estas razões, a lei inglesa é chamada a reger toda a sucessão.

  15. A aplicação do direito inglês à sucessão do de cujus radica em valores básicos e princípios fundamentais do direito internacional privado (mormente o princípio da conexão mais estreita, o princípio da personalidade dos indivíduos e o princípio democrático), é postulada pela justiça deste ramo do direito e, por esta via, pela justiça da ordem jurídica.

  16. As disposições testamentárias feitas pelo de cujus são válidas e eficazes perante o direito inglês, razão por que as filhas, em caso de necessidade, poderão requerer da herança atribuições patrimoniais para o seu sustento, conforme o permite a lei inglesa no Inheritance (provision for family and dependants) act 1975.

  17. A ordem publica é uma clausula geral, de caracter excecional, impreciso e atual, que vai evoluindo e possui um conteúdo indeterminado, que terá que ser aferida em concreto, perante cada caso, e em função das circunstâncias da realidade histórica e social.

  18. A cláusula de ordem pública internacional caracteriza-se pela sua excecionalidade: esta cláusula só intervém como limite à aplicação do direito estrangeiro quando a solução dada ao caso for não apenas divergente da que resultaria da aplicação do direito português, mas também manifestamente intolerável.

  19. A ordem pública internacional não pode ser confundida com a ordem pública interna: os princípios e regras veiculados pela ordem pública internacional representam um núcleo muito mais restrito do que aqueles que subjazem à ordem pública de direito material. As regras e princípios imperativos da lei ordinária só excecionalmente relevam para a reserva de ordem pública internacional.

  20. O direito à legítima atribuído pela lei portuguesa aos descendentes do autor da sucessão é de ordem pública interna, e não matéria de ordem pública internacional pelo que, ao concluir em sentido diverso o acórdão recorrido violou o artigo 22 nºl do CC.

  21. O direito à legitima estabelecido na lei portuguesa representa uma opção político-legislativa...

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