Acórdão nº 6115/15.3T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA, S.A.

intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe: “

  1. A quantia de € 58.558,00, acrescida de juros vencidos desde 21.3.2004, no valor de € 59.739,40, e vincendos até integral pagamento; b) A quantia contratada e fixada a título indemnizatório de despesas judiciais e/ou extrajudiciais causadas pelo incumprimento atempado do contrato de € 5.000,00.”.

    Para tanto, alegou, em síntese, que: No dia 9 de Março de 2004, foi constituída a sociedade “CC - Caixilharia de Alumínios, Lda, cujo objeto consistia na fabricação de produtos metálicos para a construção civil, sendo seus sócios, com quotas iguais, DD, EE e o ora réu, BB.

    Em 5 de Agosto de 2004, o réu subscreveu um documento em que, além do mais, declarou que, em 7 de Julho de 2004, havia celebrado com o IEFP contrato de concessão de incentivos financeiros destinando-se os fundos obtidos nesse contrato, bens com ele obtidos e atividade nele referida a ser integrados e explorada através dos sócios da sociedade CC, reconhecendo o direito de compropriedade desses fundos, bens e atividade, na proporção de 1/3 para cada um dos identificados sócios da referida sociedade.

    Por escritura de 22/03/2005, os três sócios procederam à dissolução da sociedade CC, Ld.ª, tendo nessa mesma data, o EE e o BB subscrito documento em que ficou consignado que o primeiro tinha vendido ao segundo, por € 20.000,00, a quota que detinha naquela sociedade, desvinculando-se reciprocamente de quaisquer compromissos, contas ou obrigações, anteriormente assumidas.

    O réu acordou, então, com o DD desenvolver um novo projeto empresarial, que passaria pela constituição entre ambos de uma sociedade, nos termos que constam do documento de fls. 29, intitulado “contrato promessa de constituição de sociedade”.

    Sucede que, apesar de interpelado pelo DD, para cumprir o contrato promessa e marcar a escritura, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato, o réu recusou fazê-lo.

    Nestas circunstâncias, assiste ao outorgante DD, nos termos clausulados no contrato promessa, o direito a exigir o pagamento de € 58.558,00, acrescidos de juros legais, conforme ali estipulado.

    Esse crédito foi, no entanto, cedido à ora autora, cedência que, oportunamente, DD comunicou ao réu.

    1. O réu contestou. Por exceção, invocou a ilegitimidade ativa da autora, afirmando não ter sido celebrado qualquer contrato de cedência do alegado crédito entre o identificado DD e a autora. Por impugnação, alegou, em síntese, que: Na sequência da dissolução e liquidação da sociedade “CC”, os respectivos bens foram adjudicados ao réu que pagou as tornas correspondentes aos outros sócios.

      A partir de então, o réu passou a exercer a atividade comercial em nome pessoal e de forma exclusiva.

      O intitulado contrato-promessa de constituição de sociedade foi elaborado após ter sido assinado em branco pelo réu, pelo que não corresponde a qualquer declaração de vontade sua, sendo que o aludido contrato sempre seria nulo, por não conter a descrição dos requisitos essenciais do contrato prometido.

      Para a hipótese de assim não ser entendido, invocou a prescrição dos juros peticionados, nos termos previstos no art. 310º, al. d), do CC.

      Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a condenação da A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização no valor de € 10.000,00.

    2. Foi proferido despacho saneador em que, além do mais, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade suscitada.

    3. Realizado o julgamento, foi, então, proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente em consequência, se condenou o réu a pagar à autora: a) - A quantia de € 58.558,00, acrescida dos juros de mora já vencidos, que se fixam em € 10.000,00, bem como dos que se vencerem desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal.

  2. - A quantia de € 5.000,00, a título de indemnização, por despesas relativas à cobrança do crédito.

    1. Inconformado com tal decisão, o réu interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão em que, revogando a sentença, julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido.

    2. Irresignada com esta decisão, veio, agora, a autora, interpor recurso de revista.

      Nas suas alegações, em conclusão, disse: 1. A decisão do Tribunal da Relação de … que deu por totalmente procedente a apelação, revogando em consequência a decisão do Tribunal de Primeira Instância, absolvendo o Réu de todos os pedidos, não se pode manter por, face à aplicação das normas jurídicas aplicadas, violar o sentido de justiça que se requer.

    3. Pelo que o presente recurso fundamenta-se nos termos do artigo 674º nº 1 alínea a), do Código do Processo Civil, na violação da lei substantiva.

    4. Visando o presente recurso apreciar a decisão do Tribunal da Relação de … que foi no sentido da nulidade do contrato promessa de constituição de sociedade por aplicação das normas constantes dos artigos 410º, nº 1 do Código Civil, em conjugação com os artigos ,1, f) e 42º, do Código das Sociedades Comerciais que, em consequência, deu procedência integral ao recurso do réu, aí recorrente.

    5. Assim quanto à determinação das normas de direito substantivo aplicáveis, entende-se que as normas a aplicar às relações entre os outorgantes do "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade" não eram as aplicadas pelo Tribunal da Relação de …, mas sim as disposições constante do artigo 36º do Código das Sociedades Comerciais, por, aquando a assinatura do contrato a sociedade, a sociedade já ter iniciado a atividade pelas mãos do R., segundo outorgante, conjuntamente com a intervenção do DD; 5. Artigo que dispõe que: "Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis".

    6. Integrando-se o contrato aqui em questão "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade", face ao tempo e ao modo em que foi celebrado, nas relações entre os sócios pelo que o regime aplicável ao mesmo, por anteceder a celebração do contrato de sociedade e o respectivo registo, integra-se no nosso modesto entendimento nas disposições do artigo 980º e seguintes do Código Civil; 7. Não sendo, nos termos do artigo 981º do Código Civil, exigida qualquer forma específica para a validade do mesmo, uma vez que o mesmo não se esgota numa simples promessa e reveste também características de um contrato misto; 8. Concluindo-se assim que o contrato celebrado entre os outorgantes descrito no facto provado nº 8 é perfeitamente válido e eficaz entre as partes e entre a aqui autora e o réu, nos termos vertidos nos autos.

    7. Concluindo pela validade e eficácia do contrato, conclui-se também pelo incumprimento pelo réu do acordado no "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade".

    8. Face a todas as razões aduzidas nas presentes alegações, e concretamente por objetivamente o réu interpelado não comparecer no dia marcado no cartório notarial para realização da escritura nos termos do facto provado nº1, sendo condição objetiva do incumprimento conforme o plasmado na referida cláusula contratual "a falta à escritura".

    9. O que conferia nos termos da cláusula nº5 do contrato celebrado entre as partes conforme reproduzido no facto provado nº 8 ao DD o direito de exigir ao R. o pagamento da quantia €58.558,00 acrescido de juros e cláusula indemnizatória no montante de 5.000,00€, conforme titulado no acordo, nos termos da condenação do Tribunal de Primeira Instância.

    10. Sem prescindir de tudo o ante exposto, conclui-se ainda que o réu arguiu ilegitimamente a nulidade do "acordo-contrato promessa de constituição de Sociedade"; 13. Por tal se consubstanciar numa situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil; 14. Isto porque em situações semelhantes a jurisprudência tem configurado como situação de abuso de direito as situações em que o interveniente em incumprimento invoca a nulidade do contrato por falta de pressupostos do contrato prometido nos contratos-promessa quando esse interveniente opte por um comportamento em momento posterior à conclusão do contrato que tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contraparte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido; 15. Pois bem sabia o réu, aquando da celebração do referido contrato aqui em questão, que a sociedade a constituir "(...) passaria pela constituição entre ambos de uma similar sociedade de gerência conjunta e igualdade de quotas...)", conforme facto provado n º26.

    11. Resultando assim para efeito do "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade" e para os efeitos do disposto no artigo 9º nº1, que o R. tinha conhecimento de quem eram os sócios da sociedade a constituir, o tipo de sociedade a constituir; o objeto da sociedade a constituir; a sede da sociedade a constituir onde a mesma já estava instalada; o capital social de acordo com as entradas dos sócios para a sociedade, tudo nos termos dos factos provados nºs 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10.

    12. Ficando efetivamente demonstrado que o réu nas relações com o DD nunca pôs em questão a validade do negócio e, por outro, até ao incumprimento definitivo do contrato sempre criou na contraparte DD a fundada confiança de que o contrato seria integralmente cumprido.

    13. Concluindo-se assim que o R. exerceu ilegitimamente o direito de arguir a nulidade do "Acordo-contrato promessa de constituição de sociedade", por face às circunstancias supra-expostas tal se compaginar com uma situação de abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium", nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil, com as interpretações e aplicações que lhe têm vindo a ser dadas...

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