Acórdão nº 2440/13.6TBLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução19 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório AA intentou, em 18/05/2013, acção declarativa, ao tempo sob a forma de processo ordinário, contra BB, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 50.912,50, por enriquecimento ilícito, acrescida de juros de mora legais desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que foi casada com o réu, do qual se encontra divorciada desde 19/10/2004, tendo construído juntos, na pendência do casamento, a casa de morada de família em terreno doado a ambos, mas registado apenas em nome daquele. Apesar de ser bem comum de ambos, esse imóvel foi vendido pelo réu à revelia da autora, em 30/07/2010, na pendência de processo de inventário, pelo preço declarado de € 162.500,00, mas que terá sido superior, tendo o demandado lucrado € 101.825,00 com a venda após a liquidação do empréstimo bancário contraído, assistindo à A. o direito a metade desse valor à luz das regras do enriquecimento sem causa.

O réu contestou por impugnação e alegou que a doação não foi aceite pela autora, sendo que a mesma teria que ser realizada por convenção antenupcial, o que não ocorreu. Mais alegou que a moradia foi construída por si, ainda solteiro, e estava concluída na data do casamento, pelo que se trata de bem próprio, tendo pago todas as prestações do empréstimo.

Concluiu pela improcedência da acção e pela condenação da autora, como litigante de má-fé, em multa e indemnização em montante a fixar pelo Tribunal.

Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixando-se o objecto do litígio e os temas de prova, sem reclamações.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, em 03/08/2016, a julgar a acção improcedente e absolver o réu do pedido.

Desta sentença apelou a autora, tendo o Tribunal da Relação de … decidido, por acórdão proferido em 9 de Maio de 2017, «julgar parcialmente procedente a apelação, revogando, em consequência, a sentença absolutória recorrida e, na parcial procedência da acção: a) Condenando o R./Apelado a pagar à A./Apelante, dentro do quantum peticionado, a quantia que se vier a liquidar, em ulterior incidente de liquidação, como correspondente a metade dos montantes de reembolso do empréstimo prestados por aqueles ao banco credor no período compreendido entre 16/09/2000 e 19/10/2004, a que acrescem os juros de mora peticionados, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza civil; b) E absolvendo-o do mais peticionado.

Custas da acção e da apelação, provisoriamente, na proporção de metade por ambas as partes, sem prejuízo de adequada definição na ulterior liquidação e do benefício do apoio judiciário concedido a ambos os litigantes».

Inconformado, recorreu o réu de revista, formulando na sua alegação a seguinte síntese conclusiva (sic): «1. Tendo presente o objecto processual configurado pelo pedido e causa de pedir da Recorrida, o Recorrente apresentou contestação. Fê-lo na medida dos factos essenciais alegados pela Recorrida na sua douta P.I. e bem assim do direito por ela alegado.

(…) 3. É manifesto que o objecto processual dos presentes autos decorre da necessidade de dirimir nos meios comuns as questões concretas não resolvidas no processo de Inventário de separação de meações das partes. Tal objecto - tal qual o definiu a Recorrida - traduz-se num suposto lucro do Recorrente com a venda do imóvel em causa por parte do Recorrente que a Recorrida considerou como bem comum decorrente da sua suposta venda por parte do recorrente por 260,000,00€ - e não por 162.500,00€ como consta da escritura de venda - que gerou um suposto lucro de 101.825,00€.

(…) 8. Porém a 2a Instância, ao considerar parcialmente procedente a acção condenando o ora Recorrente a pagar à Recorrida, a quantia que se vier a liquidar em ulterior incidente de liquidação como correspondente a metade dos montantes de reembolso do empréstimo prestados por aqueles - A e R entre 16/09/2000 e 19/10/2014 -, desde a data do casamento até á data do divórcio, pronuncia-se por excesso relativamente às questões suscitadas pelas partes uma vez que não foi peticionado pela Autora o reembolso das prestações - supostamente - pagas pela Recorrida, nem sequer foram por ela alegados quaisquer factos que permitissem á Relação pronunciar-se sobre essa questão.

9. Acresce que, o pedido da Autora - ora recorrida - assenta numa regularização de meações do extinto Casal - outrora composto por Recorrente e Recorrida - em parte não dirimida em processo de Inventário - cfr. factos essenciais reproduzidos na "síntese" introdutória destas alegações 10. Ora, o Tribunal da 2a Instância ignora tal realidade e traz à colação um mútuo, contraído antes do casamento que, por esse motivo, não faz parte do acervo do extinto casal, por não constituir bem comum e trabalha-o como se o mesmo fosse um passivo do extinto casal, que, obviamente, não é.

(…) 13. Desta forma, o tribunal em 2a Instância violou claramente o disposto na 2a parte das alínea d)e e) do n.° 1 do artigo 615° do CPC o que fere de nulidade o douto acórdão.

14. Ainda em sede de nulidade do douto acórdão, há considerar - como bem consta do mesmo - o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões - artigo 639° n° 1 e 2 do CPC. Isto pressuposto o objecto do processo delimitado em sede de articulados -.

15. Ora, nas suas doutas conclusões em sede de recurso apresentado na 2a Instância a Autora - ora Recorrida -, apesar da improcedência total do pedido e dos factos considerados como provados e não provados em sede da douta sentença em Ia Instância, respeita o objecto processual que ela própria delimita na sua douta P.I., sendo manifesto, no entanto, que não atacou - sob a forma de impugnação da matéria de facto - os factos considerados provados em 1a instância que poderiam levar a 2a instância a, eventualmente, abordar as questões que abordou e das quais não podia ter conhecido.

(…) 18. Aqui chegados conclui-se que, à semelhança da abordagem que o Tribunal da Relação fez à douta sentença em 1a instância também violou claramente os artigos 615° n.° 1 alínea d) e e) do CPC, tendo extravasado para além do objecto do recurso delimitado pelas conclusões da Autora - Recorrente na Relação, ora Recorrida -, o que fere o douto acórdão de nulidade.

19. Não desconhece o Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça não conhece da matéria de facto, no entanto, em sede de revista - com o devido respeito por entendimento diverso - o STJ pode apreciar se foram respeitadas/observadas pela 2a instância as regras do direito material probatório.

20. Ora, in casu, considera o Recorrente que houve violação do art° 5º, n° 2 do NCPC, decorrente da natureza conclusiva do novo ponto de facto aditado pela Relação aos pontos de facto provados pelo que esta questão ora suscitada em sede de recurso pode -salvo melhor entendimento e com o devido respeito -, ser apreciada por este Venerando tribunal uma vez que se integram no âmbito da violação das normas de direito probatório e como tal, a sindicância que se pretende é da sua competência.

(…) 24. Com efeito, o que foi alegado pela Autora no ponto de facto em causa dado como não provado e cuja decisão que sobre ele incidiu em 1a instância e foi por ela impugnado foi que: "A casa de habitação referida em 3 tenha sido construída com o esforço do trabalho de ambos e das respectivas famílias" - alínea d) dos factos não provados na decisão em 1a Instância- e que a Autora tenha contribuído, antes do divórcio, com o Réu, para pagamento das amortizações referentes ao empréstimo mencionado em 11 - alínea e) dos factos não provados na decisão em 1a Instância -.

25. Resulta assim claro que, estes dois pontos de facto - impugnados pela A - não podiam ter a roupagem dada sob a forma do indicado ponto factual aditado pela Relação: "A casa de habitação referida em 3 foi construída com o esforço económico de A e R, tendo ambos contraído, conjuntamente, empréstimo bancário para o efeito, constituindo-se devedores da quantia mutuada", porquanto se é verdade que a primeira parte do novo ponto de facto, corresponde efectivamente ao ponto de facto d) dos factos não provados da douta sentença, também é verdade que a segunda parte desse mesmo facto não corresponde - nem por interpretação literal, nem restritivo, nem extensiva, nem no espírito da coisa - ao ponto de facto e) dos factos não provados na decisão em Ia instância.

(…) 29. Na verdade, a mesma - Autora - deveria alegar factos essenciais não só dos indicados pagamentos, mas também das actividades ou situações que geraram rendimentos que demonstrassem que a mesma contribuiu para o pagamento do empréstimo. Note-se que a própria expressão "esforço" (sublinhado nosso) não é suficientemente objectiva para determinar que a contribuição da Autora se materializou no pagamento do empréstimo para construção da moradia.

(…) 32. O mesmo é dizer que ficou demonstrado que foi concedido um crédito para a construção da habitação - e só isso se encontra provado - demonstrado e não que o empréstimo foi empregue na construção.

33. Aliás, encontra-se provado que a casa foi construída antes do casamento - ponto de facto 7 dos factos provados da decisão em Ia instância - e bem assim que o empréstimo foi contraído 5 (cinco) meses antes do casamento. Ora, 5 (cinco) meses - que poderão ser menos uma vez que apenas ficou provado que a casa foi construída antes do casamento- não é tempo suficiente para construir uma moradia 34. Em linha com o exposto não tendo sido feita qualquer prova de factos materiais susceptíveis de concretizar a conclusão constante do novo ponto aditado pela relação, deve o mesmo considerar-se como não escrita a referida matéria conclusiva, porquanto a mesma consubstancia formulação dum juízo de valor que se deve extrair dos factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no "thema decidendum" o que in casu não aconteceu, tendo sido violado o disposto no artigo 5º n° 2 do CPC.

35. Deverá assim ser...

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