Acórdão nº 196/11.6TCGMR.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA |
Data da Resolução | 19 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA, residente em …, intentou acção declarativa destinada à efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, sob a forma de processo ordinário, contra “BB Seguros, S.A.”, alegando, em síntese, que: No dia 2 de outubro de 2008, pelas 08h00, na Rua …, …, ocorreu um acidente de viação, envolvendo o veículo motorizado de duas rodas, com a matrícula ...-...-HI, no qual seguia como passageira, e o veículo automóvel com a matrícula ...-...-MI.
O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor deste último veículo, que, provindo de um estacionamento, iniciou a marcha, invadindo a meia faixa de rodagem por onde circulava o referido veículo motorizado, provocando o embate entre os dois veículos.
Em consequência do embate sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreveu (graves lesões físicas e sequelas), alguns ainda não quantificáveis, por cujo ressarcimento é a ré responsável, dado ter assumido tal responsabilidade, através de contrato de seguro celebrado com o proprietário do veículo automóvel causador do acidente.
Com tais fundamentos concluiu por pedir a condenação da Ré a pagar-lhe: a) a quantia de €322.240,10, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos, em consequência do acidente de viação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento; b) a indemnização, a liquidar em execução de sentença, relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados no futuro.
A Ré, regularmente citada, ofereceu contestação em que reconheceu a culpa do seu segurado na produção do acidente e impugnou parte da extensão dos danos peticionados, que considerou exagerados.
Saneado o processo, com fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória, procedeu-se a julgamento, seguido de prolação de sentença, que, na parcial procedência da acção, decidiu: a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €45.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, a quantia de €123.439,48, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora sobre as quantias acima referidas, à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento, e a quantia a liquidar ulteriormente, relativa aos danos que no futuro venham a ser apurados e que se encontram mencionados nos art.ºs 120.º, 121.º, 122.º, 123.º, 124.º, 125.º, 126.º, 127.º, 130.º e 131.º da petição inicial; b) absolver a Ré de tudo o mais que foi peticionado pela Autora.
Inconformada a Autora apelou, tendo a Relação de … anulado o julgamento, no tocante aos pontos 45º e 46º da base instrutória, e ordenado a ampliação da matéria de facto bem como a elaboração de relatório pericial complementar (cfr. fls. 599 a 618).
Juntas as respostas complementares dos Peritos e concluída a audiência final, foi proferida sentença, com segmento decisório idêntico à anteriormente proferida.
Inconformada com tal decisão, apelou novamente a Autora, com parcial êxito, tendo a Relação de … alterado a sentença e condenado a Ré a pagar-lhe a quantia de €162.000,00€, a título de dano patrimonial futuro, mantendo-a, no mais.
Discordando dessa decisão, interpuseram recursos de revista a Autora e a Ré, tendo a primeira finalizado a sua alegação, com as seguintes conclusões que se transcrevem: 1 - Os danos não patrimoniais e patrimoniais da Autora fixados pelo Acórdão da Relação mostram-se ainda desvalorizados, considerando as especificidades do caso concreto, devendo ser elevados para os valores peticionados.
2 - Quanto aos danos não patrimoniais, há que ter em conta toda a factologia que se mostra descrita nos factos provados e o que dela decorre.
3 - Nunca é demais lembrar que os danos provieram de quando a recorrente tinha apenas quarenta e três anos de idade. A situação espelhada na matéria de facto provada demonstra que as componentes do dano não patrimonial acima mencionadas alcançam níveis relevantes. Não pode também descurar-se o prejuízo de afirmação pessoal - tanto maior quanto é certo tratar-se de uma mulher jovem.
4 - Não se pode olvidar o prejuízo da saúde geral e da longevidade, considerando as consequências das lesões. No geral, importa atender ao facto de à recorrente ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).
5 - Mas, para além de tudo o já exposto, importa ainda destacar, no âmbito do conjunto de toda a factualidade provada, a seguinte especificidade do caso: foi a recorrente vítima de acidente muito grave, para cuja ocorrência em nada contribuiu do sinistro, antes ficou ele a dever-se in totum ao condutor do veículo, o que não pode outrossim deixar de refletir-se no montante da compensação por danos não patrimoniais.
6 - Impõe-se assim concluir, em razão de tudo o já exposto, com o devido respeito pela opinião das demais instâncias, temos como mais adequado, equitativo e justo, considerar que a indemnização a atribuir à lesada/autora (a título de ressarcimento dos danos morais sofridos) e com o desiderato de lhe proporcionar uma vantagem capaz de consubstanciar um lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, e o desgosto sofridos, não deve ser inferior ao valor de €150.000,00, quantitativo este que de resto se reputa como o mais consentâneo com os padrões que, numa jurisprudência atualista, vêm sendo seguidos em casos "julgados" e equiparáveis.
7 - Por outro lado, a indemnização fixada no Acórdão da Relação de €162.000,00 pelos danos patrimoniais não permite compensar a recorrente, lesada, dos danos em virtude da perda aquisitiva ou de trabalho.
8 - A lei não nos dá a este propósito qualquer orientação que não seja a constante dos artigos 564°, n° 2 do CC - atendibilidade dos danos futuros previsíveis - e 566°, n° 2 e 3 do CC - a vulgarmente chamada teoria da diferença, a conjugar com o recurso à equidade se não puder ser averiguado o valor exato dos danos.
9 - Por isso não há que proceder a cálculos aritméticos rígidos, eventualmente concebidos pela lei noutras matérias; no âmbito da responsabilidade civil há outros fatores e ter em conta, designadamente a culpa do lesante e as situações económicas deste e do lesado, que privilegiam o papel da equidade com vista à solução justa para o caso concreto. Assim, a primeira operação intelectual a fazer está na determinação do prejuízo patrimonial a compensar, o qual é, evidentemente, futuro.
10 - A operação de cálculo da indemnização deve reportar-se a uma situação factual concreta que implica a reconstituição, tão rigorosa quanto possível, das duas situações patrimoniais em confronto: a anterior ao facto lesivo e a que lhe é posterior. A falta de dados exatos sobre esta pode, não obstante, ser superada com recurso a outras considerações.
11 - Como tem sido frisado em vários arestos dos Tribunais Superiores, a último ratio do cálculo da indemnização em referência é sempre a equidade, prevista nos arts. 494° e 566° n.° 3 do CCiv., e não qualquer tabela (financeira) ou fórmula (matemática).
12 - No caso em apreço, não podemos deixar de ter em conta a situação concreta e de certo modo especial quanto à incapacidade da autora. Ora, provou-se que as lesões sofridas pela Autora a impossibilitam de continuar a exercer a função de …. Não é caso de poder continuar a exercer, ainda que com esforços suplementares essa profissão que desenvolvia desde os 14 anos de idade. Ficou pura e simplesmente impedida de a exercer.
13 - A isto acresce que esse trabalho de … foi o que a Autora sempre exerceu. Por outro lado, a impossibilidade de execução do seu trabalho decorre da inviabilidade de manuseio da máquina em função das características desta, sem que haja máquinas com outras características que o permitissem. Há que considerar, ainda, que a Autora não tem formação profissional para o exercício de outra atividade, bem como que ficou a padecer, em razão das lesões sofridas, de fortes limitações ao nível da sua mobilidade, sentindo dificuldades em andar e em permanecer em pé ou sentada.
14 - Acresce que as lesões sofridas pela Autora, incidindo sobre um dos membros inferiores, tem fortes repercussões ao nível da sua mobilidade, o que, associado ao sentimento de desconforto daí adveniente, reduz drasticamente as hipóteses de obtenção de emprego compatíveis com esse estado físico. E isto com a agravante de a Autora contar neste momento com 49 anos de idade, o que, associado às crescentes exigências no mercado laboral e à forte competitividade que o caracteriza em termos de procura de emprego, torna praticamente impossível à Autora a obtenção de um trabalho estável e permanente, à semelhança daquele que possuía anteriormente ao acidente e que, não fora o acidente, manteria - cfr. a este propósito a avaliação pericial da IPP fixada em 49,2495% (fls. 628 e 629; 649 a 651) e o relatório do Centro de Reabilitação Profissional de … de fls. 671 a 673.
15 - O relevo do dano em causa deve, no que à sua capacidade de obtenção de ganho diz respeito, ser visto como incapacidade total, na certeza de que a Autora não pode fisicamente continuar a desempenhar o trabalho que anteriormente exercia e socialmente não está em condições de arranjar um outro trabalho.
16 - O grau de incapacidade sofrido pela Autora decorrente das lesões que sofreu com o acidente dos autos deve ser perspetivado em função de uma incapacidade total de exercício do trabalho que anteriormente exercia e da inexistência de capacidade residual para a obtenção de outro tipo de atividade, o que nos leva a considerar, na tarefa que aqui nos ocupa, uma percentagem de 100%. A recorrente ficou a sofrer de um prejuízo anátomo - funcional que prejudica a sua atividade em geral.
17 - Na fixação da indemnização dos danos patrimoniais, deve ter-se também em conta que a Autora provou que, desde 13 de outubro de...
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