Acórdão nº 1887/14.5T8BRR-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução02 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório: 1.

AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB – Associação Mutualista.

  1. Não tendo sido possível obter a conciliação, a empregadora apresentou o articulado de motivação do despedimento alegando que a trabalhadora entrou ao seu serviço por contrato de trabalho, com efeitos a 1 de dezembro de 2001; tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral; o contrato de trabalho cessou por despedimento; em sede de processo disciplinar, apurou-se que a autora, no exercício das suas funções de Diretora Geral, violou os deveres constantes do artigo 128.°, n.º 1, alíneas e), f) e h) do Código de Trabalho, recebendo de forma ilícita a quantia de 1 337 739,91 EUR, a título de remunerações que não lhe eram devidas; o comportamento da autora é, em si, grave e atentas as suas consequências quebrou a relação de confiança subjacente à relação laboral e impede a manutenção do contrato de trabalho, pelo que a sanção de despedimento se mostra lícito.

    Termina peticionando que se considere válido e lícito o despedimento da trabalhadora.

  2. A trabalhadora contestou alegando, em síntese: os factos em apreço no processo reportam-se a situações ocorridas em 2002, 2003, 2004 e 2009, que foram do conhecimento direto da empregadora, pelo que já decorreu o prazo de prescrição do exercício do direito disciplinar; uma vez que decorreram mais de 60 dias desde o conhecimento dos factos e o exercício da ação disciplinar o poder disciplinar caducou; o processo disciplinar é nulo, porquanto em sede de processo disciplinar requereu a sua própria inquirição não tendo sido proferida qualquer decisão quanto a tal diligência, havendo divergências entre os factos constantes da nota de culpa e os que constam da decisão final, sendo nesta aditado um novo facto que não pode ser atendido.

    Impugna a prática dos factos e as consequências dos mesmos.

    Apresentou pedido reconvencional, pedindo: 1- Seja declarado ilícito o seu despedimento:

    1. Por se verificarem as exceções da prescrição e caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do n.º 1 do artigo 382.° do Código de Trabalho; b) Em virtude de o procedimento disciplinar ser inválido nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 382.° do Código de Trabalho; c) Por ser totalmente inexistente e improcedente o motivo justificativo do despedimento, nos termos da alínea b) do artigo 381.º; 2 - Seja julgada procedente, por provada, a reconvenção, e, em consequência da ilicitude do despedimento: a) Seja declarado o reconhecimento da manutenção da relação laboral entre si e a empregadora, condenando-se esta a reintegrá-la definitivamente no seu posto e local de trabalho, com a categoria, antiguidade, direitos adquiridos e retribuição que teria se não tivesse sido despedida; b) Seja a empregadora condenada a título de danos patrimoniais no pagamento: i) Da quantia de 9 445 EUR por cada mês que decorra a partir da presente data até à decisão transitada em julgado que declare ilícito o despedimento; ii) Das férias, subsídios de férias e de Natal que entretanto se venham a vencer nesse período, de igual montante cada; iii) Das remunerações relativas ao mês de outubro do ano de 2013, (9 578,01 EUR) e 25 dias relativos ao mês de novembro do ano de 2013; iv) Do subsídio de Natal do ano de 2013, no valor de 9 445 EUR; v) Das férias não gozadas do ano de 2013 e respetivo subsídio, tudo no valor de 18 890 EUR; vi) E, ainda em indemnização por antiguidade a fixar em liquidação de sentença, nunca inferior a 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, atento o grau de ilicitude do despedimento, e que cifra em 184 177,50 EUR que, cautelarmente e sob condição aqui se deixa liquidado.

    2. Seja a empregadora condenada no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais de valor nunca inferior a 30 000 EUR.

    3. Seja a empregador condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

    4. Seja a empregadora condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, em caso de incumprimento das obrigações em que vier a ser condenada, de valor nunca inferior a 150 EUR/dia; f) Seja a empregadora condenada no pagamento das custas legais, procuradoria condigna e demais encargos com o processo.

  3. Realizado o julgamento foi proferida sentença que decidiu:

    1. Julgar lícito o despedimento efetuado pela entidade patronal; b) Absolver a entidade empregadora do pedido formulado pela trabalhadora.

    2. Condenar a trabalhadora em custas.

  4. Inconformada, a trabalhadora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida, embora por diferentes fundamentos.

    6.

    Novamente inconformada a trabalhadora interpôs recurso de revista.

    No requerimento de interposição de recurso, expressa e separadamente, veio arguir a nulidade do acórdão por falta de fundamentação e por oposição entre a decisão e a fundamentação, previstas, respetivamente no n.º 1, alíneas b) e c), do art.º 615.º, do Código de Processo Civil.

    Formulou as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão produzido que com fundamentação totalmente distinta da sentença proferida em primeira instância, julgou em violação da Lei e até de princípios constitucionais, licito o despedimento da Autora promovido pela Ré.

  5. Recurso de revista que é admissível nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, pois o Tribunal recorrido manteve a decisão de julgar licito o despedimento, mas com fundamentação de facto e direito totalmente distinta da sentença proferida em 1.ª instância, uma vez que esta fundamentou a licitude do despedimento no facto do contrato de trabalho se encontrar suspenso, e o acórdão ora sob censura, com entendimento totalmente diverso, fundamentou tal decisão no facto de o contrato nunca ter estado suspenso mas sim se ter extinguido logo no seu início, no momento em que a Autora/Requerente tomou posse como Presidente do Conselho de Administração por aplicação analógica do n.º 2 do artigo 358.º do Código das Sociedades Comerciais.

  6. Dito isto, importa referir que o acórdão recorrido enferma de várias nulidades, que constituem também fundamento do presente recurso de revista.

  7. Assim, em tal aresto existe gritante oposição entre a sua fundamentação, que refere expressamente que a Requerente não podia ser punida disciplinarmente, por não ser trabalhadora da Requerida, e a sua posterior decisão que permite tal punição de despedimento, julgando o mesmo lícito! Oposição esta que só poderá conduzir à nulidade de tal acórdão, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., o que aqui se invoca com as legais consequências.

  8. Também tal acórdão carece de absoluta fundamentação quanto a tal decisão de julgar lícito o despedimento promovido pela entidade patronal, pois o mesmo decide que o contrato se extinguiu logo no ano de 2002, sem indicar um único facto suscetível de integrar a prática de qualquer ilícito disciplinar praticado pela Requerente até esse momento, desconhecendo-se pois em consequência qual a fundamentação do Tribunal recorrido para manutenção de tal decisão de julgar licito o despedimento, falta absoluta de motivação que só pode conduzir igualmente à sua nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., vício que expressamente aqui se invoca com todas as consequências Lei.

  9. O Tribunal recorrido na apreciação da matéria de facto, quanto à questão da existência e permanência do vínculo laboral da Autora para com a Ré, não apreciou os elementos probatórias da existência de tal facto essencial para decisão da causa, julgando erradamente que a relação laboral da Requerente com a Requerida BB se extinguiu.

  10. Pois, para além de outros elementos probatórios existe confissão judicial da Requerida, com força probatória plena, feita em 13/07/2015, nos autos de procedimento cautelar a que os presentes se encontram apensos, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação da decisão proferida na Primeira Instância, na qual a Requerida/Entidade Patronal expressamente reconhece que nunca, mas nunca, o contrato de trabalho da Requerente com a BB foi suspenso, afirmando que de facto a Autora continuou a exercer as funções de Diretora-Geral, bem como a receber a remuneração correspondente a essa categoria profissional. E que de facto tal ocorreu, já que os membros do conselho de administração da ré não são remunerados e a autora auferia o seu salário na qualidade de diretora-geral e não na qualidade de presidente do conselho de administração.

  11. Existe assim quanto a tal factualidade uma confissão judicial escrita da requerida no seu articulado (cfr. n.º 1 do artigo 356.º do Código Civil) a qual nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil tem «força probatória plena contra o confitente», meio e força probatória que o Tribunal recorrido ignorou totalmente, violando de forma grave o previsto nos artigos 352.º, 355.º, 356.º e 358.º, n.º 1 todos do Código Civil, cabendo nos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça, corrigir tal flagrante erro na interpretação e aplicação da Lei que foi cometido, determinando-se em consequência o aditamento de tal factualidade com força probatória plena à matéria assente e ainda por ser contrário à mesma dar-se como não provado o ponto 30 da matéria assente, por estar judicialmente confessado pela Ré que a Autora na qualidade de Presidente do Conselho de Administração não recebeu qualquer quantia.

  12. Também o Tribunal recorrido ao eliminar o ponto 2 dos factos provados a 1.ª parte de que a Requerente «tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral», com única justificação que a mesma é conclusiva, ignorou igualmente que tal factualidade se encontrava judicialmente confessada e ainda que a mesma se encontrava admitida por acordo, como refere expressamente a sentença da...

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