Acórdão nº 462/09.0TTBRR.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Abril de 2018
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 04 de Abril de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB – INTERCÂMBIO DE COMÉRCIO, SA. pedindo que se declare: a ilegalidade da suspensão do trabalho; caduco o procedimento disciplinar; prescritas as situações reportadas na nota de culpa; inválido e nulo o processo disciplinar; e ainda, ilícito o despedimento por força de violações formais.
Subsidiariamente, pediu que se a condene a Ré a pagar-lhe as retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado, no que inclui a quantia mensal de € 974,13, por conta das “restantes componentes da retribuição mensal”; € 1.262,59, por conta de 7 dias de férias não gozados; a quantia de € 1.262,59, retida; € 22.800,00, pela opção de compra da viatura de que dispunha caso esta não lhe venha a ser entregue com o pagamento da caução; € 194.956,91, a título da indemnização pela antecipada cessação do contrato de trabalho; a indemnização devida pelo despedimento ilícito; e por fim, € 10.000,00, a título de indemnização por danos morais, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Invocou como fundamento das suas pretensões que o procedimento disciplinar se iniciou a 31/07/2009; que foi preventivamente suspenso naquele data, mediante carta que a Ré lhe enviou; que foi notificado da nota de culpa a 16/09/2009; que foi notificado da decisão de despedimento a 15/10/2009; que o processo disciplinar não contém as folhas 190 a 200, que a Ré não o numerou, que lhe negou a sua consulta e que obteve e usou documentos falsos; que as “situações” invocadas na nota de culpa, situadas de 2008 a 06/2009, caducaram; que a Ré não fundamenta a decisão de despedimento; que os factos imputados na nota de culpa prescreveram; que a Ré não tinha legitimidade para exercer o poder disciplinar em virtude de ter sido cedido pela “CC, SGPS, SA.” a 21/04/2006, acionista dominante da Ré; que a acusação é omissa em factos, que impugna; que foi contratado a 03/07/2006 para exercer funções de Diretor Geral do setor comercial; que não gozou 7 dias de férias; que lhe foi entregue uma viatura para uso pessoal e profissional, que a Ré adquiriu por € 42.000,00 e que podia comprar ao fim de 4 anos por 10% do valor da aquisição, em consequência do que teve um prejuízo de € 22.800,00 posto que o valor comercial da viatura ascende a € 27.000,00; que auferia, para além da retribuição base, do subsídio de alimentação e do prémio de produtividade, outras verbas que, no total, perfaziam € 974,13 mensais, sendo-o a título de “manutenção de viatura”, “limpeza viatura”, “portagens/estacionamento”, “combustível”, “seguro automóvel”, “telemóvel”, “seguro doenças profissionais/acidentes de trabalho” e “seguro de família”; e ainda, que a Ré lhe descontou, no último mês, os prémios de produtividade que lhe pagou, no valor de € 9.308,00, € 156,84 por conta de uma máquina de café que existia nas instalações e que serve todos os trabalhadores e € 353,94 por conta de uma viagem que fez aos Açores a título profissional. Por fim, alega que acordou com a Ré o pagamento de uma indemnização no valor de € 194.956,91 caso a comissão de serviço cessasse antes de 21/12/2011, o que sucedeu, e ainda, que o despedimento lhe causou insónias, ansiedade e alterações de humor, tendo pedido acolhimento em casa de amigos a fim de não perturbar a convivência com a mulher e as filhas.
A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 25 de agosto de 2011 que a julgou parcialmente procedente e que veio a ser objeto de recurso de apelação por parte do autor para o Tribunal da Relação de Lisboa que proferiu acórdão em 12.02.2014, determinando a anulação parcial do julgamento a fim de ser ampliada a base instrutória e determinando que na nova decisão a proferir o Tribunal a quo (i) apreciasse as exceções perentórias de caducidade e de prescrição invocadas nos autos, esclarecendo quais os factos que considerava (ou não) abrangidos por tais exceções, e (ii) atendesse às discrepâncias entre a decisão sobre a matéria de facto e a fundamentação de facto da sentença, levando em atenção os lapsos indicados e atendendo à eliminação da resposta ao art.º 100.º da base instrutória (fls. 1394-1438, do 5.º volume).
Novamente realizado o julgamento em 1.ª instância, veio então a ser proferida nova sentença em 22.12.2016, julgando a ação parcialmente procedente e decidindo: «1. Condenar «BB – INTERCÂMBIO DE COMÉRCIO, SA.» a pagar a «AA» a quantia de € 360,74 por conta de 2 dias de férias não gozados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
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Absolver «BB – INTERCÂMBIO DE COMÉRCIO, SA.» do demais peticionado por «AA».
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Condenar «AA» e «BB – INTERCÂMBIO DE COMÉRCIO, SA.» a pagarem as custas processuais, na proporção do decaimento.» Ainda inconformado com esta decisão, dela recorreu de novo o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, insurgindo-se igualmente contra matéria de facto fixada.
O Tribunal da Relação veio a conhecer do recurso por acórdão de 14 de junho de 2017 que integrou o seguinte dispositivo: «Em conformidade com o exposto, acorda-‑se em indeferir a reclamação e julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão final proferida na sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.» Em síntese, decidiu-se: - que a sentença não padecia das invocadas nulidades; - rejeitar a impugnação da matéria de facto por inobservância do disposto no art.º 640º/2-a) do CPC; - confirmar a improcedência da exceção de prescrição da infração disciplinar; - julgar procedente a exceção de caducidade do procedimento disciplinar em relação relativamente aos factos imputados ao autor descritos sob os pontos 29 a 31 dos factos provados; - confirmar a existência de justa causa do despedimento do autor por violação dos deveres de zelo, obediência e lealdade, também se confirmando nesta parte a sentença da 1.ª instância, não obstante a caducidade do procedimento relativamente aos factos elencados nos pontos 29 a 31.
Irresignado, veio o Autor recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1 - O presente recurso de revista deve ser admitido por respeitar o disposto no artigo 629.º, n.º 1 do C.P.C., aplicável ex vi artigo 81.º, n.º 5 do C.P.C, e porque os motivos que levaram à decisão agora posta em crise são distintos dos motivos que levaram à decisão do tribunal de primeira instância, também impugnada pelo recorrente.
2 - O tribunal recorrido considerou caducado o procedimento disciplinar quanto a factos tomados em consideração pelo tribunal recorrido e que conduziram à formação desta última decisão.
3 - O tribunal de primeira instância tomou em consideração as propostas n.ºs ... e ... descritas nos autos e que retratam os negócios havidos com a DD e a recorrida, sendo que o tribunal recorrido considerou que tais factos não podiam ser tomados em consideração por estar caducado o procedimento disciplinar sobre os mesmos.
4 - A decisão de primeira instância ocupa parte das suas considerações quanto ao preenchimento do conceito de justa causa, referindo-se a um telefonema feito pelo recorrente (facto enunciado no ponto 136) e através do qual faz insinuações graves sobre a honorabilidade e credibilidade do recorrente, sendo que a decisão aqui posta em crise nem sequer se pronuncia sobre tal facto e, por conseguinte, não o toma em consideração para a decisão que proferiu.
5 - O facto do tribunal recorrido ter transcrito parte da decisão de primeira instância para proferir nova decisão, não invalida que os seus fundamentos sejam distintos, porque são.
6 - O tribunal recorrido rejeitou o recurso interposto da decisão da primeira instância, no que à reapreciação da prova testemunhal diz respeito, por não preenchimento dos requisitos exigidos pelo artigo 640.º do C.P.C., quando tal não corresponde à verdade, uma vez que tais requisitos foram plenamente cumpridos.
7 - De acordo com a nossa jurisprudência, é admissível o presente recurso porque, incindindo o acórdão recorrido sobre sentença de 1.ª instância, se absteve de apreciar o mérito do recurso por incumprimento dos requisitos constantes no artigo 640.º do C.P.C.
8 - O presente recurso deve também ser admitido para que seja esclarecida a questão de saber se o despedimento pode ser declarado lícito no caso de não existir qualquer referência às consequências do comportamento do trabalhador e, por conseguinte, à gravidade das mesmas, bem como se não for indicado qualquer prejuízo do empregador.
9 - E para se apreciar se o despedimento pode ser declarado através de referências vagas e abstratas, sem que se indique quaisquer factos que possam comprovar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho; e se é possível declarar lícito o despedimento de um trabalhador, por violação de deveres laborais, sem que se faça correspondência entre esta e os factos dados como provados, a fim de se poder concretizar em que é que consistiu a violação de cada um dos deveres.
10 - Igualmente deve ser admitido o presente recurso para saber se é possível decretar um despedimento sem se concluir pela atuação culposa do trabalhador.
11 - Estão em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito.
12 - O conceito de justa causa de despedimento não se pode conformar com alusões genéricas e conclusões estereotipadas, sendo fundamental concretizar cada um dos requisitos exigidos legalmente para a sua verificação, o que não se verificou nas decisões impugnadas pelo recorrente e, em particular, no acórdão recorrido.
13 - No caso de improcedência dos demais motivos invocados para a admissão da presente revista, deve o mesmo ser admitido nos termos previstos no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C.
14 - O tribunal recorrido errou quando julgou as nulidades invocadas pelo recorrente quanto à...
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