Acórdão nº 529/15.6T8BGC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução12 de Abril de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam da 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

A Caixa Geral de Depósitos (A.) instaurou, em 06/04/2015, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a sociedade AA, Lda(R.), alegando, no essencial, que: .

Em 28/10/2003, A. celebrou com a sociedade “BB, SGPS, S.A.”, um contrato de conta corrente até ao montante de € 750.000,00; .

Em 11/01/2006, foi acordado um aditamento àquele contrato, nos termos do qual, em garantia das obrigações emergentes do mesmo para a sociedade “BB, SGPS, S.A.”, a sociedade “BB, SGPI, S.A.”, cedeu à A., sob condição suspensiva, a respetiva posição contratual num contrato de locação financeira imobiliária celebrado entre esta última sociedade e a “Caixa Leasing e Factoring”, em 06/12/2001; .

Em 15/02/2011, foi outorgado um terceiro aditamento ao mencionado contrato de conta corrente mediante o qual, para reforço das respetivas garantias, a sociedade “BB, SGPI, S.A.”, cedeu à A. os créditos que para aquela emergiam de contratos celebrados, em 01/04/ 2010, entre a sociedade cedente e a ora R. e que incidiam sobre um prédio urbano, sito em …, …, a saber: a) – de um contrato de sublocação comercial com preferência e contrato-promessa e de um contrato-promessa de compra e venda, com exceção das quantias, até ao montante de € 271.119,11, entregues a título de sinal; b) – do contrato de compra e venda prometido e referido na alínea anterior, com exceção das quantias também ali aludidas; .

Aquela cedência de créditos à A. compreende o crédito correspondente ao preço de € 578.880,89, excluído o valor do sinal já pago, relativo à prometida compra e venda do prédio urbano que esta última sociedade iria celebrar com a R.; .

A cessão desse crédito foi notificada à R. por carta registada com A/R, recebida em 28/04/2011; .

Aquando da outorga da escritura do contrato de compra e venda, em 18/04/2012, a R., em vez de entregar o valor do preço à A., entregou-o ao Fisco, no âmbito de uma execução fiscal em que era devedora a sociedade “BB SGPI, S.A.”, após notificação de que o referido crédito ficava penhorado; .

Porém, tal penhora foi posterior à notificação feita à R. da sobredita cessão de crédito, o que significa ter a R. entregue ao Fisco, para pagamento de dívida de terceiro, o valor correspondente ao crédito de que a A. já era titular ativo, no montante de € 578.880,89, vencido desde 18/04/2012: Concluiu a A. a pedir que a R. fosse condenada a pagar-lhe a referida quantia de € 578.880,89, acrescida de juros de mora vencidos desde 18/04/2012, liquidados em € 68.704,44, à data da propositura da ação, e vincendos até ao seu integral pagamento.

  1. A R. apresentou contestação, sustentando que: .

    Os contratos de sublocação, de promessa de compra e venda e da cessão de créditos futuros são nulos, uma vez que a sociedade BB SGPI, S.A., já tinha cedido à A. a sua posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária, carecendo, por isso, de legitimidade para celebrar aqueles contratos; .

    O pagamento feito ao Fisco ocorreu a pedido a BB, que afirmou ter consentido em tal; .

    Não obstante isso, por se tratar de crédito futuro, a cessão só se consumou com a celebração do contrato de compra e venda, momento em que o Fisco já havia penhorado aquele crédito; .

    O A. litiga com manifesta má fé.

    Nessa base, a R. concluiu pela improcedência da ação e pediu que a R. fosse condenada como litigante de má fé em multa e indemnização à A.

  2. A R. deduziu o incidente de intervenção da sociedade “BB SGPI, S.A.”, o qual foi admitido como intervenção acessória da chamada com o estatuto de assistente, não tendo esta tido intervenção no processo.

  3. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar, relegando-se o conhecimento da exceção de nulidade para final e fixando-se o valor da causa, seguindo-se os despachos a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (fls. 195-198). 5.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 261-273, datada de 16/02/2017, a julgar a ação totalmente improcedente.

  4. Inconformada, a A. recorreu para o Tribunal da Relação de … que, pelo acórdão proferido a 329-342, datado de 11/07/2017, julgou procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, condenando a R. a entregar à A. a quantia de € 578.880,89, correspondente ao valor do crédito cedido, acrescida dos juros vencidos e vincendos até à entrega efetiva.

  5. Desta feita, vem agora a R. pedir revista para o que formula extensas conclusões, em grande parte de teor argumentativo e doutrinário, as quais, embora nalguma desconformidade com o ditame do artigo 639.º, n.º 1, do CPC, no essencial, identificam às seguintes questões a decidir: a) – Saber se, no caso de cessão de crédito futuro, este crédito se transfere de imediato para a esfera jurídica do cessionário ou se, pelo contrário, só se transfere para ela depois de surgir na esfera jurídica do cedente; b) – Saber quando é que a cessão de crédito futuro se torna eficaz ou se consuma.

    No perímetro dessas questões, a Recorrente convoca as seguintes problemáticas: i) – A aplicação ao caso da doutrina da transmissão (cessão de crédito futuro, nascimento e transmissão do crédito), em que confronta a adoção da teoria da transmissão pela doutrina maioritária portuguesa e da sua compatibilidade com o nosso regime jurídico e a crítica e incompatibilidade da teoria da imediação e da teoria intermédia com esse regime; ii) – A falta de previsão normativa específica aplicável à cessão de créditos futuros; iii) – As consequências da aplicação da teoria da imediação e da teoria da transmissão relativamente aos meios de defesa do devedor face ao cessionário, bem como da eficácia ou consumação da cessão de créditos futuros de acordo com a teoria da transmissão; iv) – No caso concreto, a questão da aplicação da teoria da transmissão, da produção de eficácia da cessão de créditos futuros e da prevalência da penhora sobre a cessão.

    E finaliza, sintetizando a impugnação da decisão recorrida em sede de erro de interpretação e aplicação das normas constantes, entre outros, dos artigos 211.º, 399.º, 408.º, n.º 1 e 2, 585.º, 820.º a 822.º, 880.º, 895.º, 1058.º do CC, do princípio nemo plus iuris in alienum transfere potest quam ipse habet, bem como da doutrina da transmissão na cessão de créditos futuros, designadamente, quanto ao momento da sua consumação ou eficácia e do princípio da prioridade temporal ou preferência na afetação.

    Nessa base, pede a Recorrente que seja revogado o acórdão recorrido e dado provimento ao recurso, subentendendo-se com prolação de decisão a julgar a ação improcedente.

    8.

    A Recorrida apresentou contra-alegações, em que começou por invocar a extemporaneidade do recurso, mas pugnando, subsidiariamente, pela confirmação...

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