Acórdão nº 248/14.0GBCNT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | RAUL BORGES |
Data da Resolução | 07 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º 248/14.0GBCNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – …. – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural da freguesia de …, nascido em 20-06-1937, divorciado, reformado, residente na Rua …, n.º …, C…. Era-lhe imputada a prática, em autoria material, de factos susceptíveis de preencherem o tipo do crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, o tipo do crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal e o tipo do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea ar) e 3.º, n.º 6, alínea a), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com vista à aplicação de medida de segurança. **** Realizado o julgamento, por sentença lida em audiência de julgamento de 11 de Novembro de 2016 [ut acta de fls. 366 a 367], datada de 18 de Novembro de 2016 [conforme fls. 383] e depositada a 21 de Novembro de 2016, conforme declaração de fls. 384, foi o arguido considerado, autor material dos três tipos objectivos de ilícitos de que vinha acusado, a saber: um crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal; um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal; e um crime de detenção de arma proibida e crime cometido com arma, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alínea ar) e 3.º, n.º 6, alínea a), do mesmo diploma legal, e declara-se o arguido inimputável, em razão de anomalia psíquica, relativamente aos mencionados ilícitos, e perigoso, pelo que decide aplicar-se uma medida de internamento em instituição de internamento e vigilância por período mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, sem prejuízo do terminus da medida, uma vez cessada a perigosidade que lhe deu origem.
*** Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, para o Tribunal da Relação de Coimbra, apresentando a motivação de fls. 385 a 390, o qual foi admitido por despacho de fls. 391.
*** Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público na Procuradoria do Juízo Local Cível e Criminal de C…, ut fls. 394/9.
*** Na vista a que se refere o artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, de fls. 407 a 411, pronunciando-se no sentido de não ser dado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
*** Por acórdão de 28 de Junho de 2017, julgado em conferência na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, constante de fls. 418 a 435, foi deliberado:
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Suprir o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos que se deixaram referidos em II., 3., que antecede.
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Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida [com ressalva da alteração da matéria de facto operada em II., 3., que antecede].
*** Deste acórdão o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 439 a 444, que remata com as seguintes conclusões (transcrição integral, incluindo realces): A - Relativamente ao crime de coacção agravada previsto e punível nos termos do 154.°, n.º 1, 155.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, cumpre destacar o depoimento da testemunha Nuno Miguel Pinto Rodrigues, que estava a trabalhar nas obras do local onde supostamente ocorreram os factos, que referiu expressamente que nem levou a sério os comentários efectuados pelo ora arguido, tendo mesmo achado piada ao que disse, bem como o facto de nenhuma testemunha ter referido que o arguido lhe apontou a arma.
B - Já relativamente ao crime de detenção de arma proibida e crime cometido com arma previsto e punível nos termos do artigo 86.°, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.°, n.º 1, alínea ar) e 30, n.º 6, alínea a) do mesmo diploma legal, cumpre destacar que foi junta aos autos pelo arguido em sede de julgamento, uma licença de uso e porte de arma emitida para a arma que foi apreendida nos presentes autos, e não apenas no seu domicílio, mas em todo o concelho de Cantanhede, ao contrário do que é referido na sentença de que ora se recorre. Bem como que nenhuma testemunha referiu que o arguido lhe apontou a arma.
C - Já relativamente ao crime de introdução em local vedado ao público previsto e punível nos termos do artigo 191.° do Código Penal, cumpre esclarecer que não se registou qualquer arrombamento para a entrada do ora arguido no imóvel onde supostamente os factos ocorreram, pelo que se presume que a mesma estivesse aberta, porque a mesma fechadura só foi rebentada aquando da entrada da força policial como refere a testemunha BB, militar da Guarda Nacional Republicana a exercer funções em C…. Bem como o facto de ora arguido agir, sempre na convicção de que o imóvel que reivindicou numa primeira fase, e ocupou numa segunda fase, seria sua propriedade.
D - Facto este que é essencial a ter em conta, dado que toda a actuação do arguido na situação sub judice foi norteada por um facto, de que agia na convicção de que era proprietário daquele bem imóvel. Só tendo sido confrontado com o documento do registo predial aquando da realização da última sessão de julgamento em que se produziu prova, tendo, no momento, manifestado total desconhecimento daquela situação, bem como surpresa e indignação.
E - Em face disto somos ainda obrigados a convocar à discussão os artigos l6.° e l7.° do Código Penal que fundamentam a prática e a actuação empreendida pelo ora arguido na situação em análise nos presentes autos.
F - Mais uma vez e em face do que se deixou dito, reiteramos que o arguido, não podia ser condenado pela prática de qualquer dos crimes de que vinha acusado.
Nestes termos requer-se que seja dado provimento ao presente recurso e anulada a decisão da que condenou o ora arguido e a mesma seja substituída por uma nova decisão que absolva o ora arguido nos termos acima expostos.
*** Por despacho manuscrito do Exmo. Desembargador relator de fls. 445 e verso, na dúvida, foi admitido o recurso, nestes termos: “Tratando-se de condenação em medida de segurança privativa da liberdade e não, em pena de prisão, é pelo menos questionável que a situação seja subsumível à previsão das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do C. Processo Penal, sendo que, na hipótese negativa, sempre valeria o princípio geral estabelecido no artigo 399.º do mesmo Código.
Assim, na dúvida, considero recorrível o acórdão da Relação de 28 de Junho de 2017, pelo que, estando em tempo e tendo legitimidade o recorrente, admito o recurso interposto pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (arts. 401.º, n.º 1, b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, 408.º, n.º 1, a) e 411.º n.º 1, a), todos do C. Processo Penal”.
*** O Exmo. Procurador-Geral Adjunto na Relação de Coimbra respondeu conforme consta de fls. 448 a 453, defendendo a inadmissibilidade do recurso, e concluindo: 1. Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão do tribunal singular que considerou que o arguido AA preencheu com a sua conduta a prática de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.°, n.º 1 e 155.°, n.º 1, alínea a) do Código Penal, um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.°, do Código Penal e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.°, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02, por referência aos artigos 2.°, n.º 1, alínea ar) e n.º 3, n.º 6, alínea a), da mesma Lei, e o declarou inimputável perigoso em razão de anomalia psíquica, relativamente a estes crimes, aplicando-lhe uma medida de internamento em instituição de internamento e vigilância pelo período mínimo de 6 meses e máximo de 1 ano e 6 meses, sem prejuízo do seu termo em caso de cessão da perigosidade; 2. Contudo, embora tenha considerado que a medida de internamento fixada pela 1ª instância, não observou as disposições legais aplicáveis (artigo 91.°, n.º 2 e 92.°, n.°1 e 2, ambos do Código Penal) porquanto, no caso, sendo os crimes mais graves (coacção agravada e detenção de arma proibida), ambos puníveis com pena até 5 anos de prisão, e embora tenha entendido que a medida de internamento não tem limite mínimo e o limite máximo não pode exceder os 5 anos, não podendo ser fixado, em concreto, um limite mínimo e um limite máximo de internamento, pois, em regra, como dispõe o art.º 92°, n.º 1, o internamento termina quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, ao abrigo do art.º 409, n.º 1, do Código de Processo Penal, onde está consagrado o princípio de reformatio in pejus, não modificou a decisão da instância quanto a esta matéria; 3. Assim, como o limite máximo da medida de internamento é o limite superior da pena aplicável ao crime cometido, que neste caso é de 5 anos e como a lei não admite a hipótese de concurso de crimes, pois o art.º 77.° do Código Penal não admite o cúmulo jurídico de penas abstractas, e a cumulação material viola o disposto no art.º 40.°, n.º 3 do Código Penal, a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra é irrecorrível, por força do disposto no artigo 400.°, n.º 1, alínea f) do Código de Processo; 4. Mas, mesmo que assim não fosse, como o recorrente apenas recorre de matéria de facto, tal matéria está subtraída aos poderes de cognição o STJ, que só conhece exclusivamente de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos n.°s 2 e 3 do art.º 410.° do Código de Processo Penal, que não é o caso dos autos, por força do disposto no art.º 434.° do Código de Processo Penal; 5. Assim, nos termos do disposto nos artigos 400.°, n.º 1...
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