Acórdão nº 1281/10.7TBAMT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução26 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório AA, exequente, intentou contra BB, Lda execução com base no facto de ser portador legítimo de uma letra de câmbio no montante de € 243.100,00 sacada pelo exequente e aceite pela executada e que esta não pagou, nem procedeu à sua reforma, na data do seu vencimento em 5 de Junho de 2009.

A executada veio deduzir oposição alegando, em síntese: Que nunca teve lugar qualquer transacção comercial entre o exequente e executada que pudesse originar a letra em execução, sendo certo também que o exequente nunca apresentou a letra a pagamento ou interpelou o opoente para pagar a quantia nela aposta Mais alegou que nem a emissão da letra nem a alegada transacção comercial foram confirmadas por deliberação unânime dos sócios e que o anterior gerente actuou para além dos limites do objecto social da opoente, com total desconhecimento do outro sócio. Alega ainda que a simples assinatura feita pelo gerente, sem a menção de tal qualidade não vincula a sociedade, impugnando ainda a letra e assinatura da letra, quer no que se refere à quantia nele aposta e bem assim no que se refere às datas nela constantes.

O exequente contestou, concluindo pela improcedência da oposição e defendendo a regularidade da subscrição do título oferecido à execução, a exigibilidade do seu pagamento por força do aceite firmado, alegando que o título lhe foi entregue para pagamento de dívidas tituladas por cheques emitidos por sociedades em que o então já referido sócio-gerente da executada tinha também participação social, tendo sido proposto o pagamento de tais cheques e a substituição dos mesmos pelo aceite da letra dada à execução, posto a oponente dar maiores garantias de solvabilidade.

Findo os articulados, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto.

Realizado o julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição deduzida pela executada.

Inconformada a executada interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo Acórdão de fls. 224 a 239, julgou procedente a apelação interposta e, revogando a sentença da 1ª instância, determinou a extinção da execução relativamente à executada.

O exequente não se conformando com esta decisão interpôs recurso de revista para este Supremo.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: 1. Cinge-se o presente recurso de revista à reponderação da decisão proferida acerca da incapacidade de gozo da executada e incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 6.° e 486.° do CSC, de acordo com os fundamentos de facto e de direito que infra melhor se explanarão.

I - DA DECISÃO SURPRESA 2. A executada na sua oposição a execução nunca alegou não possuir capacidade de gozo para aceitar a letra dada à execução, nem tão-pouco alegou quaisquer factos que levassem o Tribunal a concluir por tal incapacidade (nomeadamente falta de conveniência na prossecução dos seus fins, falta de interesse próprio e inexistência de relação de grupo ou domínio).

3. O Tribunal da Relação do Porto entendeu pronunciar-se sobre a nova questão da incapacidade de gozo da executada levantada pela apelante apenas no seu recurso, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, podendo, pois, ser apreciada pelo Tribunal a todo o tempo.

4. Porém, salvo melhor opinião de VExas, não poderia o Tribunal da Relação do Porto ter decidido tal nova matéria de direito sem ter sido concedida ao recorrido/exequente a possibilidade de se pronunciar previamente sobre tal intenção ao abrigo do princípio do contraditório, nos termos do disposto no artigo 3.° do CPC, implicando a violação dessa faculdade uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 201. o do anterior CPC (aplicável ao incidente de oposição à execução).

5. Pode ler-se no sumário do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no processo 391l0.8TBMDA.Cl, disponível em www.dgsi.pt: "I - Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

II - No primeiro caso o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame.

III - No segundo caso o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação.

IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais - e não meios de julgamento de julgamento de questões novas.

V - Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

VI - Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.

VII - A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões - como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis - constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora. quando isso suceda de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (art° 30, na 3 do CPC)," - Negrito e sublinhado nossos 6. Acreditando-se que, se a faculdade de pronúncia prévia tivesse sido possibilitada, certamente a decisão seria outra porque a decisão surpresa e seus fundamentos evidencia, salvo melhor opinião, falta de reflexão acerca de todas as questões (DE FACTO) relevantes para aferição da capacidade de gozo das sociedades comerciais, a qual poderia certamente ter sido diferente na eventualidade de ter sido concedida a possibilidade de exercício de contraditório, nos termos supra melhor explicados nas alegações de recurso.

*** II - DA DECISÃO ERRADA POR INTERPRETAÇÃO INCORRECTA DO ARTIGO 6.° CSC QUANTO AO INTERESSE PRÓPRIO - DA PROTECÇÃO DO COMÉRCIO JURÍDICO 7. É realidade assente que a executada/oponente não logrou demonstrar quaisquer factos que pudessem demonstrar má-fé do exequente/oposto (nomeadamente quanto ao por si alegado conluio).

8. E o Tribunal da Relação de Lisboa já se pronunciou precisamente sobre a impossibilidade de ser apreciada a falta de interesse próprio da sociedade comercial perante um terceiro de boa-fé, protegendo-o da alegação de falta de capacidade de gozo da sociedade comercial em virtude da inexistência de interesse próprio em liberalidades ou garantias prestadas àquele.

9. Consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 9334111.8TBOER-B.Ll-6 e disponível em www.dgsi.pt: "( ... ) GIL, exequente nos autos de que estes são apenso, veio interpor recurso da decisão que julgou procedentes os incidentes de prestação espontânea de caução por parte de CC – Aluguer de Equipamentos de Construção, S.A., DD e EE, executados nos autos principais, para efeitos de suspensão da execução na pendência de oposições apresentadas pelos executados. Nos autos, os executados dos autos principais vieram oferecer caução para suspensão da execução na sequência das oposições deduzidas: a Recorrida "CC" veio oferecê-la mediante constituição de penhor de diversos bens móveis de sua propriedade; os Recorridos DD e EE vieram fazê-lo mediante prestação de garantia por terceiro (a cc-executada "CC") mediante a extensão do mesmo penhor à garantia das obrigações dos executados pessoas singulares. Inicialmente objecto de diversos apensos, foram todos os requerimentos decididos nos presentes autos por decisão judicial proferida nesse sentido. Cumprido o demais legal, foi proferida a seguinte decisão: (. . .) Mais alega que inexiste qualquer interesse próprio da sociedade em garantir dívidas de terceiros e, nessa conformidade, não tem a sociedade garante capacidade judiciária para prestar a presente caução, sendo nula a caução caso fosse admitida.

Contudo, não se nos afigura que lhe assista razão.

(. . .) 2.1.2 Regime da prestação de garantias por sociedades A prestação de garantias a terceiros por sociedades comerciais é questão amplamente debatida na jurisprudência e doutrina nacionais. A norma do artigo 160°, do CC (W), que sucedeu à do artigo 34°, do Código de Seabra ([2}), tem sido considerada como consagrando a teoria da especialidade de fim quanto à actuação das sociedades comerciais ([3]).

No direito nacional a questão tem actualmente de enquadrar-se em sede do Código das Sociedades Comerciais, no contexto da Directiva 68/151/CEE, do Conselho, de 9 de Março de 1968 (141) (1a Directiva societária).

É o seguinte o teor da norma pertinente daquela Directiva, o artigo 9.° « 1. A sociedade vincula-se perante terceiros pelos actos realizados pelos seus órgãos, mesmo se tais actos forem alheios ao seu objecto social, a não ser que esses actos excedam os poderes que a lei atribui ou permite atribuir a esses órgãos.

Todavia os Estados-membros podem prever que a sociedade não fica vinculada, quando aqueles actos ultrapassem...

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