Acórdão nº 7614/12.4TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Nos termos do nº 1 do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, AA B.V., com sede em Wassenaar, Holanda, requereu no Tribunal da Comarca de Cascais que fosse conferida executoriedade à sentença da Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amsterdão, de 27 de Junho de 2012, que condenou BB Biofarmacêutica, Lda, com sede em Cascais, a pagar-lhe a quantia de €183.405,90 (€ 175.000,00, acrescidos dos juros legais, contados desde 16 de Junho de 2009 até integral pagamento, € 4.984,89 de custas processuais suportadas pela requerente, € 1.421,00 de custas processuais suportadas pela requerente com o processo de oposição e € 2.000,00 de custas da reconvenção da requerida) – cfr. tradução da sentença, junta a fls. 10.

A sentença holandesa foi declarada executória pela sentença de fls. 40.

  1. BB Biofarmacêutica, Lda. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa; mas foi negado provimento ao recurso, pelo acórdão de fls. 146, que decidiu: – não encontrar fundamento de recusa do exequatur, à luz do nº 1 do artigo 34º do Regulamento 44/2001 (contrariedade à ordem pública), invocado pela recorrente; – não se justificar manifestamente o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia porque, “independentemente da utilidade que pudesse ter (…), falta para o efeito pretendido um pressuposto importante, isto é, a ausência de qualquer prova do facto alegadamente tido por violador do processo equitativo”; – não determinar a suspensão da instância, aliás requerida sem fundamentação concretizada.

  2. BB Biofarmacêutica, Lda. Recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça; mas o recurso só veio a ser admitido pelo despacho de fls. 76 do apenso, na sequência do deferimento da reclamação apresentada contra o despacho de não admissão, de fls. 205.

    Também na sequência desse despacho foi proferido o acórdão de fls. 248 do Tribunal da Relação, indeferindo a nulidade do acórdão de fls. 146, arguida pela recorrente, que invocou “vício de ausência absoluta de fundamentação de facto”.

    Em resposta ao despacho de fls. 258, a recorrente veio informar que “o recurso que interpôs nos tribunais neerlandeses contra a sentença proferida em 27 de Junho de 2012 pela Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amsterdão ainda não foi decidido”.

  3. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, Tribunal a quo) que, negando provimento ao recurso de apelação interposto pela ora Recorrente, confirmou a declaração de executoriedade da sentença proferida, em 27 de Junho de 2012, pela Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amesterdão.

    1. O acórdão recorrido é nulo por vício de ausência absoluta de fundamentação de facto, nos termos do artigo 615.

      º/1/b) CPC, aplicável ex vi artigo 666.° CPC, devendo ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal a quo para suprimento da nulidade, nos termos do artigo 684º./2 CPC.

    2. A Recorrente reconhece e aceita que, por força dos vícios do acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça não poderá substituir-se ao Tribunal a quo no conhecimento do mérito da causa, na medida em que a matéria de facto deverá ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, devendo, pois, o Supremo cassar o acórdão recorrido, ordenando a baixa dos autos ao Tribunal a quo, nos termos previstos nos artigos 682.°/3 e 683.° CPC.

    3. A Recorrente alegou na apelação os factos em que funda a violação da ordem pública internacional como fundamento da recusa de reconhecimento da sentença proferida pelo Tribunal de Amesterdão e, que no essencial, dizem respeito à audiência realizada a 20 de Fevereiro de 2012 no Tribunal de Amesterdão, maxime não ter sido assegurado à Recorrente uma tradução integral e fidedigna dos depoimentos aí prestados.

    4. Apesar de oportunamente alegados, e serem relevantes para a decisão jurídica da causa, os factos em que a Recorrente funda a violação da ordem pública internacional foram desconsiderados pelo Tribunal a quo, que não determinou a sua selecção para efeitos de produção de prova.

    5. O Supremo Tribunal de Justiça deve exercer o poder que lhe é atribuído pelo artigo 682.°/3 CPC e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para efeitos de ampliação da matéria de facto e produção de prova.

    6. Mais se requer que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 683.°/1 CPC, ordene ao Tribunal a quo que, no caso de julgar provado que não foi assegurada à Recorrente uma tradução integral e fidedigna dos depoimentos prestados na sessão de 20 de Fevereiro de 2012 realizada no Tribunal de Amesterdão, suscite, para efeitos da excepção de ordem pública prevista no artigo 34.°, n.º1, do Regulamento n.º 44/2001, o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

      A recorrida contra-alegou, concluindo nestes termos (não se incluem as conclusões relativas à questão da admissibilidade do presente recurso, definitivamente resolvida na reclamação apensa): (…) 8. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se verifica qualquer nulidade do acórdão recorrido devido a uma pretensa omissão da indicação dos factos considerados provados. De facto, não obstante o recurso da declaração de executoriedade interposto no Tribunal da Relação nos termos previstos no artigo 43.°, número 2 do Regulamento (CE) n.º 44/2001, admitir a indicação de meios de prova, é entendimento unânime da jurisprudência, que o Tribunal da Relação tem o dever de proceder à apreciação dos meios de prova indicados pelas Partes, o que integra o poder do Tribunal da Relação de realizar uma audiência de julgamento, mas também integra o dever (prévio à realização da audiência de julgamento), de o Tribunal da Relação verificar a necessidade/admissibilidade dos meios de prova indicados pelas Partes, face às alegações por estas efectuadas e face às sentenças constantes do processo.

  4. No presente caso, face aos elementos constantes do processo, era por demais evidente que a Recorrente se respaldava na diversidade de regimes jurídicos envolvidos para, alegando verdadeiras falsidades, lançar a confusão e, de forma encapotada, pretender que o Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo da averiguação da existência de violação à ordem pública do Estado Português, efectuasse um verdadeiro controlo de mérito – proibido pelo artigo 45.° número 2 do Regulamento (CE) n.º 44/2001 – da sentença proferida pela Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amesterdão, segundo a qual a Recorrente foi condenada a pagar à Recorrida o valor de € 183.405,90.

  5. A realização de um segundo julgamento perante o Tribunal da Relação de Lisboa, com a consequente elaboração da lista de factos que este Tribunal tivesse considerado provados, implicaria que o Tribunal da Relação de Lisboa tivesse inquirido testemunhas e fosse confrontado com os factos que determinaram o proferimento da sentença por parte do Tribunal holandês o que, consequentemente, implicaria que este Tribunal efectuasse um controlo do mérito da causa que correu termos diante da Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amesterdão, em manifesta violação do artigo 45.°, número 2 do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

  6. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, foi precisamente porque o Tribunal da Relação de Lisboa analisou a fundamentação da sentença holandesa e se apercebeu da falta de fundamento da alegação da Recorrente, que decidiu da única forma que poderia ter decidido: mantendo a sentença recorrida, sem necessidade de realização de nova audiência de julgamento.

  7. Também contrariamente ao alegado pela Recorrente, o acórdão recorrido não é nulo por omissão de fundamentação, porquanto efectuou uma análise bastante clara da falta de fundamento da alegação da Recorrente, salientando, entre outros factos, que atendendo a que a sentença cuja declaração de executoriedade se requereu em Portugal respeita a uma obrigação pecuniária, comum no ordenamento jurídico português, a declaração de executoriedade desta sentença em Portugal, não é manifestamente contrária à ordem pública portuguesa, sendo certo que é a declaração de executoriedade e não a própria decisão, que deve ser compatível com a ordem pública.

  8. Tão-pouco se pode afirmar (como faz a Recorrente) que o Tribunal da Relação não leu e analisou devidamente as alegações das partes. Prova inequívoca de que o Tribunal da Relação analisou os autos, é a afirmação segundo a qual dos mesmos não constavam quaisquer elementos que permitissem considerar-se ter existido violação do princípio do processo equitativo, sendo certo que caso fosse dado benefício à argumentação da Recorrente, existiria conhecimento do mérito da sentença estrangeira, o que é vedado pelo artigo 45.°, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

  9. A alegação da Recorrente, ao confrontar o STJ com a descrição da audiência de julgamento que decorreu no dia 20.02,2012, perante a Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amesterdão, visa a realização, por parte do STJ, de um controlo de mérito da sentença holandesa (proibido pelo artigo 45,0 número 2 do Regulamento (CE) n.º 44/2001), bem como a apreciação de matéria de facto quando, nos termos previstos no artigo 44.

    0 e anexo IV do mesmo Regulamento, o recurso para o STJ está limitado a matéria de Direito.

  10. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, durante a audiência que decorreu perante a Divisão de Direito Civil do Tribunal de Amesterdão, no dia 20.02.2012, não se verificou qualquer violação do princípio do processo equitativo. De referir que a audiência ocorrida no dia 20.02.2012 perante o Tribunal Holandês é, na terminologia utilizada pelo Direito Processual Civil Holandês, uma "audiência informal e oral das Partes", na qual estas comparecem pessoalmente perante o Tribunal para prestar informações que não constam dos articulados, visando ainda a tentativa de conciliação das Partes. Assim, o Direito processual civil...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT