Acórdão nº 476/2000.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelORLANDO AFONSO
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:

  1. Relatório: Pelo 1ºjuízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Cascais corre processo comum na forma ordinária em que é A AA, representado por seus pais, BB e CC, todos identificados nos autos, e RR DD, Lda., identificada nos autos, Câmara Municipal de … e EE - Companhia de Seguros, S.A., também identificada nos autos, pedindo aquele que as RR sejam solidariamente condenadas a pagar-lhe, a título de indemnização: A quantia de Esc. 75.000S00, relativa a danos patrimoniais; A quantia de Esc. 15.000.000S00 relativa a danos não patrimoniais; As quantias correspondentes aos danos morais e patrimoniais que viesse a suportar em ulteriores operações e tratamentos, a liquidar em execução de sentença. Tendo alegado, em síntese que: No dia 26-12-1997 o autor, então com quatro anos e meio de idade, ao fazer a trajecto habitual de aceso à esplanada do restaurante do aeródromo de …, sito em Tires, foi embater violentamente com a face no vidro de um corta-ventos - divisória/portas de vidro da esplanada do restaurante, que se partiu em consequência do embate provocando um corte de alto a baixo na face do menor, com cerca de 25 cm de comprimento e nenhuma profundidade dessas portas permitem o acesso directo da via pública à esplanada e estavam habitualmente abertas, mas naquela manhã estavam fechadas.

    Os vidros não tinham qualquer sinalização - fitas colorias ou reflectoras, que foram colocadas depois do acidente – que permitisse a sua visualização, e tinham acabado de ser lavados, o que os tornava mais imperceptíveis.

    Tinham apenas 1 mm de espessura e não eram inquebráveis.

    Esse corta-ventos não estava licenciado.

    O menor foi socorrido no Hospital Condes Castro Guimarães, em Cascais, onde foi submetido a intervenção cirúrgica de urgência, sob anestesia geral, que provocou grande sofrimento.

    O processo pós-operatório foi bastante doloroso e traumático, tendo o menor ficado fortemente limitado nos seus movimentos.

    E lentamente ficou a perceber que ia ficar marcado para toda a vida.

    O menor terá de ser submetido a cirurgias sucessivas, com intervalos de um ano, para corrigir as zonas da cicatriz, Devendo realizar "pressoterapia"entre as intervenções cirúrgicas.

    Que lhe causou "eritrema" e "eczema", para além de evidenciar a sua situação de debilidade. E impediu a prática de natação, actividade de que gosta particularmente, até Março de 2000. Em virtude das duas intervenções cirúrgicas teve de faltar às aulas durante um período de trinta dias, com sérias repercussões na vida escolar.

    Desde a data do acidente, o menor passou a ter dificuldades de relacionamento, demonstrando dificuldade em talar do assunto, tendo-se tornado uma criança agressiva.

    Tem relutância ao toque de terceiros, a carícias e beijos dos próprios pais na cara. Recusa sistematicamente sujeitar-se a terapias, que lhe provocam enorme “stress”. Tendo pavor a hospitais.

    A partir da segunda intervenção passou a demonstrar alterações psicológicas/regressão no comportamento, que determinaram acompanhamento médico ambulatório, em consulta de desenvolvimento, desde 30-04-1999.

    Não é garantido que a cicatriz deixe de ser perceptível e que não venha a dar problemas no futuro.

    Devendo também ser valorado o impacto e o sofrimento da família do menor, que se repercute e reflecte, ainda que indirectamente, na pessoa do autor.

    Pelos danos morais já sofridos pede-se a indemnização no valor de Esc. 15.000.000S00, Pelos danos materiais já sofridos, com transportes, gasolina, telefone e outras não computadas e documentadas quase 3 anos, os pais do autor despenderam cerca de Esc, 75.000500.

    A ré DD, Lda. era detentora da exploração do estabelecimento em causa, mediante contrato de cessão de exploração.

    Mas não tinha licença de instalação e funcionamento, emitida nos termos do DL nº 328/86 de 30-09 e Dec-Regulamentar n.°8/89 de 21-03, pelo que o estabelecimento deveria encontrar-se encerrado.

    A ré Câmara Municipal de … é a proprietária do estabelecimento, tendo cedido a sua exploração a ré DD, Lda.

    E viabilizou, permitiu e teve conhecimento da abertura do estabelecimento de restauração e permitiu a instalação do guarda-vento na esplanada do Restaurante, sem que o mesmo estivesse sinalizado nos termos do regulamento de ocupação da via pública da Câmara Municipal de ….

    A ré Seguradora responde por força do contrato de seguro celebrado entre ela e a ré DD, Lda.

    Citada a ré DD, Lda, contestou, opondo em síntese: O acidente ficou a dever-se à imaturidade do menor e à falta de vigilância dos pais.

    Pois que, ao chegar ao local do restaurante o menor avançou, sozinho e em corrida, na direcção da esplanada enquanto os país ainda ficaram junto do carro a cuidar da filha mais pequena. O mesmo nunca antes tinha entrado por ali.

    O corta-ventos era constituído por uma moldura em alumínio com quatro portas de vidro, que se encontravam habitualmente fechadas.

    Era notoriamente visível à distância, e tinha colocadas, ao nível da vista de um adulto, fitas adesivas cor laranja.

    E foi colocado com o prévio conhecimento, aprovação e fiscalização das autoridades do aeródromo e da Câmara Municipal de ….

    Os vidros tinham a espessura de 4 milímetros.

    Nenhum preceito legal ou regulamentar obrigava ao uso de vidros inquebráveis.

    Impugna, por os desconhecer, os factos alegados relativos aos danos A Câmara Municipal de … também contestou, opondo em síntese: O tribunal comum é materialmente incompetente para conhecer da existência de responsabilidade civil da contestante fundada em actos de gestão pública.

    A instalação e o funcionamento do restaurante tinham sido licenciados, com prévia verificação de que se mostravam cumpridas as normas legais e regulamentares em vigor. O corta-ventos em causa era perfeitamente visível, como resulta das fotografias juntas. A sua colocação não estava sujeita a licenciamento municipal. Não lhe foi dado conhecimento dessa colocação, E não existe nexo de causalidade entre a falta de licenciamento e o acidente. Impugna a generalidade dos factos respeitantes à verificação do acidente e aos danos. Por seu turno, a ré Seguradora opôs, em síntese: No dia 26-06-1996 celebrou com a 1ª ré um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil era titulado pela apólice que documenta, nos termos do qual assumiu a responsabilidade civil emergente da exploração cie um estabelecimento de restaurante e cafetaria até ao montante de Esc. 10.000.000$00.

    Nos termos desse contrato - condição especial 32ª 2.1, c) - encontram-se excluídos do seguro os danos causados por violação ou incumprimento das leis e regulamentos que regem o exercício da actividade desenvolvida pelo tomador do seguro.

    Como se mostra ser o caso dos autos, face ao alegado pelo autor. Desconhece as circunstâncias em que ocorreu o acidente. Já reembolsou despesas suportadas pelos legais representantes do autor, estando o capital seguro limitado 9.726.349$00 O autor replicou.

    A fls. 303 e segs foi proferido despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, prosseguindo os autos com a selecção da matéria de facto assente e a submeter a julgamento.

    Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo os RR sido absolvidos do pedido.

    Inconformado recorreu o A tendo o Tribunal da Relação alterado a decisão recorrida no sentido de julgar a acção parcialmente procedente em relação à R DD, Lda., que condenou a pagar ao autor, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por este sofridos em consequência do acidente dos autos, a quantia de vinte mil euros (€ 20.000,00), acrescida de juros de mora, contados à taxa supletiva legal desde a data do presente acórdão até pagamento, no mais mantendo o decidido.

    Deste acórdão recorre a R DD, Ldª para o STJ, alegando, em conclusão, o seguinte: I - Um "Bonus...

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