Acórdão nº 707/09.7TBPVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 .

AA, S.L., com sede em …, …, 36415 Mos, Pontevedra, Espanha intentou a presente ação declarativa contra: A BB, S.A., com sede na Avenida …, nº …, Lisboa.

Alegou, em resumo, que: É legítima portadora dos cheques identificados no artigo 1º da petição, sacados sobre uma conta da ré, que foram entregues para pagamento de uma dívida da sociedade “CC, Lda”; Apresentados a pagamento nas datas neles apostas numa agência do réu, foram devolvidos com os seguintes dizeres apostos nos versos: “cheque revogado Justa causa – F.V.F.V”; Todos os cheques foram apresentados a pagamento no prazo de oito dias e, na data em que foram apresentados, a conta apresentava fundos monetários suficientes que possibilitavam o seu pagamento; A conduta do réu causou prejuízos à autora na medida em que impediu a cobrança dos cheques, privando-a dos respectivos montantes.

Pediu, em conformidade, que: A ré seja condenada a pagar-lhe € 108 727,95, acrescidos dos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Esta contestou.

Impugnou em grande parte os factos carreados pela autora , sustentando que: Ela já recebeu pelo menos parte dos valores dos cheques em causa; Não era expectável que, ao decidir aceitar a revogação de um cheque com base em falta ou vício na formação da vontade, contasse com a circunstância de o beneficiário do cheque, por causa dessa devolução, tivesse de pagar comissões que se cifravam entre os € 229,00 e os € 707,00, por cada cheque; À data em que foi apresentado a pagamento cada um dos cheques, a conta sacada não continha fundos bastantes para permitir o respectivo pagamento; Ao aceitar o pedido do sacador dos cheques, fê-lo convencida da veracidade da causa que o mesmo invocou; Tais cheques eram pré-datados.

Requereu ainda a intervenção principal acessória do sacador dos cheques, DD e de “CC, Lda”, atualmente denominada “EE, Lda”.

A autora apresentou réplica, concluindo como na petição.

Foram admitidas as requeridas intervenções acessórias, sendo os intervenientes citados para a causa e não apresentaram qualquer articulado.

2 .

A ação prosseguiu a sua tramitação e, na devida oportunidade, foi proferida sentença que a julgou improcedente, absolvendo a ré do pedido.

3 .

Apelou a autora, mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão.

Tendo elaborado o seguinte sumário: “I – O não pagamento indevido, pelo banco, do montante dos cheques apresentados a pagamento pelo portador do mesmo, é a causa real, efetiva, do dano sofrido pela A.; II – A falta de aprovisionamento da conta do sacador, que sempre levaria à sua devolução, por falta de provisão, constitui a causa virtual desse mesmo dano – isto é, constitui um facto que teria produzido aquele mesmo dano, se não operasse a causa real.

III – Tal situação, alegada e provada pela Ré, leva, assim, à exoneração da responsabilidade indemnizatória do banco sacado (autor da causa real) - a chamada relevância negativa da causa virtual.” 4 .

A formação competente admitiu a revista excecional interposta pela autora.

Na parte relativa ao mérito do recurso, conclui esta as alegações do seguinte modo: I) Entende o Acórdão da Relação que a matéria constante nas alíneas A) a I) das conclusões do recurso da autora da Sentença proferida pela 1 a Instância é matéria nova, que não foi oportunamente alegada pela Autora e, portanto, o Tribunal Relação não a poderá ter em conta.

  1. O alegado nas referidas Conclusões e alegações de recurso são presunções ou ilações que se retiram dos documentos juntos aos autos, das regras de experiência da vida e consequência legais de factos dados como provados.

  2. Ou seja, acionamento dos mecanismos constantes do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro (notificação ao sacador que se refere o artigo 1.º-A, comunicação ao Banco de Portugal a que se refere o artigo 2.º do mesmo diploma, à inclusão na listagem a que se refere o artigo 3.º do mesmo diploma, rescisão da convenção de cheque a que se refere o artigo 1.º e, ainda, exercício da acção penal prevista no artigo 11.º do mesmo diploma) é matéria de direito, que não precisa de ser alegada pela parte, já que é do conhecimento do Exmo. Senhor Juiz.

  3. Igualmente, da análise do extrato bancário decorre que no período em causa, de todos os cheques emitidos pela sacadora, uns eram pagos, outros não, mas nunca ocorreu uma devolução de cheques sem provisão, donde se conclui que a sacadora movimentava e pagava os cheques conforme entendia (com o consentimento do Banco sacado).

  4. O alegado nas Conclusões são, pois, ilações ou presunções que o Recorrente entende que devem ser retiradas dos documentos juntos (extratos bancários) e da prova testemunhal para concluir que nada garantia que os cheques fossem devolvidos por falta de provisão, resultando assim NÃO PROVADO o quesito 28.° da PI.

  5. O Tribunal da Relação ao não reapreciar a prova conforme lhe era exigido por considerar que a matéria alegada pela Recorrente era matéria nova, não deu cumprimento ao disposto no artigo 712° n.º1 do C.P.C.

  6. O Acórdão recorrido é assim nulo por omissão de pronúncia.

    SEM PRESCINDIR, MANTENDO-SE A MATERIA DE FACTO INALTERADA sempre a solução de direito, face aos factos dados como provados deveria ter sido outra.

  7. No Acórdão Recorrido defende-se que a prova da insuficiência de fundos que permitem o pagamento dos cheques leva à exoneração da responsabilidade indemnizatória do banco sacado que injustificadamente não pagou um cheque no período legal de apresentação a pagamento - a chamada relevância negativa da causa virtual.

  8. A irrelevância negativa da causa virtual é a regra geral no Instituto da Responsabilidade Civil Extracontratual.

  9. A relevância negativa da causa virtual é excecional e está prevista expressamente na lei apenas para certo tipo de situações de culpa presumida - artigos 491°, 492°, 493° n.º1, 616, n.º 2 e 807°, n.º 2 do Código Civil- constituindo estas normas disposições excecionais.

  10. Ao dar relevância negativa à causa virtual o Acórdão recorrido violou o artigo 11 ° do Código Civil, que proíbe a aplicação analógica das normas excecionais.

  11. A IRRELEVÂNCIA negativa da causa virtual é, pois, uma regra, pelo que a falta de provisão de um cheque nenhuma influência pode ter na responsabilidade do sacado como autor do dano que era inerente ao não pagamento do cheque por ilícita aceitação da sua revogação.

  12. Sendo certo ainda que, "Da revogação ilícita de um cheque e da consequente proibição do seu pagamento, sempre resultaria para o seu portador, independentemente do seu resultado final, a privação de determinadas oportunidades para chegar a esse resultado - o pagamento - ou seja, a perda de uma chance" Acórdão do S.T.J., proferido no processo n.º4591/06.4TBVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.

  13. Esta é a orientação que mais se coaduna com as normas dos Código Civil e dos princípios subjacentes ao Instituto da Responsabilidade Civil Extracontratual e da Doutrina.

  14. O ónus da prova de que os cheques não seriam pagos mesmo que devolvidos por falta de provisão, depois de acionados todos os mecanismos dos artigos 1.º-A, 3 °A e 11° do Decreto-Lei n.º 454/9l, de 28 de Dezembro, por constituir matéria de exceção que exclui a obrigação de indemnizar, compete, assim, nos termos do artigo 342 °, n.º 2 do Código Civil, ao...

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