Acórdão nº 7/14.0TAVRS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : AA , advogado , admitido como assistente nos autos , participou criminalmente contra três Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães , a quem imputa a prática de crime de denegação de justiça e de \ prevaricação, p . e p . pelos art.º 369.º n.ºs 1 e 2 , do CP , porque : I. Os Srs. Juizes Desembargadores proferiram , afirma o recorrente, no Processo n.º 330/11.6TAPTL-E.Gl, em 29-05-2013, uma decisão sumária na qual «foi rejeitada a interposição de recurso por falta de motivação (nos termos do art. 420.°, n. ° 1, al. b) do CPP) e acrescentado [em "Uma última nota"] que ( ... ) o requerimento de interposição de recurso não está, como já foi referido, subscrito pelo defensor do arguido, mas sim por este, mediante a invocação advogando pro se. Porém, para além da exigência de defensor ao advogado que seja arguido constituir uma orientação jurisprudencial do STJ [cfr., por todos, ac. do STJ de 19 de Março de 1998] a verdade é que conforme consta do oficio de fls. 9, "o Sr. Dr. BB, portador da cédula profissional n. ° ..., se encontra suspenso (por incompatibilidade) desde 24/09/1993". O que significa que o acto de interposição do recurso em causa também seria sempre um acto ineficaz, ainda que existisse motivação»-fls . 207 e segs .

2 . No Processo n.º 330/11.6TAPTL-D.Gl, em 23-09-2013, uma segunda decisão, na qual «foi também rejeitada a interposição de recurso ( ... ) da decisão que lhe indeferiu o requerimento para que pudesse constituir-se como defensor de si próprio, e ainda para que fosse "promovido o competente reenvio - legalmente obrigatório - da questão pré-judicial" para o Tribunal de Justiça da União Europeia». E nesta decisão foi concluído que: «o arguido ora Recorrente, mesmo que fosse Advogado com inscrição válida na Ordem respectiva, não pode aqui assumir a sua representação, pelo que não reúne as condições necessárias para recorrer; em consequência, e sendo certo que o despacho da 1. ª instância que o admitiu não é vinculativo (. .. ), o recurso assinado pelo Recorrente do despacho do Mma. Juiz a quo de 23/01/2013 deve ser recusado (de harmonia com o estatuído nos arts. 414.°, n. ° 2, e 420.°, n. o 1, al, b) do CPP)»-fls . 115 e segs .

II .Aqueles Magistrados da Relação ( dois, mas apelidados pelo recorrente de “ trio judicante “ no requerimento de 27.9.2013 ), subscritores , cada um , das duas decisões sumárias , sucessiva e similarmente , reputaram ser de rejeitar o insistente requerimento de auto-patrocínio do arguido , advogado , agora recorrente , com o fundamento em ser obrigatória a sua constituição de advogado ou a nomeação de defensor oficioso , não podendo litigar em causa própria , nos termos dos art.º s 61.º , n.ºs 1 e ) e f) , 62 .º e 64.º n.º 1 e ) , do CPP e , por via de consequência , se recusou nas decisões sumárias a admissão de recurso , que intentou, por falta de motivação , acrescendo , ainda , o facto de o exercício da advocacia estar dependente da inscrição válida e vigente na O A , condição não preenchida pelo ali arguido cuja suspensão , por incompatibilidade com o exercício da função de ROC , segundo o disposto no art.º 61.º n.º 1 , do Estatuto daquela Ordem , se reporta a 24.9.1993 , vista a declaração inscrita no ofício daquela de 4.12.2002 , declaração havida , por si, como enfermando de “ falsidade “ , o que tornaria ineficaz o recurso instaurado .

A este propósito esclareceu o recorrente que a deliberação de suspensão foi objecto de providência de suspensão de eficácia no TCAFP , onde obteve deferimento , aguardando o processo definitivo no STA , desde 23.3.2011, a decisão final –fls . 238.

III . No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente até porque ,a ser diferente , ou seja se todas vezes que o destinatário da decisão dela discorde , seja porque se não se aplicou a lei ,se seguiu interpretação errónea na sua aplicação ,se praticou um acto ou deixou de praticar , os Magistrados Judiciais ou do M.º P.º incorressem num crime de prevaricação estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial , a bel prazer do interessado , pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados , a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei , paralisando-se a administração da justiça , com gravíssimas , intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando , por isso mesmo , para tipicização da acção penal a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro .

Significativo o pensamento de Eduardo la Couture , citado no proémio da Lei Uniforme sobre o Cheque , comentada por Abel Delgado e Filomena Delgado , segundo o qual no dia em que o juiz acorde assediado por esse supracitado temor , o poder judicial esboroar-se –à sem apelo e nem agravo ;no dia em que tal suceder nenhum cidadão poderá mais sair à rua em sossego .

Por isso que se consagra no EMJ , como princípio , a irresponsabilidade dos juízes pelas sua decisões , tanto ao nível penal, cível ou disciplinar, salvos casos previstos na lei- art.º 5.º e se delimitam no seu n.º 3 as condições em que pode ser exercida a responsabilidade civil contra eles .

III .O crime de prevaricação e denegação de justiça é , desde o direito romano , a acusação mais grave que se pode lançar sobre o juiz , a quem cabe , por missão , aplicar a lei , decidir em conformidade com ela , atribuindo a cada o que lhe cabe , sem ninguém lesar ( “suum cuique tribuere et neminem non laedere “ ) e que , então , se desvia dessa obrigação estatutária , legalmente consagrada , e visando , com a incriminação no art.º 369.º , do CP , assegurar o interesse da realização da justiça , a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos da administração judiciária .

A lesão daquele interesse emana de “ dentro “ do sistema , por via da violação dos deveres impostos ao funcionário ou juiz , da metódica jurídica, funcionando , por isso , a estatuição da responsabilidade criminal do juiz como um dos “ mais importantes correlatos e contrapesos “ da independência e irresponsabilidade judiciais , assim comentou Medina de Seiça , in Comentário Conimbricense do Código Penal , III , 610 e 615 , na esteira de Rudolphi .

Convergem no descritivo típico do art.º 369 .º , do CP , n.º 1 , especialidades tanto ao nível objectivo como subjectivo , daquele elemento fazendo parte comportamentos activos e omissivos contra o direito manifestando uma actuação forte ao nível volitivo , traduzida na vontade e consciência desse específico proceder contra o direito objectivo , agravada se for acompanhada de dolo específico , na forma de uma especial intenção de prejudicar ou beneficiar alguém –n.º 2 .

Agir contra o direito é , à luz de uma concepção objectiva , reinante , o agir, em primeiro lugar , contra as normas jurídicas instituídas , vigentes na ordem jurídica positiva , abrangendo-se , ainda , os princípios jurídicos não directa ou expressamente englobados em normas positivadas , mas que delas derivem de forma imperativa , cogente , ainda na expressão do aludido comentador , op.cit., pág. 611 –como , por ex.º , o “ in dubio pro reo “ .

O crime é , pois , doloso , directo ou...

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