Acórdão nº 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N.º 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1[1] Acordam em Plenário no Supremo Tribunal de Justiça Relatório 1.

AA - Imobiliária, S.A. propôs no dia 9-11-2011 contra a massa insolvente de BB Lda., ao abrigo do disposto no artigo 125.º[2] do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, doravante designado C.I.R.E., ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente com processo comum, sob forma ordinária, deduzindo o seguinte pedido: Que se declarem nulos e/ou ineficazes os atos de resolução praticados pelo Sr. Administrador da insolvência de BB Lda. referentes aos contratos de compra e venda mencionados nos itens 1.º e 2.º desta peça celebrados entre esta sociedade e a A.

  1. Os contratos de compra e venda que estão em causa são os contratos de compra e venda celebrados nos dias 31-12-2009 e 7-4-2010 em que outorgaram, respetivamente, em representação da vendedora, ora insolvente, BB Lda., os sócios gerentes CC e DD (escritura de 31-12-2009) e CC e EE (escritura de 7-4-2010) e, em representação da compradora AA - Imobiliária, S.A., na qualidade de administrador único, FF, filho de DD, sócio-gerente de BB Lda.

  2. No contrato de 31-12-2009 foi vendida pelo preço de 8.700€ a fração "A" e no contrato de 7-4-2010 foram vendidas as frações "I", esta pelo preço de 40.000€ e a fração "AC", infra identificadas em 24.

    /3 e 4 da matéria de facto, esta pelo preço de 100.000€.

  3. A ação foi julgada parcialmente procedente, por provada, no tocante às frações "A" e "AC", declarando-se ineficaz e de nenhum efeito a resolução, concretizada, quanto à primeira, pela missiva datada de 20-6-2011 e, quanto à segunda, pela missiva de 24-5-2011, absolvendo-se a ré no tocante à fração "I" por resolução concretizada por esta missiva de 24-5-2011.

  4. Da sentença apelou a massa insolvente de BB Lda. Insurge-se, na parte em que ficou vencida, considerando que devia ter-se reconhecido eficaz a resolução incidente sobre a fração "AC" tanto à luz do artigo 121.º/1, alínea h) - caso de resolução incondicional - dada a diferença excessiva entre o preço de venda do imóvel (100.000€) e o seu valor de transação à data das escrituras (129.000€) como à luz do artigo 120.º/4 e 49.º/2, alínea d) - caso de resolução condicional - atento, face a estas últimas disposições, o especial relacionamento com a insolvente por parte da compradora a determinar presumida má fé do comprador; procedeu o recurso por se considerar verificada a presunção consagrada no artigo 120.º/4, declarando-se, no acórdão da Relação, "válidos e eficazes os atos de resolução praticados pelo Sr. administrador da insolvência que estavam em causa na apelação" com base no disposto nos artigos 120.º/4 e 49.º/2, alínea d) por via da interpretação extensiva deste último preceito.

  5. Do acórdão da Relação de 9-1-2014 interpôs a autora, agora vencida na totalidade, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

  6. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25-3-2014, publicado em www.dgsi.pt, 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, ora acórdão recorrido, doravante abreviadamente designado (AR), negou a revista.

  7. Reconheceu o (AR) que as mencionadas compras e vendas não foram efetuadas com comprador que fosse alguma das pessoas singulares elencadas no artigo 49.º/1 especialmente relacionadas com o administrador da insolvente, pois o comprador foi a sociedade anónima, ora autora e recorrente.

  8. No entanto, porque o administrador único desta sociedade anónima é filho de um dos intervenientes na compra e venda e sócio gerente da vendedora, a previsão constante do artigo 49.º/1, referente ao devedor pessoa singular, é aplicável ao artigo 49.º/2, alínea d) por interpretação extensiva deste preceito, norma de natureza excecional, "por funcionar a figura da pessoa coletiva apenas como instrumento para a consecução do negócio prejudicial à massa, sendo pertinente a este propósito a referência que a recorrente tece em redor do 'lucro' resultante do negócio - 29.000€ - que reverte afinal para os sócios daquela, designadamente o filho do administrador da insolvente" - ver fls. 383.º-V.º do (AR) e alegações da massa insolvente a fls. 227.

  9. Na parte que importa, o acórdão recorrido está, assim, sumariado: "II. Tendo uma sociedade, menos de seis meses antes de dar entrada em juízo do processo onde veio a ser declarada insolvente, procedido à escritura de venda de vários imóveis a favor de outra sociedade em que os respetivos sócios eram filhos de um dos três sócios da insolvente e sobrinhos dos dois restantes, preenche-se a presunção prevista no nº 4 do art. 120º do CIRE".

  10. A sociedade compradora, AA - Imobiliária, S.A., interpôs no dia 24-4-2014 recurso para o Pleno das Secções Cíveis, sustentando que o (AR) está em contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-1-2014, acórdão fundamento, doravante (AF), transitado em julgado no dia 18-2-2014 (ver fls. 131 do 1.º Volume dos autos de recurso de uniformização de jurisprudência).

  11. Nesse acórdão, revista n.º 1936/10.6TBVCT-O.G1.S1, 1.ª secção, com sumário publicado em www.stj.pt. redigido pelo juiz relator, considerou-se o seguinte: "VII - A presunção de má fé do terceiro verifica-se com o preenchimento de dois pressupostos, ou seja, a ocorrência de um ato ou omissão considerados prejudiciais para a massa insolvente, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, e o aproveitamento do benefício, por parte de pessoas, especialmente, relacionadas com o devedor, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

    VIII - No enquadramento das pessoas, especialmente relacionadas com o insolvente, não cabe a administradora e representante legal de terceiro, tão-só, por ser, também, filha de um dos sócios e administradores da insolvente".

  12. Nas suas alegações, a recorrente identificou os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao (AR).

  13. Referiu a este propósito: "

    1. O acórdão recorrido julgou improcedente a ação de impugnação da resolução em benefício da massa, pois declarou válida e eficaz a resolução operada pelo administrador da insolvência uma vez que entendeu estarem preenchidos os pressupostos de que depende a resolução condicional, nomeadamente a má fé presumida da impugnante de acordo com o artigo 120.º,n.º4 do C.I.R.E.

    2. O acórdão fundamento julgou procedente a ação de impugnação da resolução em benefício da massa , pois declarou ineficaz e de nenhum efeito a resolução operada pelo administrador da insolvência por não se verificar um dos requisitos de que depende a sua verificação, in casu, a má fé presumida da impugnante de acordo com o artigo 120.º, n.º 4 do C.I.R.E".

    Imputou ao (AR) violação do disposto no artigo 49.º,n.º2, alínea d), salientando que os acórdãos em contradição foram proferidos no domínio da mesma legislação e incidem sobre a mesma questão fundamental de direito que é a de saber se, "para efeitos de preenchimento da presunção de má fé consignada no artigo 120.º,n.º4, é havida como pessoa especialmente relacionada com a sociedade insolvente, nos termos do artigo 49.º,n.º2, a pessoa coletiva cujo administrador é filho de um dos sócios da sociedade insolvente".

  14. O recurso foi admitido por decisão de 6-6-2014 (fls. 160/162) do juiz relator nos termos do artigo 692.º do C.P.C.

    Contradição entre acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 16.

    Cumpre em primeiro lugar verificar se ocorre a mencionada contradição. Não existindo dúvida de que os (AR) e (AF) de, respetivamente, 25-3-2014 e 29-1-2014, foram proferidos no domínio da mesma legislação - C.I.R.E. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 - a questão fundamental de direito que em ambos se suscitou foi a de saber se, para efeito de presunção de má fé de terceiro quanto a ato de compra e venda ocorrido dentro de dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência a que alude o artigo 120.º, constitui pessoa especialmente relacionada com o insolvente a sociedade comercial compradora por ser uma das pessoas a que se refere o artigo 49.º/2, alínea d) quando o administrador desta é filho de um dos sócios da sociedade insolvente.

  15. Não ocorre divergência no plano de facto que justifique um juízo negativo, visto que nas duas causas o comprador é uma sociedade anónima cujo administrador é filho de um dos sócios da insolvente - ver 27 e 28 da matéria de facto do (AR) a fls. 380.º-v.º e 18 da matéria de facto do (AF) a fls. 145.

  16. A questão tem interesse, relevando não apenas para os casos em que o comprador é uma sociedade anónima, como sucedeu nos casos aqui em apreciação, mas igualmente nos demais casos em que o comprador seja uma outra sociedade que tenha por representante legal uma pessoa relacionada (v.g. por parentesco, casamento, vida comum, etc.) nos termos indicados na lei (ver artigo 49.º/1, alíneas a) a d)) com as pessoas que a lei tem como especialmente relacionadas com o devedor pessoa coletiva.

  17. Como resulta do exposto, os (AR) e (AF) deram sobre a questão resposta diametralmente oposta: ver 7.,8.,10. 11.

    e 12.

    supra.

    Uniformização proposta pelo Ministério Público 20.

    Os autos foram a vistos e o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, no tocante à questão de mérito, pronunciando-se no sentido de se uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: "para efeitos de preenchimento da presunção de má fé, prevista no n.º4 do artigo 120.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), é havida como pessoa especialmente relacionada com a sociedade insolvente, nos termos do n.º2 do artigo 49.º do mesmo diploma legal, a pessoa coletiva cujo administrador é filho de um dos sócios da sociedade insolvente".

  18. Justifica o entendimento, considerando o seguinte: - Que os atos resolvidos em benefício da massa insolvente não foram praticados entre o filho (descendente) do sócio da pessoa coletiva devedora (insolvente) , mas sim entre uma sociedade terceira, da qual tal filho era administrador, e a sociedade...

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