Acórdão nº 74/14.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução13 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Sob acusação do Ministério Público, o arguido AA, identificado nos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo do 2º Juízo de Competência Criminal do Barreiro. Considerado autor material de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do Código Penal, cometido na pessoa de BB, foi condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão. Tendo sido deduzido por CC pedido de indemnização civil, foi o arguido também condenado no pagamento da quantia de € 64 000,00, acrescida de juros, vencidos desde a notificação para contestação até integral pagamento; foi ainda condenado nas custas do processo, sendo na parte crime com taxa de justiça de 4 UC e procuradoria de metade da mesma e, nas custas cíveis, na proporção de 66,321 %.

Inconformado o arguido recorreu, de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 14-05-2014, julgou improcedente o recurso, Mantendo-se irresignado, recorre ao Supremo Tribunal de Justiça. Da motivação que apresentou extraiu as seguintes conclusões: A – O recorrente não concorda com o acórdão recorrido. B - A decisão tomada pelo douto Tribunal da Relação, no sentido de confirmar a decisão da 1ª instância, violou a lei, errou notoriamente na apreciação dos factos, o que conduziu a uma errada subsunção daqueles ao direito e, continuou, de igual forma, a não conhecer factos que a 1ª instância não conhecera, fundamentais para uma correcta aplicação do direito aos factos, geradora de nulidade do acórdão.

C - Nos termos do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação o objecto do recurso interposto pelo arguido é, de forma sucinta, o seguinte: 1 - nulidade da decisão por violação do disposto [aos] nos artigos 374º, 3790 e 4100 , do CPP, por não terem sido conhecidas questões que deveriam ser apreciadas, nem valorados documentos como os de fls 11. 16, 17 e 20 - ou depoimentos - como o do arguido ou o da testemunha DD; 2 - Erro de julgamento e invocação dos vícios de erro notório na apreciação da prova e contradição insanável: Em matéria de direito: 3 - subsunção da factualidade à previsão do artigo 133º do CP e não, à do seu artigo 131º; Pedido civil: 4 - ilegitimidade da requerente, ou a não admissibilidade do mesmo, por o convite [à] ao seu aperfeiçoamento se ter traduzido em formulação de novo pedido.

D - Quanto à questão da subsunção dos factos à previsão do artigo 132° do CP e não à do seu artigo 133°, diremos que foi incorrectamente feita a apreciação dos factos provados.

E - Se por um lado, nos pontos um a sete dos factos provados temos um quadro dos factos anteriores à morte, e atitudes da própria vítima, temos nos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 21 factos relativos ao arguido.

F - Estes pontos têm que ser considerados no seu conjunto, e de forma a colocarmo-nos na mente do arguido, para tentarmos perceber qual o seu estado emocional, a sua motivação e, se naquele momento, era-lhe exigível e/ou possível outro estado emocional, outra postura, há que analisar, seriamente, se existe, e em que medida, mitigação da culpa.

G - O acórdão voltou a não conhecer o que a primeira instância não conheceu - a questão da proximidade da esquadra da PSP, e o espaço temporal entre o momento que o arguido deixou o Rui, e o momento da actuação do arguido.

H - A questão da proximidade da esquadra é fundamental e tem que ser aferida, depende do local, da pessoa, da capacidade maior ou menor de locomoção, do meio de transporte eventualmente utilizado e, não esqueçamos, da região onde que a questão é colocada. Só por si, a afirmação de proximidade nada diz.

I - Qualquer homem médio (podendo integrar o arguido neste conceito), não pode estar no seu estado emocional normal, passa por um momento em que mal pensa, em que as emoções lhe tolhem o pensamento, não lhe é exigível o discernimento que poderia ter se nada daquilo tivesse acontecido. Não pode deixar de estar transtornado.

J - O arguido no seu recurso da decisão da 1ª instância fala numa sua atitude, relatada pela testemunha DD, que refere que após os disparos, sai para a rua e vê o arguido à frente de um autocarro, a pedir ajuda.

O arguido, que sempre colaborou com as autoridades policiais e com o Tribunal, nada refere sobre isto. Pois não se lembra.

Não será isto mais um indício que o arguido não se encontrava em estado emocional normal, ao ponto de ter esquecido o facto?! L - Se o Tribunal considera que a[o] assunção dos factos, a inserção social e familiar, a conduta anterior e posterior mitigam a culpa, o supra relatado a mitigará muito mais, ao ponto da subsunção dos factos ao artigo 1330 do CP, não chocar qualquer pessoa conhecedora dos autos.

M - O Venerando Tribunal da relação deveria fazê-lo. Não tendo feito, violou o artigo 133º do Código Penal e denegou Justiça ao arguido.

N - O arrependimento não pode ser apreciado por um só acto do arguido, quiçá a sua comoção em julgamento. Resulta da análise da sua conduta. E esta foi sem dúvida uma conduta de colaboração com a justiça, uma conduta de, após os factos, ter pedido ajuda, uma conduta de assunção dos factos. E tudo isto não pode deixar sede ser entendido como arrependimento.

O - A pena deveria ser substancialmente reduzida.

P - decidir assim, é denegar Justiça ao arguido, violando um Principio Constitucional, ínsito no artigo 20° da CRP.

Q - Na apreciação da questão relativa ao pedido civil, se o Tribunal "a quo" não conheceu a questão, o presente acórdão violou a lei, nomeadamente. o artigo 78°, n° 3 do CPP.

R - No acórdão em crise foi esquecido que, se por um lado, o Tribunal tem obrigação de apreciar as excepções de conhecimento oficioso, por outro lado a falta de contestação do pedido civil não tem qualquer efeito cominatório.

S - Quanto ao momento da suscitação, há que não perder de vista o artigo 78 do CPP, e que o arguido não tem que se pronunciar sobre o pedido, senão, e querendo, após a decisão sobre o mesmo.

T - Não colhe a fundamentação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação por clara violação do artigo 78, nº 3 do CPP.

U - Também se no primeiro pedido de indemnização civil é reclamada uma quantia, essa quantia foi alterada assim como todo o articulado.

Liquidar o pedido é apenas torná-lo exacto, não apresentar um completamente diferente.

V - O Acórdão é nulo, por violação do artigo 379, nº 1 alínea c), do CPP, pois o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, voltou a não conhecer questões que a que a 1ª instância não conheceu e deveria tê-lo feito.

Não conheceu a quês[t]ão da localização do[s] tiros (ponto 10) e a da proximidade da esquadra da PSP(ponto 15) Estas questões são essenciais à descoberta da verdade e correcta aplicação da lei, como supra se referiu.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão recorrido por ser de JUSTIÇA.

Pelo recorrente foi requerida a realização de audiência, nos termos do disposto no art. 411º nº 5 do Código de Processo Penal.

Responderam o Ministério Público na instância recorrida e a assistente.

Defendendo a manutenção da decisão, o Ministério Público finalizou a sua resposta com as conclusões seguintes: a) O acórdão recorrido, que mantém a condenação do arguido em 1.ª instância na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, não merece censura; b) A gravidade dos factos praticados pela vítima e a violência que esta exerceu sobre o arguido durante os acontecimentos que antecederam a execução do crime de homicídio, descritos nos pontos 1 a 7 da matéria de facto provada, não constituem, nas circunstâncias do caso, uma situação que possa configurar um domínio do agente por compreensível emoção violenta, de modo a integrar a previsão do tipo de crime de homicídio privilegiado p. e p. pelo artigo 133.º do Código Penal; c) O comportamento da vítima e a sua contribuição para o crime de homicídio foram devidamente ponderados ao nível da culpa; d) O acórdão recorrido respeitou os critérios legais e considerou todas as circunstâncias jurídico-penalmente relevantes para efeitos de determinação da medida concreta da pena, em particular o disposto nos artigos 40.° e 71.° do Código Penal; e) A omissão da decisão quanto aos detalhes da matéria de facto referidos pelo arguido não adquirem a relevância que este lhe pretende conferir ao nível da omissão de pronúncia, não constituindo, por conseguinte, motivo que possa ferir a decisão da invocada nulidade consistente em omissão de pronúncia (artigo 379.°, n.° 1, al. c), do CPP), nem consubstanciam qualquer vício da decisão de conhecimento oficioso, nomeadamente o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410.°, n.º 2, al. a), do CPP).

A assistente, por seu turno, pronunciou-se acerca da questão da subsunção da factualidade à previsão do art. 133º, e não do art. 131º, do Código Penal e da invocada nulidade do acórdão; sobre a legitimidade da requerente e a respeito da admissibilidade do pedido cível por o convite ao aperfeiçoamento não se ter traduzido na formulação de novo pedido; e ainda sobre o pedido de realização da audiência no recurso para este Supremo Tribunal.

Recebidos os autos, foi dada vista ao Ministério Público.

Após despacho liminar, foram os autos a vistos e foi designada data para a audiência, a qual se realizou com observância das legais formalidades, tendo proferido as suas alegações, a defesa, o Ministério Público e a assistente.

2.

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: 1.

Na madrugada de 9 de novembro de 2008, até cerca das 03,00 horas, BB esteve no estabelecimento snack-bar denominado “...” propriedade do arguido, a beber cervejas e a jogar setas.

  1. Depois do encerramento do estabelecimento, Rui Borda de Água pediu ao arguido que o transportasse até ao Fórum Barreiro, o que este fez, no seu veículo Honda Civic, matrícula JD-..., sentando-se BB no banco ao lado do condutor.

  2. No trajeto, BB retirou do bolso uma navalha com 8...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT